Eles sabiam que tinham direitos… Só nós é que não…

Até que enfim!!! Finalmente a lei pôs preto no branco um facto que era uma evidência, mas que muitos teimavam em negar: “Os animais de estimação não são coisas”. E, o curioso, é que os animais já o sabiam. Desde sempre… Só que muitos de nós, não. Ora, a lei veio reconhecer aos animais de estimação ou companhia, direitos relativamente à saúde, bem estar e não só. Até nos divórcios, os animais passam a ter o direito da “guarda partilhada”, isto é, de passar uns dias ora com um, ora com outro elemento do casal, como se de um filho se tratasse. Mas também há multas e até pena de prisão para quem os maltratar. Quero acreditar que agora é a sério… Apesar de termos evoluído na forma como tratamos os nossos animais de companhia, há ainda muito caminho a percorrer. Não falta por aí quem faça dos animais de estimação, especialmente dos cães, o saco de boxe onde se despeja a raiva e a frustração, a cobardia e o medo, através de pontapés, socos, pauladas e outras formas de agressão. E já nem falo na ausência de cuidados básicos como saúde e alimentação. E, quando já não servem para o fim pretendido (caça incluída), dá-se-lhe um tiro, amarra-se a um pinheiro no meio do nada, afoga-se ou abandona-se, com toda a descontração e estupidez natural. Toda a gente conhece exemplos deste tipo de barbaridades, como se ainda estivéssemos na idade da pedra…

Apesar disso, e independentemente da forma como cada um trata os animais, eles não se importam do lugar onde moram, se é palácio ou barraca, se o dono é rico ou pobre, gordo ou magro, nem a religião ou partido a que pertence. Ao contrário dos humanos. E são sempre uma companhia que não falha.

De entre os animais de estimação, dou primazia ao cão. É mais fiel, mais leal, mais companheiro. Alguns homens afirmam até que existem mais vantagens em ter um cão do que em ter uma… mulher. E fazem questão de as sublinhar.

Para começar, “se chegarmos tarde, atrasados ou pela noite dentro, alegres e com um grão na asa, vamos encontrá-lo sempre feliz por nos ver”… Por outro lado, “já alguma vez esperamos por um cão? Nunca. Está sempre pronto a sair connosco, a qualquer hora, em qualquer dia e em qualquer lugar”… E é sabido que “o cão ouve e respeita o dono, ainda que este lhe levante a voz ou grite”… “Se distraidamente e por engano o chamarmos por outro nome que não o dele, nunca se chateia, nem nos dá cabo da mona”… “Que se saiba, nenhum dono foi acordado a meio da noite pelo seu cão para lhe perguntar: Se eu morrer, vais arranjar outro cão”? De uma coisa podes estar tranquilo em casa: “Os pais do cão nunca te irão visitar, nem ficar para jantar ou dormir”… Também não te preocupes com o dinheiro nem com os teus bens porque, “nenhum cão te vai pedir emprestado o carro nem o cartão de crédito”. Ah, e “se chegares a casa a cheirar a outro cachorro, vai-te cheirar, cheirar, e continua a abanar o rabo de contentamento”… Por fim, e não menos importante: “Se por uma razão qualquer, ainda que remota, o teu cão te abandonar, não tenhas medo: Ele não leva nem exige metade dos teus bens”… Que mulher faria isto?

Quanto mais histórias da dedicação de cães pelo seu dono conheço, mais os seres humanos saem diminuídos da comparação com eles. E há tantas… Relembro uma: Mozart é considerado um dos músicos mais famosos e geniais de todos os tempos. Aos sete anos, na idade em que qualquer criança quase só pensa em brincar, já ele tocava, compunha e publicava obras musicais. Teve anos de honra e glória, sendo reconhecido por reis e rainhas de toda a Europa. Mas nunca soube lidar com dinheiro e, da sua bondade e genialidade musical, aproveitaram-se muitos oportunistas sem escrúpulos. Por essas e outras razões, já depois de casado, a sua vida desmoronou-se, acabando por ser abandonado pela mulher. Quando a mãe adoeceu gravemente, como não tinha dinheiro, vendia as suas composições musicais ao desbarato a troco de remédios. Depois da sua morte, triste e desiludido, adoeceu também e o único amigo fiel que nunca o abandonou foi o seu cão Pimperi. Ficou sempre a seu lado até à hora da morte, aos trinta e cinco anos de idade. Sem meios nem amigos, seria enterrado como anónimo numa vala comum. Quando a mulher soube da sua morte estava em Paris. Partiu logo para Viena, com o intuito de visitar a sua campa. Ao procurar no cemitério, ficou desesperada por não haver uma placa sequer que identificasse o túmulo onde Mozart fora sepultado. Apesar do inverno rigoroso, vasculhou o cemitério à procura de uma pista ou de um sinal. E ao procurar entre os túmulos, encontrou um pequeno corpo congelado pelo frio, em cima da terra batida. Foi então que reconheceu o cão de Mozart e assim identificou a campa onde ele estava enterrado. Hoje, quem visitar Viena pode ver o grande mausoléu onde está sepultado Mozart e o seu fiel cão.

A dedicação, lealdade e gratidão que os cães têm por quem a eles se dedica, não tem limites. É o caso do cão de Mozart. Indiferente à tempestade que desabava sobre Viena, foi atrás do carro onde seguia o caixão até ao cemitério. Mozart produziu obras memoráveis como “A Flauta Mágica”, “As Bodas de Fígaro” e “Don Giovanni” e muitos foram os que o admiraram, idolatraram ou dele se aproveitaram. No entanto, o amigo que lhe restou na hora da “partida”, foi o seu fiel cachorro que, indiferente à miséria, à chuva, ao frio e à tempestade, acompanhou o dono até à sua última morada e aí… morreu de amor e saudade.

E ainda há quem pense que os cães são “coisas”…

Quem come por gosto, não engorda…

Provavelmente, o melhor será desistir. Não tenho solução e não posso continuar a prometer a mim próprio que vou voltar a fazer exercício diário e uma alimentação equilibrada, sem gorduras, nada de pão branco, com pouco sal e zero de açúcar porque, quanto mais prometo, mais a “barriguinha” cresce. Vingança do corpo em relação à mente. Tenho uma enorme atração para o consumo de carne com gordura, provavelmente influenciado pelo tipo de alimentação que tive na infância. Em casa dos meus pais criava-se e matava-se todos os anos um ou dois porcos para consumo próprio, habitual nessa época em que quase não existiam talhos. E os porcos para serem bons, tinham de ser grandes e gordos. Muito gordos. Se possível com um peso superior a quinze arrobas (duzentos e vinte e cinco quilos) o que, só por si, era motivo de orgulho. Imagine-se então como ficava o dono do porco mais pesado da aldeia…

Se no dia da matança já havia grande azáfama lá em casa, no dia seguinte em que o porco era “desfeito”, mais parecia uma festa. O senhor Cunha era o “matador”, que tinha a função de matar os porcos lá de casa. Preservo a sua memória, até porque tinha sempre uma atenção especial para a pequenada. Depois de descer o porco que ficara pendurado durante a noite num gancho pregado na trave da loja, abria-o e, antes de o “desmanchar”, cortava uma febra para cada um de nós. Não resistíamos e íamos a correr assa-la na chapa do fogão, que já estava aceso para cozinhar os rojões. Depois das carnes serem colocadas na salgadeira entre camadas de sal, de se preparar a “massa” dos enchidos (chouriças e salpicões), servia-se ao almoço a rojoada acabada de cozinhar, feita sobretudo com carne da barriga, entremeada, com alguns rojões do “redenho” pelo meio (preparados a partir da gordura que envolve o intestino do porco). Achava-os (e ainda acho) uma delícia, embora agora sejam mal amados pelos dietistas… E eles é que mandam.

