Quem come por gosto, não engorda…

Provavelmente, o melhor será desistir. Não tenho solução e não posso continuar a prometer a mim próprio que vou voltar a fazer exercício diário e uma alimentação equilibrada, sem gorduras, nada de pão branco, com pouco sal e zero de açúcar porque, quanto mais prometo, mais a “barriguinha” cresce. Vingança do corpo em relação à mente. Tenho uma enorme atração para o consumo de carne com gordura, provavelmente influenciado pelo tipo de alimentação que tive na infância. Em casa dos meus pais criava-se e matava-se todos os anos um ou dois porcos para consumo próprio, habitual nessa época em que quase não existiam talhos. E os porcos para serem bons, tinham de ser grandes e gordos. Muito gordos. Se possível com um peso superior a quinze arrobas (duzentos e vinte e cinco quilos) o que, só por si, era motivo de orgulho. Imagine-se então como ficava o dono do porco mais pesado da aldeia…

Se no dia da matança já havia grande azáfama lá em casa, no dia seguinte em que o porco era “desfeito”, mais parecia uma festa. O senhor Cunha era o “matador”, que tinha a função de matar os porcos lá de casa. Preservo a sua memória, até porque tinha sempre uma atenção especial para a pequenada. Depois de descer o porco que ficara pendurado durante a noite num gancho pregado na trave da loja, abria-o e, antes de o “desmanchar”, cortava uma febra para cada um de nós. Não resistíamos e íamos a correr assa-la na chapa do fogão, que já estava aceso para cozinhar os rojões. Depois das carnes serem colocadas na salgadeira entre camadas de sal, de se preparar a “massa” dos enchidos (chouriças e salpicões), servia-se ao almoço a rojoada acabada de cozinhar, feita sobretudo com carne da barriga, entremeada, com alguns rojões do “redenho” pelo meio (preparados a partir da gordura que envolve o intestino do porco). Achava-os (e ainda acho) uma delícia, embora agora sejam mal amados pelos dietistas… E eles é que mandam.

Como a qualidade do “bicho” era avaliada pela altura da camada de gordura no lombo, era tido como bom aquele que tivesse “uma mão travessa” de espessura. A carne era separada, salgada e depois defumada. Chamávamos-lhe a carne da “caluba”. Muitas fatias comi, com um simples naco de broa…

Ao recordar as pessoas dessa época, não me lembro de ninguém que fosse gordo (agora, para ser politicamente correto, tenho de chamar-lhes obesos ou fortes…) no sentido e dimensão que agora lhe damos. É verdade que se comia muito menos do que se come atualmente e também se fazia mais exercício, não porque se praticasse desporto mas porque o trabalho era braçal, as deslocações feitas a pé ou de bicicleta (para os mais felizardos). Mas ninguém desaconselhava o consumo de carne gorda. Pelo contrário, quem a não queria? Até era usada como “adubo” no “caldo” (hoje urbanizado como sopa), a principal alimentação do povo.

Agora, os porcos já não são o que eram. Criaram-se novas raças que só produzem febra, em resposta às exigências dos consumidores e dos conselhos de médicos e dietistas. E, ainda por cima, só são alimentados a ração, própria para não produzir gordura… Por isso, nos presuntos e enchidos, “a tradição já não é o que era”. São mais secos, duros e sem “aquele” paladar. Pouco mais nos resta que a carne de porco preto, essa sim, bem entremeada com gordura, mas muito mais cara. Para comprar, é precisa uma certa “coragem” ou não deixar os olhos verem o preço…

Durante décadas comi muita carne de porco, gorda quanto baste mas sem qualquer tipo de preocupação, não pensando no colesterol, no peso e noutros malefícios tão apregoados nos dias de hoje. E mantive o peso inalterável ao longo de décadas… Não sei se foi por a comer com prazer, por “dar à perna” com alguma regularidade ou porque, apesar de tudo, não se comia à descrição. Mas, tudo mudou. Agora chegou a minha vez de ter cuidado com a boca. É que olho para a “almofada” que trago à volta da cintura e não gosto. Daí as tais promessas a mim próprio que é desta vez que vou resolver o assunto, comendo muitos legumes, frutas e outras coisas que os “técnicos da desengorda” recomendam. Até já fui a uma nutricionista… Mas, apesar de ter “negociado” objetivos razoáveis, ainda não os atingi. Pelo contrário. Se nos primeiros dias a coisa até parecia estar a ir bem, cedo cedi à tentação de me desviar só um bocadinho (de cada vez) das suas recomendações…

Numa das viagens que fiz aos Estados Unidos há alguns anos, fiquei impressionado com a quantidade de pessoas gordas que vi por todo o país, muitos deles jovens, altos e muito, muito pesados. Havia locais onde era quase um sim um não, com muitos deles a ultrapassarem os duzentos quilos. Encontrei diversas famílias em que todos os seus membros sofriam do mesmo mal. E, confesso, não esperava que esse fenómeno chegasse a Portugal, com a gravidade que lá vi. Mas, ao contrário do que eu previa, chegou, sendo hoje um problema de saúde pública, “visível” a olho nu.

No entanto, como sou defensor das tradições e dos nossos usos e costumes, acho que ainda temos uma saída para combater esse flagelo: Vamos esquecer as pizas e as lasanhas, ignorar os hambúrgueres da Mcdonald’s ou do Burger King e deixar de parar nas barracas de cachorros quentes. Em vez disso, voltemos a comer o cozido à portuguesa, os rojões à nossa moda, o presunto caseiro, a orelheira, os salpicões e as chouriças porque, só assim, poderemos ganhar “corpos Danone”, “físico de atleta” e outros atributos estéticos. Mas que esta alimentação tenha como “temperos” a moderação nas doses e o “dar à perna” como outrora, deixando a carripana na garagem. Assim, reabilitamos o porco na nossa alimentação e ganharemos sorrisos luminosos, em sinal de satisfação e prazer.

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