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As “frinchas” no vestido…

Ela trazia um vestido que, com toda a propriedade, classifico de “político”. É que, tal como os políticos, prometia muito, mas mesmo muito. Só havia uma pequena diferença entre ela e os políticos: Ao contrário deles, que prometem muito mas não fazem nem dizem nada, as promessas dela eram reais, “diziam” muito e algumas bem visíveis, “palpáveis”. O vestido tinha no seu corte umas quantas “frinchas” estrategicamente colocadas para, a espaços, umas vezes mostrar e outras esconder lugares de deleite e prazer, como que um pronuncio da entrada no paraíso terreno… ou, quem sabe, uma descida ao mais profundo dos infernos. Era um jogo de sombra e de luz, de tapa e destapa, prometendo muito sem dar nada, abrindo e fechando o lugar à visão de espaços secretos cujo encanto hipnótico só existe enquanto se não conhecem. Tal como o truque do mágico que nos deixa de boca aberta mas perde a magia quando nos ensinam como se faz. Há encantos que só o são enquanto os imaginamos…

E é assim que mordemos o “isco” e ficamos presos ao “anzol”, qual truta a sacudir o rabo quando a tiram da água. Mas, somos como somos. E não há nada a fazer: Os homens são brutos, broncos, insensíveis e estúpidos. E simples. Em rapazola já ouvia dizer que “um homem para ser homem, deve ser forte, feio e cheirar a cavalo”. E não pode chorar… Será que é disso que elas gostam (e não tenhamos dúvidas de que muito do que os homens fazem é sempre com o intuito de lhes agradar)? Ou gostavam? O ditado antigo do “quanto mais me bates, mais gosto de ti” fazia jus ao homem bruto e machista de outrora, que ainda se não perdeu de todo. E basta ver a pancadaria que ainda distribuem por aí… Ora, nós homens, não temos remédio. Por mais que elas nos queiram educar, ensinar, domesticar, não vamos lá ( e sabemos quanto elas têm essa vontade…). Se calhar, é por burrice, por sermos tacanhos. Alguns, mais novos, já vão aprendendo qualquer coisa, mas não chega. Não basta saber cozinhar, trabalhar com o robô de cozinha e limpar a casa. É preciso mais. Muito mais. É preciso dar ter atenção aos pormenores, àquilo que é realmente importante… para elas. Se lavamos as mãos, temos de limpá-las àquela toalha muito bem dobrada em três, pendurada no toalheiro. Tudo bem. E depois? Voltamos a pô-la no toalheiro… de qualquer maneira, desde que fique pendurada. Algum homem tem o cuidado de a voltar a dobrar em três e alisar-lhe as pregas? Não acredito… Com a tampa da sanita, nem se fala. É uma guerra pegada. E nem compreendo para que serve a porcaria da tampa. Só dá trabalho. Era mais saudável e higiénico a “padaria” ficar assente diretamente na porcelana. Esquecemo-nos de pôr a tampa para cima ou para baixo conforme o caso e… “temos conversa”. Salpicamos a tampa quando “atiramos” de cima, diretamente na água do fundo e… “temos conversa”. E porquê? Porque não aprendemos. Que é isso de entrar em casa com os sapatos sujos e deixar marcas de terra e lixo por todo o lado? Lá vem ela atrás de nós com a vassoura, o espanador e a pá do lixo. E uma certa conversa… Que é isso de agarrar num pedaço de pão, em biscoitos ou qualquer coisa que largue migalhas e andar pela sala a comer? “Pega num tabuleiro ou num prato. Não vês que estás a largar lixo por todo o lado”? E lá vem ela atrás de nós com a vassoura, o espanador e a pá do lixo, como se a sala tivesse ficado pior que uma padaria no fim de um dia de trabalho… Que é isso de entrar em casa, tirar os sapatos e deixá-los na sala, enquanto se descansa um pouco? “Isto aqui é alguma sapateira”? Se te sentas no sofá e tiras as almofadas do sítio, “ai meu Deus, que cai o Carmo e a Trindade”.