Como a qualidade do “bicho” era avaliada pela altura da camada de gordura no lombo, era tido como bom aquele que tivesse “uma mão travessa” de espessura. A carne era separada, salgada e depois defumada. Chamávamos-lhe a carne da “caluba”. Muitas fatias comi, com um simples naco de broa…

Ao recordar as pessoas dessa época, não me lembro de ninguém que fosse gordo (agora, para ser politicamente correto, tenho de chamar-lhes obesos ou fortes…) no sentido e dimensão que agora lhe damos. É verdade que se comia muito menos do que se come atualmente e também se fazia mais exercício, não porque se praticasse desporto mas porque o trabalho era braçal, as deslocações feitas a pé ou de bicicleta (para os mais felizardos). Mas ninguém desaconselhava o consumo de carne gorda. Pelo contrário, quem a não queria? Até era usada como “adubo” no “caldo” (hoje urbanizado como sopa), a principal alimentação do povo.

Agora, os porcos já não são o que eram. Criaram-se novas raças que só produzem febra, em resposta às exigências dos consumidores e dos conselhos de médicos e dietistas. E, ainda por cima, só são alimentados a ração, própria para não produzir gordura… Por isso, nos presuntos e enchidos, “a tradição já não é o que era”. São mais secos, duros e sem “aquele” paladar. Pouco mais nos resta que a carne de porco preto, essa sim, bem entremeada com gordura, mas muito mais cara. Para comprar, é precisa uma certa “coragem” ou não deixar os olhos verem o preço…

Durante décadas comi muita carne de porco, gorda quanto baste mas sem qualquer tipo de preocupação, não pensando no colesterol, no peso e noutros malefícios tão apregoados nos dias de hoje. E mantive o peso inalterável ao longo de décadas… Não sei se foi por a comer com prazer, por “dar à perna” com alguma regularidade ou porque, apesar de tudo, não se comia à descrição. Mas, tudo mudou. Agora chegou a minha vez de ter cuidado com a boca. É que olho para a “almofada” que trago à volta da cintura e não gosto. Daí as tais promessas a mim próprio que é desta vez que vou resolver o assunto, comendo muitos legumes, frutas e outras coisas que os “técnicos da desengorda” recomendam. Até já fui a uma nutricionista… Mas, apesar de ter “negociado” objetivos razoáveis, ainda não os atingi. Pelo contrário. Se nos primeiros dias a coisa até parecia estar a ir bem, cedo cedi à tentação de me desviar só um bocadinho (de cada vez) das suas recomendações…

Numa das viagens que fiz aos Estados Unidos há alguns anos, fiquei impressionado com a quantidade de pessoas gordas que vi por todo o país, muitos deles jovens, altos e muito, muito pesados. Havia locais onde era quase um sim um não, com muitos deles a ultrapassarem os duzentos quilos. Encontrei diversas famílias em que todos os seus membros sofriam do mesmo mal. E, confesso, não esperava que esse fenómeno chegasse a Portugal, com a gravidade que lá vi. Mas, ao contrário do que eu previa, chegou, sendo hoje um problema de saúde pública, “visível” a olho nu.

No entanto, como sou defensor das tradições e dos nossos usos e costumes, acho que ainda temos uma saída para combater esse flagelo: Vamos esquecer as pizas e as lasanhas, ignorar os hambúrgueres da Mcdonald’s ou do Burger King e deixar de parar nas barracas de cachorros quentes. Em vez disso, voltemos a comer o cozido à portuguesa, os rojões à nossa moda, o presunto caseiro, a orelheira, os salpicões e as chouriças porque, só assim, poderemos ganhar “corpos Danone”, “físico de atleta” e outros atributos estéticos. Mas que esta alimentação tenha como “temperos” a moderação nas doses e o “dar à perna” como outrora, deixando a carripana na garagem. Assim, reabilitamos o porco na nossa alimentação e ganharemos sorrisos luminosos, em sinal de satisfação e prazer.

Importante, do nascimento à morte…

A cama, aquele móvel onde nos deitamos, descansamos, dormimos e fazemos outras “habilidades” bem mais interessantes, merece ser o objeto que mais devemos reverenciar, cuidar, dar atenção e até atribuir-lhe um “estatuto” especial, tendo em conta que é, provavelmente, o mais emblemático da nossa vida. Não digo que deveríamos andar com uma às costas mas, se pensarmos bem, os momentos mais marcantes da nossa existência, estão associados a ela. Ela é parte integrante do nosso quotidiano. E, “para começar do princípio”, a grande maioria de nós, foi “produzido” sobre uma cama, nalguns casos fruto de um “projeto” estudado e planeado e noutros, resultado de um mero acidente, de um imprevisto, do azar ou por algo que correu mal. O que acontece a muito boa gente… Com isso, há situações em que se arranja “um problema do arco da velha”… Bom, mas se grande parte dos humanos foi “concebido” entre ou por cima dos lençóis da cama, seja ela de madeira ou de outro material, também não é menos verdade que quase todos nós saímos da “chocadeira” onde andamos nove meses comodamente instalados até vermos “a luz do dia”, mais uma vez… na cama. Ou seja: Tanto a “entrada na linha de produção” como a “saída da fábrica”, tiveram (quase) sempre como palco, a cama. Só por isso, já seria motivo para ser um local de eleição (sem precisar de votos), de romagem e de referência na história de qualquer ser humano. Mas há mais, muito mais razões a ter em conta.

Onde é que nos enfiamos durante uma boa parte do dia? Na cama, claro. Só pelo tempo que ali passamos, é razão suficiente para ser tida como indispensável para nós, humanos. Será sempre o sítio onde estamos e estaremos mais tempo. Em nenhum outro permanecemos tantas horas por dia, tantos dias do ano, tantos anos da nossa vida. É mesmo caso único, um ritual que não dispensamos, até porque o nosso corpo o exige. E foi por isso que o ser humano a inventou e a fez evoluir ao longo dos séculos, desde as primitivas às versões mais modernas e sofisticadas, com um objetivo principal: Para nos estendermos ao comprido (e às vezes estendemo-nos mesmo…). Daí que, também associamos cama a descanso, a dormir, a retemperar forças, se bem que muitas vezes ao levantar estamos mais cansados do que quando nos deitamos (e não estou a pensar em qualquer tipo de “atividade extra”, para além de “passar pelas brasas”).

Se apanhamos uma gripe, onde é que os médicos nos mandam ficar? Na cama. E para curar uma constipação? Na cama. E na maioria das doenças? Na cama. Basta ir a um hospital para vermos que os doentes estão enfiados… na cama. A cama é meia cura. Há quem recomende até, para curar certas doenças, “a cama e um suadouro de quatro joelhos”… Por aqui se vê também a sua importância para a saúde física e mental do povo (diz-se que “dormir é meia mantença”).

