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Não conheces nem sabes? Não julgues

Não nascemos juízes nem somos juízes. Mas julgamos os outros sem os conhecer. Tal como não sendo réus, tantas vezes somos julgados por quem não nos conhece. Quando não, condenados. Já julguei quem não conhecia de lado nenhum, tal como já fui julgado por quem nunca me tinha visto. Está errado, mas é vulgar entre os seres humanos …

Agora que tem os filhos praticamente “arrumados”, a doutora Isabel, médica amiga, deu numa de fazer caminhadas. Sente-se bem com isso e os “médicos” recomendam, normalmente aos outros. Mas ela optou por dar o exemplo. Uma das últimas e mais marcantes caminhadas, foi como peregrina a Fátima, integrada num grupo numeroso onde as pessoas são tratadas pelo nome próprio, nada mais. Não há títulos, profissões, classes sociais. Fez-se à estrada e lá foi cumprindo o seu papel nessa longa viagem até à Capelinha das Aparições. Um dos elementos desse grande grupo era um jovem coberto de tatuagens sinistras, com cobras, dragões, caveiras e outras imagens radicais. As partes do corpo livres de pintura, só mesmo a cabeça e as mãos. Tudo o resto estava tatuado ao milímetro. Para além da “decoração”, usava “piercings” e “extensores” nas orelhas, que lhe deixavam abertos dois grandes buracos. “Tem um ar de vagabundo e drogado”, pensava ela. E ao longo do caminho evitou-o, imaginando o pior. Era alguém com quem não gostaria de se cruzar à noite…

No último dia e já na parte final da caminhada, desgastada e diante de uma longa e acentuada subida, parou e anunciou aos companheiros de viagem: “Para mim, acabou. Já não consigo subir isto”. E sentou-se. A notícia correu o grupo e o rapaz das tatuagens aproximou-se e disse em tom imperativo: “Não, agora que estás tão perto, não vais desistir. Vais conseguir como os outros, ainda que eu tenha de te levar às costas”. Ajudou-a a levantar-se e, com o auxílio de outro elemento do grupo, empurrou-a lentamente ladeira acima até alcançarem o alto. Ali chegados, ela agradeceu-lhe, mas ele declinou o agradecimento dizendo: “Já me agradeceste”. “Como é que eu te agradeci?”, quis ela saber. “Conseguindo chegar aqui”. A partir daí, compreendeu que se equivocara e julgara-o sem o conhecer. E quis “conhecê-lo”. Finalmente. Então, a surpresa ainda foi maior quando ele lhe disse que gostava muito de três coisas: Tatuagens, música “metálica” e… Deus. Sim, DEUS. Além de católico praticante, até era… catequista. Só então se apercebeu de quem ele realmente era, ao vê-lo na sua disponibilidade para os outros, na solidariedade, numa alegria sem limites. Errara por completo no juízo prévio que fizera, baseada somente no aspeto. Como todos nós erramos tantas vezes…

Em garoto alguém me disse para “não falar sem conhecer e não julgar sem saber”. Já adolescente, levei uma reprimenda, sendo aconselhado a “não falar, criticar ou fazer juízos prévios sem estar bem informado, para saber daquilo de que se fala e de poder ter opinião. Mas nunca o poder de julgar”. É um facto, porque não somos juízes e nem temos mandato. Vai-se enganar (quase) de certeza aquele que julga pela aparência, pelo nome, pela roupa ou porque sim. Mas existe em cada um de nós essa veia para o ser, uma tendência para condenar sem ouvir, discriminar sem pensar, em função de alguns estereótipos que criamos ou nos incutiram e condicionam. Em linguagem futebolística, temos o hábito de ser “treinadores de bancada” …. 

De autor desconhecido, não quero deixar de partilhar esta história:

“Eram dois vizinhos. Um deles comprou um coelho para os filhos. Os filhos do outro vizinho também quiseram um animal de estimação e os pais compraram-lhes um filhote de “pastor alemão”. Então, começou uma conversa entre os dois vizinhos: – Ele vai comer o meu coelho! – De jeito nenhum. O meu pastor é filhote. Vão crescer juntos e “fazer amizade”!!! E, parece que o dono do cão tinha razão. Cresceram juntos e tornaram-se amigos. Era normal ver o coelho no quintal do cachorro e vice-versa. E as crianças, felizes com os dois animais. Até que um dia o dono do coelho foi viajar no fim de semana com a família e não levou o coelho. No domingo à tarde, o dono do cachorro e a família lanchavam tranquilamente quando, de repente, entrou o pastor alemão com o coelho entre os dentes, imundo, sujo de terra e morto. O cão levou uma tremenda surra! Quase mataram o cachorro de tanto o agredirem. Dizia o homem: – O vizinho estava certo. Só podia dar nisto!

Mais algumas horas e os vizinhos iam chegar. E agora? Todos se olhavam. O cachorro, coitado, gania lá fora lambendo os ferimentos.   – Já pensaram como vão ficar as crianças? Não se sabe exatamente quem teve a ideia, mas parecia infalível: – Vamos lavar o coelho e deixá-lo limpinho. Depois vamos secá-lo com o secador e colocá-lo na sua casinha. E assim fizeram. Até perfume puseram no animalzinho. Ficou lindo. – Parecia vivo, diziam as crianças. Pouco depois, ouvem os vizinhos chegar e os gritos das crianças. – Descobriram! Ainda não tinham passado cinco minutos e o dono do coelho veio bater à porta, assustado. Parecia que tinha visto um fantasma. – O que foi? Que cara é essa? – O coelho, o coelho … – O que tem o coelho? – Morreu! – Morreu? Ainda hoje à tarde parecia tão bem. – Morreu na sexta-feira! – Na sexta-feira?!!! – Foi. Antes de viajarmos, as crianças enterraram-no no fundo do quintal. E, agora, ele reapareceu!!!

A história termina aqui. O que aconteceu depois fica à imaginação de cada um de nós. Mas a grande personagem desta história, sem dúvida alguma, é o cachorro. Imagine o coitado, desde sexta-feira a procurar em vão o seu amigo de infância. Depois de muito farejar, descobre o seu amigo coelho, morto e enterrado. O que faz ele? Provavelmente com o coração partido, desenterra o amigo e vai mostrá-lo aos seus donos, imaginando que o fizessem ressuscitar. E o ser humano fez o que fez? Continuando a julgar, sem saber, deu-lhe “porrada” …

Este (mau) hábito de nos precipitamos a tirar conclusões, costuma dar asneira, mas temos dificuldade em aprender, em aceitar que não o podemos nem devemos fazer. Histórias como esta aconselham-nos a pensar bem nas atitudes que tomamos. Porque, demasiadas vezes nos colocamos do lado errado …”