Um homem bem ensinado, melhor, bem aprendido, nunca toca nas jarras, nos objetos que estão em cima da mesa, nos enfeites e nas muitas bugigangas que estão espalhadas por todo o lado. Ai dele se as desloca um centímetro do sítio. Pior que o cão a detetar coelho, elas apercebem-se que o objeto não está no “seu lugar” (que é o lugar imaginado por elas) e vai ouvir, de tabela: “Quem foi que tirou esta jarra do sítio”? E, de imediato, pega na jarra e desloca-a um ou dois centímetros, porque isso é que faz a diferença entre “estar ou não estar no sítio”. Porque tem de ser ali. Porque o ”SÍTIO” da jarra é ali e em mais lado nenhum. Não percebes nada. Ou fazes-te de burro?

Se ela te disser que a torneira está a pingar ou a porta a chiar, não te armes em parvo continuando a ver o jogo de futebol ou o filme do teu agrado na televisão, fazendo orelhas moucas. Esquece. Levanta o rabinho do sofá e vai a correr buscar a ferramenta (se é que não andas com ela…). E toca a dar o aperto na torneira e a pôr óleo nas dobradiças da porta porque custa tanto fazê-lo logo como passados três meses( que é aquilo que qualquer homem que se preze, faz). E, claro, todos os dias vais ter de ouvir aquela ladainha do costume: “Não tenho quem me ajude”, “só sabes estar alapado a ver televisão” e outras tiradas bem menos simpáticas que não convém escrever aqui para não nos deixar envergonhados nem desmotivar os mais novos a espreitar pelas “frinchas”… E, quando decidires tirar umas férias da televisão para lhe fazer a vontade, depois de resolveres o problema em cinco minutos e se estiveres à espera de um elogio como o cão de mimos, prepara-te para ouvires: “Já agora, corta a relva, leva o lixo ao contentor e varre o passeio”. Por amor de Deus, isto não é aproveitar-se da tua boa vontade? Um “gajo” já não pode fazer uma obra de caridade que se aproveitam logo dele… Mas a culpa é tua, meu estúpido. Porque é que ficaste com os olhos pregados nas “frinchas” do vestido? E porque ficaste à espera das suas promessas? Quem te mandou querer conhecer os segredos escondidos com mais “profundidade”? Eu não te disse que poderia ser “um pronuncio do paraíso terreno… ou uma descida ao mais profundo dos infernos”?

Quem quer cuidar de mim?

“Olá, eu sou a Shakira, jovem, bonita e meiga, muito meiga. Ainda não completei a adolescência e procuro quem queira cuidar de mim. Prometo que serei sempre agradecida, fiel e uma boa companhia. Não trairei quem me acolhe nem serei ingrata. Nunca. E serei com certeza a alegria da casa onde me acolherem, alguém com quem podem desabafar, uma companheira para passear, para os bons e maus momentos da vida, espalhando felicidade e ajudando a aliviar a tristeza. Então, quem quer cuidar de mim?

Minha humilde mãe foi abandonada por aqueles a quem cabia cuidar dela muito antes de eu nascer. Somos seis irmãs e um irmão e passamos fome, muita fome. E até sede. Desde que nasci valeu-nos a Sílvia fazendo-nos chegar comida e bebida através de uma janela, pois morávamos na zona abandonada de um estaleiro ao qual não tinha acesso e de onde nunca saíamos. Só a minha mãe conseguia ir a casa da Sílvia de vez em quando, para lhe agradecer o que fazia por nós. E estamos-lhe muito gratas por ter sido o nosso anjo da guarda. Sem ela, não teria sobrevivido. Nenhum de nós. Foi ela que nos alimentou, que nos matou a sede, que nos deu atenção, que falava connosco, que nos deu amor e nos fez acreditar que ainda há gente boa. Gente responsável para cuidar de nós: CÂES. Umas senhoras da Associação levaram cinco dos meus irmãos para entregar a famílias de adoção. Só fiquei eu e uma irmã, por nos termos escondido entre o silvado. Tivemos medo, não sabíamos o que nos iam fazer. Porém, algum tempo depois, uns homens levaram-nos à força para o canil municipal. Nem sequer tivemos tempo para nos despedirmos da nossa protetora, a Sílvia, que deve ter ficado preocupada com o nosso desaparecimento. E o que pode esperar um cão preso no canil se no espaço de poucos dias não aparecer alguém para o adoptar? O mesmo que podiam esperar os judeus nos campos de concentração nazis. Vieram buscar à cela do lado dois cães que já lá estavam quando chegamos… e não voltaram. Por isso, percebemos bem o que nos espera…”