E, para as “festas e diversões” íntimas de um casal, que melhor local se pode pedir além de uma cama? Nenhum. Por mais que a gente goste do chão (embora “cama de chão, é cama de cão”), sofá, bancada, mesa, banheira, carro ou barraca de campismo, uma boa cama continua a ser fundamental para esses “eventos”, especialmente quando o vizinho de baixo reclama ao mínimo ruído, ao mais pequeno “nheco, nheco” ou chiadeira… Através dos tempos as camas sempre foram o local preferido para a “luta corpo a corpo” entre homem e mulher. Sejam de madeira, de ferro ou outro material, com colchão de palha, folhelho, molas, espuma, água ou penas, silenciosas ou rangendo por forma a acordar toda a vizinhança, em tamanho de solteiro, de casal ou “king size” para que a “arena de combate” seja suficientemente espaçosa, é nelas que se fazem todo o tipo de jogos amorosos e joguinhos de estratégia, se usam as dores de cabeça ou de costas como desculpa, se chora e se ri, se geme e se grita, se é franco, se mente ou se finge. E funciona como um laboratório de novas “experiências”, das posições mais estranhas na “batalha corpo a corpo” a que o casal se propõe.

A cama foi e continua a ser um excelente local de negócios, melhor do que qualquer clube de empresários, mas onde o homem, por norma, sai a perder. É que, se há um “pato a depenar”, é ele. E está provado que, se a mulher souber do seu ofício, deixa-o mais “limpo” que um frango de aviário na vitrine do supermercado… Diria mesmo que, alguns, saem “com uma mão à frente e outra atrás” e felizes da vida por terem sido depenados. Como o mundo é estranho…

Desde que se vulgarizaram as máquinas de filmar e os telemóveis que gravam cenas em vídeo, as camas também viraram cenários para “filmes de animação”. Já não são só os realizadores profissionais de “filmes de ação” a utilizarem as camas para cenas bem escaldantes pois, agora, não faltam casais a agirem como realizadores e atores, protagonistas dos seus próprios filmes, fazendo da cama o seu palco, recinto de luta onde “vale tudo”. Na minha santa inocência, creio que o objetivo destes “artistas” é altruísta e puramente “didático”. A confirmar a minha dedução, está o facto dos vídeos se encontrarem disponíveis na internet gratuitamente, sem qualquer contrapartida financeira. E o “didático” (e já sou eu a especular), é pelo intuito de ensinar aos adolescentes de hoje matéria do foro anatómico do ser humano, quiçá de entretenimento que, com toda a certeza, os jovens de agora “desconhecem por completo”…

Mas, como vimos, se a sua presença é indispensável nos momentos cruciais da nossa vida, tanto na “produção” como na “chegada a este mundo cão”, no contributo para curar a doença e como local de descanso e lazer diário, de “entretenimento e prazer”, também é quase sempre nela que fechamos o ciclo da vida, onde “apanhamos a guia de marcha e partimos desta para melhor” (será mesmo para melhor?). Em suma, uma companheira de “viagem”, fiel e presente nos bons e maus momentos, do princípio ao fim do nosso tempo por cá (porque, por lá, não sei se há camas nem diversões…).

Afinal, quem manda lá em casa?

Somos uma sociedade machista e, nós homens, fazemos questão disso. Não é de agora pois, noutros tempos, essa característica era bem mais marcante. A mulher “sabia qual era o seu lugar”: A tomar conta da lide de casa, das crianças e dos velhos. O homem ia para onde queria e “não lhe dava cavaco”… Aliás, todos faziam questão de se afirmar como “o homem da casa”. E, mesmo nesse tempo de condicionamento da mulher, muitas vezes não passava de conversa de tasco (eram mais do que os cafés), para se exibirem diante dos amigos, quando não de plateias maiores.

A D. Antónia era uma senhora. Pela amizade que sempre tive com os filhos, ia muitas vezes lá a casa onde era tratado como um deles. Apesar de ser adolescente, gostava muito das conversas e lições que me deu ao longo de anos. Entre outras coisas, recordo como ela fazia questão de afirmar que, quem mandava em sua casa, era o marido. Achava isso natural e fazia questão que continuasse a ser assim. O marido mandava, era o chefe. Dizia ela que ele era “a cabeça” da casa e não queria essa responsabilidade para si. Mas, fazia questão de afirmar também que ela era “o pescoço”… E, enquanto “pescoço”, fazia rodar a “cabeça” para o lado que mais lhe interessasse… Mas ele seria sempre “a cabeça”… Por alguma razão se diz que “por detrás de um grande homem, está sempre uma grande mulher”. Será?

Apesar da grande evolução que houve na chamada “igualdade de género”, todo o homem que se preza faz questão de se mostrar aos amigos como sendo “aquele que veste calças lá em casa”. Afirma mesmo que lhe cabe sempre a última palavra. E, na realidade, é mesmo assim. Quando a mulher diz “Não há mais discussão, este ano quero fazer férias no Algarve” ele, como “homem da casa”, diz: “Está bem, meu amor”… A última palavra foi ou não foi dele?

O homem vai às compras ao supermercado ou ao talho mas, quem decide o que é preciso comprar? É ela, claro. É ela que lhe entrega a lista das compras, que lhe dá algumas dicas a ter atenção como o prazo de validade ou o tipo de embalagem ou o alerta para não ser enganado. Ele não passa do “moço de recados” e o resto, é conversa fiada.

Se o homem anda bem ou mal vestido, a responsabilidade é sempre da mulher. No entanto, nem é uma mentira dizer que somos nós que compramos a nossa roupa. De maneira nenhuma. Porque é isso que acontece quase sempre. Mas, para falar verdade, quem escolhe… é ela. E ainda bem porque a maioria dos homens não acerta com aquilo que deve vestir, na combinação das calças com o casaco, da camisa com a gravata mais adequada. Eu sou um deles, mas não posso confessá-lo… Não fica bem a um homem…

Está a pensar ir de férias? Faz muito bem. Vá à agência de viagens, peça catálogos e conselhos, anote os preços. Procure na internet os destinos exóticos com que sonha há anos. E espere que a sua mulher “decida” para onde vão… Porque a decisão final, é dela. Mas, para não ficar mal no filme, alinhe nisso, finja que a ideia de ir para aquela praia que você detesta é sua. Se o seu desejo era fazer férias noutro local que não o escolhido por ela, só lhe resta tomar uma atitude: Mude de opinião e “engula o sapo”. Para seu bem É que todos os homens estão conscientes que é melhor mudar de opinião e aceitar a opinião dela, do que comprar uma briga de que, com toda a certeza, vão sair a perder.

Se vai comprar casa, preste bem atenção: O vendedor vai ser simpático consigo mas ele sabe que, quem ele precisa mesmo de convencer, é a sua mulher, apostando especialmente na cozinha e nas casas de banho. E no bom gosto dela. A partir do momento em que ela está rendida, então sim, só lhe resta a si dizer a última palavra: “Sim, meu amor”. E passar o cheque de sinal…

A mulher escolhe os alimentos, a roupa, os produtos que consomem, o carro e a mota, o tipo de festa que quer dar naquelas ocasiões especiais e até os produtos tecnológicos. E você? Tem sempre a última palavra a dizer… E essa ninguém lha tira. Nem ela…

Claro que há alguns machões que, não sabendo como contrariar esse poder da mulher, recorrem à violência física ou psicológica, descarregando nela as suas frustrações e os seus medos. Usam a força para se impor, para a anular mas, verdadeiramente, nunca chegam a mandar porque vivem isolados na sua prepotência.