Naquele dia, quando a Sílvia chegou a casa, a mãe disse-lhe logo: “As cadelitas desapareceram”. Correu à janela e chamou-as, mas nem sinal delas. Ficou preocupada. Estava-lhes muito afeiçoada. Dormiu mal, melhor, não dormiu. Ao outro dia mal se levantou, foi à janela espreitar para o terreno do estaleiro e nada. Só apareceu a mãe da ninhada. Quatro dias depois continuava sem notícias. Foi ao estaleiro perguntar aos trabalhadores e disseram-lhe: “Foram recolhidas por gente da Associação”. Não acreditou e foi falar com a Teresa. Rapidamente chegaram à conclusão de que deviam ter sido levadas para o canil municipal. A confirmar-se, tinham de andar depressa se as queriam salvar. E, ao outro dia, quarta-feira, veio a confirmação: As duas cadelitas estavam no canil e seriam abatidas na sexta-feira. . Sem mais, como todos os animais que lá vão parar e não têm a sorte de ser adotados… em poucos dias. Começou então uma corrida contra o tempo para as salvar. Tinham de encontrar alguém que as adotasse. A Sílvia bem gostaria de o fazer mas não tinha condições. Não podia ficar com elas. E a Teresa, responsável na Associação local que promove a adoção de animais, muito menos, tantos são os casos que tem entre mãos. Foram para casa e nem uma nem outra dormiram. Só havia uma preocupação nas suas cabeças: Como salvá-las? O tempo escoava-se. Ao outro dia, a Sílvia conseguiu o adiamento da execução por mais uma semana através de um responsável camarário. Uma semana, nada mais, uma pequena folga para tão grande tarefa. Seguiram-se dias de muitos contactos mas nenhum resultou, não encontraram família de adoção. O que fazer? O tempo escasseava e a Sílvia mais sofria com a antevisão do abate das suas “meninas”. Então, para evitar a condenação à morte daqueles dois animais inocentes (só porque a maioria dos políticos deste país aprovou regulamentos municipais que assim o determinam – e louve-se a Madeira, por ser a exceção), entre as duas acordaram que a Sílvia as adotaria (transitoriamente) com a ajuda da Associação e, a partir daí promoveriam a sua adoção definitiva. Ao recolhê-las no canil, encontraram as cadelitas tristes, cheias de medo e deprimidas, como que pressentindo o que as esperava. Mas, quando a Sílvia as chamou, os olhos iluminaram-se ao reconheceram a sua protetora. Tinha valido a pena…

“Quando o tratador do canil nos quis agarrar, lutamos e esgadanhamos deixando-o marcado nos braços, porque sabíamos que não voltaríamos, como todos os outros. Já dentro duma viatura, ouvimos uma voz a chamar-nos. E então reconhecemo-la. Era a mesma voz que tantas vezes nos falou, nos mimou, nos deu atenção e amor. Era a Sílvia. Como é possível? Soubemos então que estávamos salvas porque a Sílvia não nos trairia. Tínhamos essa certeza. O sofrimento estava a chegar ao fim. É que nós sofremos como os seres humanos, embora haja quem pense que não. E será bom que se saiba que os cães também têm a capacidade de se emocionar, de sentir alegria e tristeza, raiva e mágoa. Sentimos quando somos abandonados e caímos em depressão. E até temos pressentimentos, se o nosso dono estás triste ou alegre, feliz ou zangado, assustado ou furioso. Mas temos sobretudo a capacidade de ser uma companhia meiga, fiel, leal e desinteressada, que pode ser uma parte importante da sua vida. Por isso lhe pergunto e peço com toda a humildade: Quer ter a bondade de me adotar? É que eu preciso de adotar um dono, com urgência”…

O que acabo de vos contar é real, estes animais precisam de vós. Por isso, quem quiser dar à Shakira e à Beyoncé o acolhimento e alegria de um lar que nunca tiveram, podem contactar a Sílvia ou a Teresa pelos números 912948258 e 912568785.

E porque havia de ser a mim?

A vida é uma sucessão de factos e neles estão incluídas as últimas despedidas. Na maioria das vezes, nem nos apercebemos que é disso que se trata quando nos separamos de pessoas e bens. Muitas dessas situações, que acabaram por dar em adeus, aconteceram com um simples “até logo”, “até amanhã” ou “até um dia destes”. Mas, na verdade, transformaram-se num “adeus para sempre” quer porque horas depois sofreu um AVC, uns dias mais tarde teve um acidente e morreu, porque emigrou e por lá ficou ou por uma outra qualquer razão. E assim deixamos de poder rever algum familiar, amigo da infância, companheiro da escola, do liceu, da faculdade, da tropa, do desporto, da música ou de um qualquer grupo em que estivemos envolvidos ao longo da vida. Ou então, cada um conformado, ao ponto de me dizer ent de nós seguiu por diferentes caminhos que não mais se cruzaram, não havendo por isso lugar ao reencontro. É assim que a maior parte das vezes nos separamos das pessoas temporariamente sem tomarmos consciência de que, efetivamente, se trata de um adeus definitivo.

Numa despedida em que estamos conscientes de tal, o mais triste é a incerteza da volta porque, se tivéssemos a certeza de que seria um eterno reencontro, não haveria lugar à tristeza. Temos de nos acostumar às despedidas para poder seguir em frente, por mais ou menos dolorosas que sejam, caso contrário viveremos presos a uma eterna ansiedade que provoca mais ou menos sofrimento. Mas provoca.. A despedida está associada ao sentimento de perda, de algo que deixamos de ter, de possuir, se bem que toda a sensação de perda vem da falsa sensação de posse. Sim, porque temos em demasia a sensação que “temos” isto ou aquilo, este amigo ou aquele, esta coisa ou aquela. Como se fôssemos donos de alguma coisa…

Naquela casa, a notícia caiu como uma bomba: O chefe de família que tinha ido trabalhar pela manhã foi vítima de atropelamento e faleceu a caminho do hospital. O desespero instalou-se perante uma realidade que ninguém imaginava horas antes quando saiu de casa. “Porque havia de acontecer a mim” repetia indefinidamente a mulher dele em desespero sem obter qualquer resposta, como se alguém devesse responder. E porque não? Essa pergunta é colocada por milhões de pessoas nas mais variadas vivências de situações dramáticas, como se cada pessoa fosse a única a ser atingida por uma qualquer calamidade, acidente, doença ou morte de alguém que lhe é próximo. De certa forma, somos egoístas na nossa dor. Julgamo-nos únicos. E é natural pois as nossas dores são sempre as maiores, aquelas que vivemos e sentimos verdadeiramente, como nenhuma outra. Porque, com as dores dos outros, podemos nós bem… As nossas é que são uma chatice. Ficam-nos agarradas como lapas tal e qual nós ficamos agarrados a elas feitos escravos.

Já há muitos anos alguém me dizia que as doenças, os acidentes, o sofrimento e a morte vão um dia chegar a nossa casa. Não há como fugir-lhes, é só uma questão de tempo. É certo que alguns carregam desde bem cedo o fardo do sofrimento enquanto outros, por um capricho da sorte, só se confrontam com ele bem lá para diante. Mas, cedo ou tarde ele vai chegar e não adianta perguntar “porquê a mim”. Seria caso para responder: “Chegou a tua vez”. Mas veio uma dor atrás de outra, uma doença atrás de outra, uma morte atrás de outra morte, sem tempo para recuperar? “Não interessa, chegou outra vez a tua vez”.