Mas, em muitas casas de família de hoje, o poder não está no homem nem na mulher. Também não caiu na rua. Nesses casos, está entregue a pequenos ditadores aos quais o casal se sujeita por inteiro, quase sempre de forma ridícula e absurda: Os filhos. Tantas vezes são eles que verdadeiramente mandam lá em casa e ai de quem não fizer o que eles dizem. Os pais, são meros criados que existem só para lhes satisfazer as vontadinhas todas. “Quero aquele brinquedo”. “Quero ir ao concerto da Madona”. Quero aquele vestido para ir a um casamento”. “Quero um Iphone 7 e um Ipad” não sei quantos. É só um “quero” sem haver lugar a negociação ou contrapartidas. Quer porque quer e não tem discussão. Senão, vai haver uma birra, uma choradeira de morrer, uma ameaça de que vai sair de casa .

Meus caros companheiros de gênero. Para nosso bem, não devemos ter ilusões. Se há alguém que não manda lá em casa, com toda a certeza somos nós. Por norma, esse poder pertence às mulheres. E assenta-lhes que nem uma luva, até porque são mandonas por natureza. E não escondem a vontade de mandar. Mas, se não o fazem descaradamente, usam as artimanhas femininas: A choradeira, a sensualidade e até o sexo. E aí, ponto final, parágrafo. Todo o homem dito “macho” cede e faz tudo o que elas querem… Embora no café, diante dos amigos, continue a afirmar que é ele “que veste calças lá em casa”. E eles fingem que acreditam, em sinal de solidariedade… Porque na casa deles, o filme é o mesmo…

Solenidade, virou feira devaidades…

Maria é uma jovem mãe que anda empolgada, pois dentro de dias o seu filho vai fazer a primeira comunhão. O entusiasmo deve-se ao que isso representa na formação religiosa e humana do filho? Claro que não. O motivo da euforia é a festa. Ou seja, a “consequência” passou a importante enquanto a “causa” não conta. Já há alguns meses que começaram as suas preocupações com a cerimónia… Imagine-se o “trabalhão” que deu encontrar o vestido certo… Dias e dias a saltar de loja em loja, a experimentar toilete atrás de toilete. “Este não serve porque me faz gorda, aquele porque a minha cunhada tem um igual, o outro porque…” E para encontrar uns sapatos a condizer? Foi um sacrifício… Sapato de cerimónia, de tacão alto e fino, exigiu treino, muito treino, para não dar um trambolhão em plena igreja ou deixá-lo preso entre as frestas da calçada… Quantas horas não teve de passar em frente do espelho, estudar posições, dar passos com um “manear” das ancas? Não calculam como é cansativo… Com o cabelo entregou-se a quem sabe. Mesmo assim, teve de ir algumas vezes à cabeleireira escolher no catálogo de penteados qual o mais adequado à toilete, sendo que na última até se vestiu e calçou a rigor. É difícil…

Mas isto só foi uma das suas preocupações pois, convencer o marido de que não podia levar o fato cinzento que usou no casamento da prima Isilda e “tinha” de comprar fato novo, foi outra que tal. Nada fácil. Teve de utilizar a arma mais poderosa: Choro, com lágrimas e ranho… E lá foi, com ele a fazer figura de desgraçado, comprar o “fatito” italiano, de lã pura… É que a vizinha andava-se a gabar do seu Manel ir todo nos “trinques”, com um fato espetacular comprado no “Shopping”… Aquela “sirigaita” ia ver quem ia nos “trinques”…

Quanto ao filho, tinha de “dar nas vistas” na solenidade. Para isso, foi a uma casa especializada em fatos de comunhão e escolheu o mais bonito. Alugado… Mas ninguém saberia, pois ia dizer que o comprou numa loja de Braga… Era o que faltava, ser gozada como pelintra… No entanto, o que deu numa grande discussão lá em casa, foi a lista de convidados. O marido queria ficar-se pela família mais próxima e fazer o almoço no restaurante perto de casa. “Qual quê, não faltava mais nada. Não quero ser motivo de chacota na terra. Ninguém se vai ficar a rir de mim, ainda que tenha de pedir dinheiro emprestado”. E assim foi. Convidou a família dela e a dele. Toda. Para além dos padrinhos e filhos e alguns amigos mais ou menos próximos. Parecia um casamento… O restaurante da terra? Nem pensar. Alugou a sala “VIP” duma Quinta que está “na berra”, com ementa a condizer… Só rezava para que o senhor padre tivesse a feliz ideia de fazer a procissão logo a seguir à missa e ficava tudo “despachado” de manhã. No caso de a marcar para o fim da tarde, o “povo” ficava “alapado” no restaurante a comer e a beber até à hora da saída e receava que algum dos participantes, a começar pelo marido que era dado à “pinga”, não se “aguentassem nas canetas” e “armassem barraca”, sempre motivo de falatórios. É que, nos dias seguintes, nas mercearias, cafés, tascos, ruas e outros locais da terrinha, as mulheres iriam “passar tudo a pente fino”, até com fotografias no telemóvel: “Olha como a Joana ia vestida e pintada? Parecia uma mulher da vida…”; “A Teresa já usou aqueles sapatos na comunhão solene do filho da Laurinda”; “Viste o decote da Francisca? Se ao menos tivesse alguma coisa para mostrar”…; “E o homem da Antónia? Uma vergonha. Até ia com a fralda de fora”…

O “Pai Nosso”, a “Primeira Comunhão”, a “Profissão de Fé/ Comunhão Solene” e o “Crisma”, são cerimónias religiosas onde as crianças deviam ser as únicas “estrelas” a brilhar. Mas, pouco a pouco, tornaram-se motivo de grandes festas, marginalizando a cerimónia religiosa, numa autêntica “feira de vaidades” onde importa mais parecer que ser. Será que sabem o significado e importância de tal cerimónia? Ou isso é secundário? Os homens deixam as coisas quase sempre entregues às mulheres (verdade se diga, também não têm voto na matéria…) e estas fazem delas uma competição. E (quase) nenhuma quer ficar atrás da outra. Em nada. Na igreja ou na procissão, a sua atenção está… nas outras. O que vestem, usam, calçam, fazem… São a concorrência. É preciso estar melhor, fazer melhor, parecer melhor. Ser a “rainha da cerimónia”, nem que ao outro dia não tenham onde cair mortas.

Há coincidências espantosas. Quando tinha mais de metade desta crónica escrita, telefonou-me o meu filho da Colômbia através do “face time” (com imagem). Nem de propósito: Estava numa festa da primeira comunhão organizada por um colégio católico da Colômbia. E rodou o telemóvel apontando a câmara de vídeo para a paisagem da “finca” (quinta) onde estava a decorrer, uma grande propriedade com cavalos, atividades para miúdos e graúdos e um restaurante. A festa e o almoço de todas as crianças da primeira comunhão era comum. Os responsáveis do colégio e pais das crianças haviam-se reunido e tomado a decisão de não realizarem festas individuais. Mas, o mais curioso, é que também decidiram que o dinheiro que cada um iria gastar seria entregue à responsabilidade do colégio, constituindo um fundo destinado à organização da festa que estava a decorrer no momento em que me telefonou. Convidados? Só família muito próxima, cinco ou seis por criança. Mas havia algo de mais extraordinário naquela festa única, onde os egos e vaidades deram lugar ao bom senso: Para além das crianças do colégio em idade da primeira comunhão, também foram convidadas, e ali estavam, mais sessenta crianças de menor condição económica (de outros estratos sociais), sendo que cada criança do colégio era obrigada a partilhar e brincar durante o dia todo com uma dessas crianças, interagindo com ela como se ao colégio pertencesse.

À luz da nossa mentalidade, aqueles pais são estúpidos, atrasados mentais que não souberam aproveitar a oportunidade para exibir o dinheiro, esmagar a “concorrência” e passear a vaidade. Só mesmo na América latina… pensarão.