Um dia conversava com um amigo que acabara de perder o filho muito jovem. Conversar com um pai que passa por uma tragédia destas, não é nada fácil. Que se pode dizer a alguém que perde um filho, algo contrário ás leis da natureza? Não há palavras. E sem palavras fiquei quando o encontrei com ar tranquilo e conformado, ao ponto de me dizer que estava em paz e tinha muito que agradecer a Deus. E nem precisei de lhe perguntar porquê. Com toda a calma e convicção, acrescentou. “Tenho muito que agradecer-Lhe, por todo o tempo que nos concedeu para estarmos juntos. E houve tantos momentos felizes”… A partir daí, a conversa foi longa e fácil, se bem que tenha sido ele quase sempre a falar. Entre muitas coisas disse-me que o que aconteceu com o filho foi na hora em que tinha de ser, porque tudo tem a sua hora. E os momentos felizes, os alegres, os tristes e os silêncios também têm a sua. Assim, não tinha razões para ficar zangado com quem quer que fosse, muito menos com Deus. Se para uns tal resulta do caminho que cada um escolhe, aquilo a que vulgarmente se chama o “livre arbítrio”, para outros é o destino ou determinismo ao qual ninguém foge. Para ele, “é simplesmente a mão de Deus e Ele sabe muito bem o que faz”. A verdade é que esses momentos acontecem a todos nós em qualquer hora, em qualquer dia, em qualquer lugar. “A questão”, dizia ele, “é sabermos tirar partido do tempo que nos é concedido e que nunca sabemos quanto durará. Quantas vezes, perante a perda de alguém, as pessoas choram, gritam e revoltam-se, como se não possam viver sem esse alguém. E, em muitos casos, apetece-me perguntar: Será que souberam valorizar o tempo que tiveram? É que não adianta pedir mais tempo se não se soube aproveitar todo aquele que nos foi dado. Seria só mais desperdício”… Quando o deixei, dei comigo a meditar sobre o “meu desperdício” e em como ele tem razão…

A respeito do respeito…

O automóvel entrou com excesso de velocidade no parque de estacionamento do supermercado e “enfiou-se” no lugar vago mesmo junto da entrada, como se lhe estivesse destinado. O motorista saiu do carro com ligeireza, trancou as portas e entrou na loja. Normal? De maneira nenhuma. Como não fosse suficiente a condução perigosa dentro do parque, estacionou num lugar reservado, mas não para ele. Bem visível pela pintura, a reserva era para… deficientes. Pela forma ágil como se movimentou, não tinha deficiência… visível. Mas era um “deficiente”… no respeito pelos outros, pelas regras da sociedade. E o curioso é que aquele era o único lugar vago dos quatro reservados a pessoas com limitações, junto da entrada do supermercado… Afinal, havia mais gente com o mesmo “tipo de deficiência”. E pude comprová-lo depois de fazer as compras, quando vi um dos outros “deficientes” a empurrar o carrinho das compras, meter os sacos no carro e deixar vago um dos tais lugares reservados.

O automóvel deveria ser um simples meio de transporte mas é usado demasiadas vezes como instrumento de força, vaidade, competição e, especialmente, como meio de manifestação da falta de respeito pelos outros. Ora, o respeito é um dos valores mais importantes do ser humano e é fundamental nas relações entre as pessoas. É um sentimento que leva ao cumprimento das regras, das leis, a ter consideração pelos outros. Aprendemos a tê-lo em criança, com os pais, e é algo que nos acompanha desde o berço e não se baseia em imposições mas na educação. Esquecemo-nos muito dele e, com uma “roda” na mão, é todos os dias… E isso acontece quando paramos lado a lado com outro carro para conversar, impedindo a circulação normal das outras viaturas, “esquecidos” dos outros… Ou quando estacionamos indevidamente sobre o passeio que é destinado aos peões, obrigando estes a caminhar pela rua… Ou quando estacionamos em segunda fila, impedindo a saída de carros corretamente estacionados…

Eu estava parado perto de um restaurante que serve refeições para casa, quando chegou um automóvel e parou por detrás dos carros que estavam na baía de estacionamento. O condutor saiu, trancou a viatura e “foi à sua vida”. Logo de seguida saiu do restaurante o dono de um dos automóveis “entalados”, com um saco na mão contendo o almoço ainda fumegante. Olhou ao redor à procura do dono da viatura que lhe impedia a saída, mas não viu ninguém. Entrou no carro e buzinou algumas vezes, mas nada. Ficou “a secar” durante mais de quinze minutos até aparecer o “amigo”, tão pouco preocupado que nem sequer pediu desculpa, acabando por ouvir “algumas” de que não terá gostado. Com toda a calma meteu-se no carro e foi embora, enquanto o outro fazia o mesmo, com “cara de poucos amigos” e não deveria ser por já ter o almoço frio…