É caso para parar, meditar e escolher o que é verdadeiramente importante: Se continuar a seguir os caminhos do exibicionismo, da inveja e da estupidez feita vaidade ou valorizar estas cerimónias religiosas pelo que devem significar para na vida da criança e praticar atos sérios de humildade, solidariedade e fraternidade. Senão, não vale a pena ir à igreja, bater com a mão no peito e dizer “Senhor, Senhor”, porque não “bate a cara com a careta”… E, seguramente, não O conseguimos enganar…

Crenças, rezas e responsos. Resultam?

Quando lhe paguei o salário este mês, a Teresa guardou-o numa pequena bolsa. Ao outro dia, logo pela manhã e sem estarmos à espera, apareceu cá em casa à procura da bolsa. Não sabia onde a deixara. Já correra tudo e… “foi um ar que lhe deu”. Nem nós a vimos nem ela a encontrou, apesar de corrermos os quatros cantos da casa. Desanimada, convenceu-se que lhe teria caído no caminho de regresso a casa e com ela perdera tudo, dinheiro e documentos. Foi-se embora abatida pela perda e resolveu fazer aquilo que uma das irmãs costuma fazer nestes casos: Atar a perna da mesa com um pano de cozinha enrolado feito corda, para “amarrar o diabo”. E procurou novamente. Acredite-se ou não, a verdade é que a bolsa apareceu pouco depois…

Já quando era miúdo, se desaparecia alguma coisa, a minha mãe dizia-me: “Amarra o diabo”. E eu fazia o que a Teresa fez, atando uma das pernas da mesa com uma corda. Não há dúvidas, resultava. Porquê? Não sei e ninguém me sabe responder. Esta é uma das muitas crenças populares que vão passando de geração em geração e que têm sobrevivido às desmistificações científicas. Há ainda muitas coisas por explicar ou não queremos aceitar as explicações. Já agora que falamos em formas de recuperar objetos perdidos, também existe uma oração chamada “Responso a Santo António” para ser rezada quando já não há esperança de voltar a ver o que se perdeu. E deve ser rezada assim: “Eu vos saúdo, glorioso Santo António, fiel protetor dos que em vós esperam. Já que recebeste de Deus o poder especial de reencontrar objetos perdidos, socorrei-me neste momento, a fim de que, mediante o vosso auxílio, eu encontre o que procuro… Alcançai-me, sobretudo, uma fé viva, uma esperança firme, uma caridade ardente e uma docilidade sempre pronta aos desejos de Deus. Que eu não me detenha apenas nas coisas deste mundo. Saiba valorizá-las e utilizá-las como algo que nos foi entregue para nosso uso e procure sobretudo aquelas coisas que ladrão nenhum nos pode tirar e que nunca iremos perder. Assim seja”.

Mas, não se ficam por aqui as rezas e outras crenças em relação à forma como recuperar objetos perdidos. Há quem torça um lenço e dê três nós, enquanto vai dizendo: “Amarro o rabo da macaca e, enquanto não achar o que procuro, não desamarro este rabo”. Será que há alguma macaca responsável pelo desaparecimento dos nossos bens? Uma coisa parece ser importante: Acreditar. Daí que cada um tenha as suas crenças. Ainda existem os crentes em São Longuinho. Para esses, a solução é um responso a este santo: “ Caro São Longuinho, patrono dos pobres e o ajudante daqueles que procuram artigos perdidos, me ajuda a encontrar o objeto que eu perdi (referir qual é o objeto) e que eu encontre melhor uso para o meu tempo e o use para ganhar para Deus, maior honra e glória. Conceda-me esta graça e o seu precioso auxílio para todos os que procuram o que perderam, principalmente aqueles que procuram encontrar e ganhar novamente as graças de Deus e a vida eterna. Amén.

Com tantas formas de resolver o mistério das coisas perdidas e, apesar de em miúdo ter solucionado alguns casos “amarrando o diabo” com uma corda presa à perna da mesa, ainda não consegui recuperar uns óculos de sol “novinhos em folha”, que desapareceram “por encanto”. Até parece bruxaria… Como estava a precisar de proteger os olhos que me têm andado a doer devido ao excesso de luminosidade, acabei por comprar uns há cerca de um mês, já que o dinheiro colocado na testa não os protege dos raios solares… Alguns dias depois, quando a minha cadela me deu sinais de que queria levar-me a passear, resolvi “estriar” os óculos pois a manhã estava muito luminosa.

Lá fui, agarrado à trela, enquanto ela me conduzia para a volta habitual. Lembro-me de ter chegado a casa, fechar a porteira, tirar a trela à Diana e atender o telemóvel. Através da janela da cozinha a Ana Maria estranhou ver-me de óculos escuros, mas não disse nada. Entrei em casa, tomei banho, almocei e quando procurei os óculos para ir trabalhar… “óculos de grilo”. Nunca mais os vi. Andei para trás e para a frente, refiz os passos que penso ter dado depois de chegar a casa mas, nada. Não os vi em nenhum dos locais onde presumi que poderiam estar. A Teresa “amarrou o diabo” mas, nem assim. As “lunetas” não se dignaram aparecer. Toda a gente cá de casa andou a ver os cantos e o resultado foi nulo. Para explorar as alternativas, leram o responso a Santo António. No entanto, não sei se por falta de convicção na solução se por algum erro de leitura que tenha impedido a mensagem de “lá chegar”, se por os óculos terem voado misteriosamente, não resultou. Nada de óculos escuros. Terá sido por serem escuros? Por terem caído no saco do lixo sem me aperceber? Nos gatos que passam pelo meu jardim a correr, fugindo da Diana, não vi nenhum de óculos… Certo, certo, certo, é que já se passaram quatro semanas e parece-me que só vai haver uma solução: Comprar outros, por muito que me custe. E custa… Fica-me aquele amargo de boca de ter para aí uns óculos novos em qualquer lado e, feito parvo, ir comprar outros. Só a mim? De maneira nenhuma, pois as pessoas perdem de tudo. Até já houve quem perdesse um bidé… Será que é mesmo perda? Ou será só esquecimento do lugar onde colocamos o objeto?

Se “amarrar o diabo” ou o rabo da macaca e ler o responso a Santo António ou a São Longuinho continuo a interrogar-me se resulta. Porque não sei. É que, no meu caso, quem “fez o trabalho” foram outras pessoas. Será que tenho de ser eu a “amarrar o diabo” ou o “rabo da macaca”? E se resultar? Vou ter de acreditar, por mais céptico que seja? Como o que eu quero é reaver os óculos, irei tentar e logo se verá. Provavelmente, tenho é de “arranjar a corda certa”…

35 anos… É muito caminho…

Quem faz trinta e cinco anos é velho ou novo? Em tempo, são 12 783 dias, 1820 semanas ou 420 meses. E em espaço? Sim, há gente que “pensa fora da caixa” e substitui o tempo por… distância percorrida no constante girar da terra: Não diz que viveu um segundo mas que andou 465metros. Ou que percorreu 1 675 quilómetros (uma hora). Fazer trinta e cinco anos é motivo de comemoração. Para os casados, são as bodas de coral, que significam amadurecimento e fortificação do relacionamento. Para o CD, que também nasceu há trinta e cinco anos, já não é motivo de festa pois está em agonia no mercado musical. Já os GNR, a banda do Rui Reininho, comemoram esse aniversário “dando-nos música” (só o fui ver uma vez no Algarve, há muitos anos. A banda começou a tocar, Rui Reininho veio lá de trás a correr, deu um salto e… desapareceu. Acabou o concerto. As tábuas partiram-se e o Reininho aterrou debaixo do palco com algumas costelas partidas). Até Pinto da Costa assumiu a presidência do Futebol Clube do Porto vão três décadas e meia e foi um vendaval de títulos. Eu disse “foi”… Também pode haver tristeza no alcançar esta idade. Aos trinta e cinco anos, o campeão mundial de MotoGP Nicky Hayden, morreu num acidente. Ah, e se pensa engravidar mas tem trinta e cinco anos ou mais, deve ter em conta os factores de risco acrescidos. É por isso que já não engravido…

Em resumo, trinta e cinco anos é muito ou pode ser pouco tempo. Tudo depende daquilo a que se refere. Na vida de uma mosca é tempo demais, que nunca atingirá. Na de uma sequoia, é a infância. Mas, na vida de um jornal regional, é muito.