Numa rua estreita de sentido único em Lousada, um condutor teve de parar quando encontrou um automóvel a obstruir a rua e com o dono lá dentro, à espera da mulher que tinha ido às compras. Esperou um pouco mas, como o homem no carro não lhe ligou nada, buzinou para lhe chamar a atenção. Mas, nada, o homem sentado ao volante não se mexeu. Voltou a buzinar por mais que uma vez, até que o homem sentado no carro parado abriu o vidro, pôs o braço de fora e fez um sinal com a mão que significa “passa por cima”. Impetuoso como é, o condutor não se fez rogado: Engrenou a primeira e acelerou, acertando em cheio no carro com grande estrondo. De dentro deste saiu o homem com as mãos na cabeça: “Ai o meu carro novo…” O condutor, que também havia saído, disse-lhe com ar cínico: “O senhor mandou-me passar por cima e eu tentei, mas não consegui…”

Algo semelhante aconteceu com uma mulher jovem e bonita cá da terra quando circulava numa rua do Porto. A fila era grande e o trânsito estava parado já há algum tempo. O condutor do carro atrás de si deu algumas buzinadelas, provavelmente a reclamar ou chamar a atenção para os responsáveis do engarrafamento lá para a frente da fila. Mas ela, farta de o ouvir buzinar, abriu o vidro e também fez o tal sinal de “passe por cima”. Mal a fila se começou a movimentar, o homem que buzinara aproveitou um espaço e colocou o carro a par do dela, abrindo o vidro. Como ela ainda mantinha o seu em baixo, ele não se inibiu de dizer àquela mulher jovem e vistosa: “Bem gostava de lhe passar por cima…”

Quando nos confrontamos com alguém à nossa frente que, por opção ou falta de agilidade conduz devagar fazendo com que o trânsito se arraste, numa reação instintiva pela nossa pressa permanente, entre dentes deixamos escapar “mexe-te lesma” quando não o manifestamos em buzinadelas ou impropérios. Parece mesmo que estamos quase sempre zangados com os outros, talvez até com o mundo. Estas são só amostras das múltiplas situações em que o carro, que deveria ser só um meio de transporte, se transforma numa arma de arremesso para agredir os outros quando os devíamos respeitar – diz-se que o respeito é algo que exigimos dos outros mas que não temos por eles. E temos tanto para aprender…

Um português está a trabalhar na Suécia e vai todos os dias para a fábrica à boleia, no carro de um colega sueco. No primeiro dia chegaram cedo e, apesar do enorme parque de estacionamento estar praticamente vazio, ele deixou o carro num dos lugares mais distantes da entrada. Nos dias seguintes continuou a estacionar longe da entrada das instalações, apesar dos muitos lugares vagos perto desta. Estranhando esse comportamento porque entre nós qualquer um faria o contrário, isto é, estacionava junto da entrada (mesmo nos lugares reservados a pessoas com deficiência…), perguntou-lhe porque razão o fazia. A resposta foi uma lição para ele e é uma lição para cada um de nós: “Como chegamos cedo, temos tempo. Por isso, estaciono nos lugares mais distantes porque, por um lado permite-nos fazer exercício caminhando e, por outro, deixamos os lugares mais próximos da entrada para aqueles que vêm atrasados e que não têm esse tempo para chegar a horas ao trabalho…” Algum dia chegaremos a ter esta mentalidade, este respeito???…

Em plena hora de ponta, dei comigo numa fila numa das ruas de Lousada. Quando consegui chegar ao entroncamento, os automóveis que vinham da minha esquerda também em fila, encostavam-se uns aos outros para impedir que do meu lado alguém entrasse. Fiquei ali uns minutos a resmungar, não propriamente pela demora no trânsito mas pela total falta de respeito dos condutores. Em muitas situações semelhantes, noutros locais, noutros países ( e mesmo nalgumas localidades do nosso), a regra é entrar um carro de cada fila, alternadamente e respeitosamente. Ali, a regra era “cada um por si”, o típico comportamento do “chico-esperto”.