Não é fácil a um jornal de província sobreviver em termos económicos, na luta contra a crise, contra os aumentos de custos e a baixa de receitas. Por isso, o TVS está de parabéns. São merecidos. Associo-me nas felicitações. Já não gostaria de me ver na pele de diretor do TVS. Ter de matutar semana a semana em como preencher o jornal e, em simultâneo, assegurar a sua sustentabilidade, é obra. Daí que, no caso do aniversariante, trinta e cinco anos é muito tempo. É uma vida. Uma vida feita de notícias, informações, anúncios, artigos de opinião, avisos e até de publicidade encapotada. De bom material jornalístico que se lê com agrado, mas também de outro que basta ver o título para saber que é mais do mesmo. Uma coisa é certa: Se fosse noutros tempos, o jornal nunca perdia a sua função principal, fosse qual fosse a qualidade da informação: Na falta de papel higiénico, servia sempre para limpar o cu.

Até percebo que ao longo do tempo houve “espaços” que tiveram de ser preenchidos com material de recurso, colaboradores que se desejavam atirar abaixo da “camioneta” com esta em andamento mas que se tiveram de aguentar por conveniência. Se calhar, sou um deles. Dizem-me que ocupo muito espaço no jornal. Tenho de “me pôr a pau”… Como nunca tive a responsabilidade de dirigir um jornal (e nem espero ter), não consigo imaginar a dificuldade das muitas “curvas” do caminho na vida do jornal. E devem ter sito imensas (na última edição a “curva foi bem apertada”…).

Acredito que nestes anos de vida houve momentos com excesso de artigos e dificuldade em justificar o adiamento da publicação de alguns, o que terá ocasionado mal estar aos “escrevinhadores” mais sensíveis. Se fosse comigo, “atirava a albarda ao ar”. É que o que me pagam por artigo, é “bom demais”. Nestes anos de colaboração, já me pagaram dois jantares… Em contrapartida, terão existido outras ocasiões em que o diretor teve de “inventar” matéria para o jornal poder sair. Daí que, o jornal está maduro, bem adulto… Se fosse uma mulher, nunca iria atingir tal idade, por ser o limite psicológico. E queria ficar por aí durante alguns anos. Também foram trinta e cinco os anos de seca extrema na África do Sul que levaram os responsáveis de um parque a mandar matar trezentos e cinquenta hipopótamos e búfalos. Uma carnificina em nome da sobrevivência de outros…

Duas teorias estão confirmadas nestas coisas da idade: Na primeira, estudos provam que quem faz mais aniversários é mais velho, durou mais tempo… E na segunda, que os primeiros quinhentos anos são os mais difíceis…

Diz-se também que nesta vida tudo nasce, cresce, vive e morre, sendo que se vive o que se tem de viver. E o Jornal TVS vive e está vivo. E bem vivo.

Há quem afirme terem sido razões económicas a causa principal para introduzir no jornal algumas páginas centrais suficientemente “apelativas”. Ora, eu discordo. Aliás, “discordo em absoluto”. A meu ver, tal deveu-se a “critérios jornalísticos rigorosos”, à necessidade de “encher o olho” do leitor, que é determinante. Assim, a direção do jornal está de parabéns por ter tão “boa visão jornalística”, embora nalguns casos “a escolha do material” não seja a melhor…

Não posso deixar de realçar a afirmação de independência do jornal em relação aos poderes económicos e políticos, coisa que quase todos afirmam. No tempo em que tinha patrão, que era quem me pagava o ordenado, também eu gostava de me gabar ser independente dele…

Brincadeiras à parte, é hora de dar os parabéns ao TVS e lembrar as pessoas a quem se deve a sua existência. De trazer à memória o seu fundador, Manuel Afonso da Silva, homenageando-lhe o arrojo e coragem da “empreitada”, bem como à D. Orquídea sua esposa, a quem manifesto a minha maior consideração. Aos filhos, por lhes terem seguido o exemplo, continuando a dar vida a este jornal que nos fala um pouco do que nos é mais próximo. E a todos aqueles que se sentem ou sentiram um pouco parte do TVS, como trabalhadores, colaboradores, anunciantes ou outra coisa qualquer. Sem todos eles, não haveria jornal, e ainda bem que há. E já são 1 555 números… Uma vida de informação que também é um pouco de nós…

Não saiba a mão esquerda o que faz a tua direita

Com a idade, tornei-me desconfiado. Daquele miúdo ingénuo e crédulo, que acreditava em tudo o que via e ouvia, já quase nada resta. As caneladas da vida arrefeceram o meu entusiasmo e fazem-me analisar os factos com mais frieza. Questiono e tendo a duvidar. Perante a atitude ou ação de alguém, pergunto-me muitas vezes “quais as intenções reais” que não as aparentes?

Ao longo da vida encontrei gente muito boa, solidária, capaz de dar a camisa pelo outro. Pessoas dispostas a ajudar, prontas a fazer um favor ou a contribuir para uma causa. Vi até gente admirável e sinto-me honrado por ter conhecido pessoas assim. No entanto, também vi muito “gato por lebre”, de “beneméritos”, gente disponível para ajudar, mas que não deixaram de “apresentar a factura” ao exigir reconhecimento público dos seus “atos de benemerência”, na divulgação do seu gesto de boa vontade, chegando a impor a presença da imprensa para assegurar a ostentação. Em suma, o espetáculo da bondade… E já excluo os políticos que nos habituaram a essas tristes representações de “dar o que não é deles” para cobrarem os dividendos do costume em imagem e… votos Ora, “isso” de dar esperando em troca a recompensa pela publicidade, reconhecimento público ou elogio, não pode ser tido como um ato de bondade a sério, mas um mero negócio de que se espera tirar ganhos superiores ao investimento. É falsa bondade, falsa solidariedade, humanidade a fingir. Só o que é conveniente. Quem realmente “DÁ”, não quer contrapartida, é espontâneo, discreto, anónimo. A recompensa chega-lhe na alegria do coração, na paz interior e no sentir que foi útil ao outro, sem importar quem.

Se fazer o bem sem ostentação é muito digno, esconder a mão que dá ainda o é mais. Indica uma elevada superioridade moral só possível aos que conseguem apagar em si a vaidade pessoal e interesses, muitas vezes inconfessáveis. Quantos há que praticam o bem à espera que o beneficiado o proclame aos quatro ventos? Dão grande contributo à frente da multidão e das luzes, mas nem um cêntimo na discreta caixa de esmolas. O recato do contributo evita a vergonha ao beneficiado, fazendo-o aceitar a ajuda sem humilhação, sem ferir a sua sensibilidade e dignidade. E isso é fundamental, especialmente na pobreza envergonhada, onde se aceita um serviço mas é-se capaz de recusar a esmola. Daí que a ajuda muitas vezes tem de ser bem dissimulada para evitar melindres e sofrimento moral inútil.

Mas não é fácil sobrepor a discrição da benemerência à vontade de a exibir, de a anunciar com megafone. É a tentação de a tornar um negócio, nada mais que um negócio. Até algumas empresas já viram nisso uma forma de retirar dividendos junto dos clientes…

E tudo isto para falar de Manuel Peixoto de Sousa Freire, um homem que terá levado à letra o que Jesus disse no Sermão da Montanha, esse importante discurso que definiu o código de conduta que ainda hoje é a base da moralidade ocidental. Fez parte do grupo de “cavalheiros do concelho” de Lousada que estiveram presentes na reunião que ocorreu na Câmara Municipal de Lousada no dia 30 de Maio de 1896 a convite do Conde de Alentém (não se sabe se terá sido mesmo o mentor de tal reunião), de onde sairia a decisão da fundação da Misericórdia de Lousada, com o objetivo de assumir a propriedade e administração do Templo do Senhor dos Aflitos concluído alguns anos antes e de construir um hospital “para abrigo dos doentes pobres”.

Comemoram-se dentro de dias 121 anos dessa reunião… A Misericórdia veria os seus estatutos consagrados em 1897, vão 120 anos, sendo ele eleito como primeiro provedor. Estranhamente, durante os mandatos que exerceu até à sua morte em 1902, não promoveu qualquer diligência para a construção do hospital, uma das razões da fundação da instituição, sendo ainda mais estranho pelo facto dele ser um dos grandes entusiastas da sua criação. Isso viria a compreender-se na abertura do seu testamento, ao deixar uma verba avultada à Santa Casa da Misericórdia de Lousada para a construção do hospital, com indicações precisas e quem seriam as pessoas que deveriam integrar a comissão que levaria a efeito tal tarefa. Mas, o mais interessante, é que o seu testamento fora efetuado em 1895, no ano anterior à referida reunião na Câmara de Lousada onde foi deliberada a fundação da Misericórdia e da qual ele participaria, sendo ainda de assinalar que, provavelmente para o manter “no segredo dos deuses”, foi escrito e lacrado num cartório notarial do Porto… Despiu-se da vaidade e da ostentação para fazer o bem, que manteve escondido do domínio público até se ter “retirado” discretamente do palco da vida, quando o poderia ter feito durante os seus mandatos à frente da Instituição e assim colher pessoalmente os louros de grande benemérito, como muitos outros o fizeram por esse país fora.

Os seus contemporâneos reconheceram nele “o protótipo do benemérito, um homem caridoso sem ostentação, afável, humilde, sem laivos de falsa modéstia, apelidado de apóstolo da caridade”. Um exemplo vivo de quem seguiu à risca o Sermão da Montanha, quando Jesus disse: “Mas, quando tu deres esmola, não saiba a mão esquerda o que fez a tua direita”. O que não é para todos…

Nunca dês nada por garantido…

Há ocasiões em que precisamos de parar para avaliar o deve e haver da vida, o que temos em comparação com o que tivemos, o que somos e o que fomos. E agradecer, porque temos muito a agradecer. Para mim, hoje foi um desses dias. Tudo começou logo pela manhã quando dava o passeio matinal com a Diana. Recebi uma mensagem pelo telemóvel para tomar uma decisão sobre o restaurante e a ementa a servir no encontro de colegas de curso que vai acontecer ainda este mês em Coimbra. Por e-mail enviaram-me os dados. Era urgente. Parei, li, escolhi e dei a resposta. Assunto encerrado.

Então questionei-me: “E se isto acontecesse quando era miúdo”? Aquilo que ficou resolvido em cinco minutos demoraria mais de uma semana… a correr bem. Senão, vejamos: Não havia e-mail, nem mensagens, nem… telemóveis. Até telefones, muito poucos. A única forma de comunicar mais acessível era por carta ou postal, mas demorava uns dias para cá e outros para lá. Ir a Coimbra de propósito estava fora de causa pois era muito longe… Havia muito poucos carros, quase nada de transportes públicos a não ser o comboio do “tempo da outra senhora”. Por isso, este pequeno aparelho que (quase) toda a gente trás no bolso e que dá pelo nome de telemóvel (agora smartfone) é algo que em criança era inimaginável. Que me lembre, nem o próprio Júlio Verne os sonhou.

Mas não fiquei por aqui. Após o passeio, fui para a casa de banho e comecei por cortar a barba. Abri a torneira e jorrou água, quente ou fria, a gosto. Naquele outro tempo, quem tinha água em casa ao simples levantar de um manípulo? Ninguém. As mulheres se queriam água, iam à fonte de Talhos que ficava a uma certa distância, com um cântaro de barro que traziam à cabeça para casa. E dele iam tirando pouco a pouco até porque, quando acabasse, tinham de voltar à fonte, com chuva ou com sol. Mas hoje abro a torneira e a água jorra em abundância dia e noite sem parar. Para ensaboar a cara, o pincel de cerdas de porco era bem esfregado em sabão macaco até fazer espuma, enquanto o corte ficava para a navalha. Só mais tarde apareceram as primeiras lâminas de barbear, muito simples. Hoje há cremes de barba e espuma de várias qualidades, múltiplas “gillettes” e máquinas de barbear, cada vez mais sofisticadas. Depois fui tomar banho, de água morna, à temperatura escolhida em torneira termostática. Um luxo que nem sequer entrava nos meus sonhos de criança… Naquele tempo era num alguidar de barro (quem tinha alguidar), atirando chapadas de água para o corpo…

E a eletricidade? Uma comodidade de hoje que se tornou um direito de todos. Carrega-se no interruptor e a luz jorra em quantidade como se fosse dia. E a ela estão ligados múltiplos aparelhos que nos facilitam a vida e a tornam mais cómoda. No meu tempo de criança, quase todas as casas tinham luz… a petróleo, que se vendia na mercearia. Havia uns bonitos candeeiros com campânula de vidro, que se passeavam pela casa conforme nos deslocávamos. Algumas pessoas utilizavam os gasómetros a carboneto. As poucas casas com eletricidade, nem sempre a tinham. Falhava muito. Às vezes, durante dias seguidos, especialmente no inverno. E a potência baixava à noite, ao ponto das lâmpadas não iluminarem. Se faltasse, esperava-se um dia antes de perguntar se quando voltaria. Hoje, não se espera um minuto…

Cresci com a rádio porque… não havia televisão. E só existiam meia dúzia de rádios na aldeia. Hoje o rádio é mais companhia de viagem porque a televisão dominou-o, melhor, dominou-nos. E é um milagre pegarmos num comando confortavelmente instalados no sofá e vermos o mundo em direto e a cores, saltando de canal em canal, de programa em programa… com o simples carregar no botão.

Pus-me a pensar nas milhentas coisas que o ser humano criou nas últimas seis décadas e que foram inventadas com o objetivo de simplificarem a nossa vida e de a tornarem mais cómoda. E difícil é enumerar os eletrodomésticos e todos os outros equipamentos, os meios de transporte que são cada vez mais rápidos (e cada dia chegamos mais atrasados), os novos meios de comunicação, do telemóvel ao smartfone, do “tablet” às redes sociais, dos computadores à internet. A massificação do ensino e a evolução na medicina de que hoje usufruímos como um direito, a anos luz de distância do pouco que havia naquele tempo. E seria cansativo enumerar bens e serviços que fazem parte do nosso dia a dia, que outrora não passavam de miragens ou nem isso.

E ao lembrar-me de tudo isto, não deixo de pensar que nos tornamos dependentes de tantas coisas, sem as quais nos sentiríamos perdidos e incapazes de viver. Como seria a nossa reação se a água deixasse de correr nas torneiras e a eletricidade de dar vida às nossas casas durante um mês? Seria o colapso porque não estamos preparados para viver sem elas. Já as consideramos como “direitos adquiridos”. E a verdade é que, para além de aceitar a vida como ela é, devemos também não dar as coisas boas como garantidas… porque um dia podem deixar de sê-lo, por mais absurdo que isso nos pareça.

Ainda há poucos dias conheci dois homens que cavalgaram uma vida de milhões onde acediam a tudo o que o dinheiro podia comprar para, em muito pouco tempo, ficarem a viver das esmolas da segurança social e da sopa dos pobres. E pensavam eles que os milhões e a vida boa era um dado adquirido, para sempre… Tal como nós pensamos sobre um conjunto de bens e serviços a que hoje temos acesso e de que usufruímos displicentemente, como se fossem inesgotáveis e durassem até ao fim dos tempos. Mas não vão durar, a começar pelo acesso fácil à água e o direito ao desperdício… Por isso, para nosso bem, nunca demos nada por adquirido nem garantido…

Testemunhas são feitas para esperar…

Para cumprir o meu dever de cidadão, subi mais uma vez as escadas de um tribunal logo pela manhã, a tempo de ouvir a oficial de justiça gritar o meu nome por cima do ruído das conversas naquele corredor comprido e frio. Tão frio como o mármore dos bancos onde, sentar-me, seria candidatar-me a congelar o traseiro. Na qualidade de testemunha da acusação em que o arguido é um caloteiro encartado que usa todos os furos da lei para que o julgamento não chegue a lado nenhum, juntei-me ao meu grupo numa amena cavaqueira, já que ali não havia mais nada para fazer, além de esperar. Sim, porque aquilo que as testemunhas mais têm de cultivar num tribunal, é a paciência. De saber esperar, ir embora, voltar e continuar a esperar. E foi o que eu fiz. Chegou o advogado carregado com uma pasta pesada. E era pelas pastas que eu os ia identificando no rio de gente que percorria o corredor. Pouco tempo ficou connosco, pois foi “lá para dentro”. E nós continuamos à espera. Não havia televisão, nada de cadeiras confortáveis, nem sequer um bar ou um café. Nem mesmo uma “musiquinha” de fundo… Só uma máquina que engole moedas e vomita comida embalada e bebidas enlatadas. E não tínhamos informações. Parece um aeroporto com voos atrasados, onde os passageiros andam “feitos baratas tontas” sem saber a que horas o voo parte ou chega, se há voo ou não. Aliás, no aeroporto ainda existem painéis com indicações sobre os voos, se chegaram, se estão atrasados, se foram cancelados. No tribunal, nem isso. Ninguém sabe o ponto de situação, se vai haver julgamento ou não. Só o advogado vai dando alguma informação, quando tem a possibilidade de “vir cá fora”. Resta-nos esperar. E esperamos quase até ao meio dia. Mais uma vez foi ele que nos trouxe a notícia costumeira: “O advogado de defesa apresentou um requerimento e o julgamento foi adiado para daqui a três meses”.

Cá está, viemos todos, apanhamos uma seca e… nada. Ninguém nos veio pedir desculpa, oferecer um cafezinho, dar umas palmadinhas nas costas “para abater ao prejuízo”. Mais coisa menos coisa, foi a repetição do que se havia passado há cerca de três meses atrás, quando o julgamento foi adiado para este dia. Agora, o resultado foi o mesmo: Adiamento. E por quantas vezes mais terei eu de voltar a subir as escadas daquele tribunal, ouvir gritar pelo meu nome, responder com outro grito “presente”, esperar toda a manhã para, quando a fome começar a apertar, virem dizer novamente que foi adiado? Vou ter de fazer horas extraordinárias e cultivar a paciência. Depois de ter ouvido um homem queixar-se que se tinha apresentado pela décima vez no tribunal e o julgamento fora adiado em todas, que posso eu, enquanto testemunha, esperar? E aquele homem com o julgamento adiado pela décima vez vinha de França, de propósito. Posso queixar-me?

Já não sei a que propósito, um advogado disse-me um dia que gostava muito de tribunais. Quando lhe perguntei porquê, respondeu-me: “Porque é um lugar onde, algumas vezes, se faz justiça”. E essa ficou-me na cabeça. Ele já ficava satisfeito por, “algumas vezes”, se fazer justiça. E eu estou inteiramente de acordo até porque já tive a sorte de ter sentenças justas, como o azar de sofrer as consequências de outras, com injustiças de bradar aos céus. Mas devo confessar que nessas, em que a sentença foi em meu prejuízo, a culpa foi sempre minha, por ter confiado em pessoas que, afinal, não o mereciam. Não eram pessoas de bem e agiram de má fé. E paguei a fatura, não podendo responsabilizar os juízes por decidirem mal. É que não me cuidei como devia, com documentos capazes de me salvaguardar se a coisa desse para o torto, como deram. Não procedi como o meu pai me recomendou pouco antes de morrer: “Não confies em boas palavras, porque te vão enganar. Faz tudo com documentos feitos por quem sabe”. Mas eu ainda tendo a ir confiando e… dá no que dá.

Nos tribunais há outros fatores anómalos que fazem da justiça injusta e não há como lhes fugir porque os homens são assim.

Um advogado acabara de sair do tribunal onde a sentença lhe foi favorável. Num grupo restrito onde eu estava, gabou-se de o ter conseguido à custa de testemunhas falsas. “De tal forma foi”, disse ele, “que a juíza se apercebeu que a prova tinha sido forjada. Então, ao acabar de ler a sentença, disse: – Fica-me a sensação de que posso não estar a ser justa. Se por isto for para o inferno, vou a cavalo nas testemunhas”.

Mas, voltando às salas de espera dos tribunais, acho que merecem alguma reflexão por quem de direito. É que, enquanto na sala de audiências decorre o “espetáculo” onde cada um representa o seu papel, que exige atenção redobrada para não cair nas armadilhas que os advogados vão lançando pelo caminho e que não deixam tempo para dormir, na sala de espera não se passa nada e podia-se dormir à vontade. Por isso, para exercitar a mente das testemunhas, que bem precisam para se lembrarem de factos ocorridos há muitos anos, ou se instalam poltronas cómodas apropriadas para dormir e descansar a “mona” ou se põe à disposição dos “clientes” (ali as testemunhas são clientes que não devem pagar nada) computadores e todo o tipo de jogos educativos, e até mesmo televisões onde passem séries completas telenovelas, porque vão ter tempo suficiente para as ver todas… E até era apropriado abrir-se ali o programa “Novas Oportunidades” para completar o liceu ou tirar licenciatura…

Já agora, para reduzir ou evitar as tais “testemunhas falsas”, nada melhor que um tasco ou um “bar aberto”, com bebidas alcoólicas gratuitas e à descrição. É que, com espera prolongada e bebidas à borla, quando as testemunhas forem inquiridas, “falam que nem papagaios”, contando “toda a verdade “feitos meninos do coro”. Tal e qual aquela testemunha “trabalhada” que não respondeu da forma que o seu advogado queria. Ao aperceber-se do desagrado dele, não se conteve: “Eu só respondi como o senhor doutor me ensinou”…