Solenidade, virou feira devaidades…

Maria é uma jovem mãe que anda empolgada, pois dentro de dias o seu filho vai fazer a primeira comunhão. O entusiasmo deve-se ao que isso representa na formação religiosa e humana do filho? Claro que não. O motivo da euforia é a festa. Ou seja, a “consequência” passou a importante enquanto a “causa” não conta. Já há alguns meses que começaram as suas preocupações com a cerimónia… Imagine-se o “trabalhão” que deu encontrar o vestido certo… Dias e dias a saltar de loja em loja, a experimentar toilete atrás de toilete. “Este não serve porque me faz gorda, aquele porque a minha cunhada tem um igual, o outro porque…” E para encontrar uns sapatos a condizer? Foi um sacrifício… Sapato de cerimónia, de tacão alto e fino, exigiu treino, muito treino, para não dar um trambolhão em plena igreja ou deixá-lo preso entre as frestas da calçada… Quantas horas não teve de passar em frente do espelho, estudar posições, dar passos com um “manear” das ancas? Não calculam como é cansativo… Com o cabelo entregou-se a quem sabe. Mesmo assim, teve de ir algumas vezes à cabeleireira escolher no catálogo de penteados qual o mais adequado à toilete, sendo que na última até se vestiu e calçou a rigor. É difícil…

Mas isto só foi uma das suas preocupações pois, convencer o marido de que não podia levar o fato cinzento que usou no casamento da prima Isilda e “tinha” de comprar fato novo, foi outra que tal. Nada fácil. Teve de utilizar a arma mais poderosa: Choro, com lágrimas e ranho… E lá foi, com ele a fazer figura de desgraçado, comprar o “fatito” italiano, de lã pura… É que a vizinha andava-se a gabar do seu Manel ir todo nos “trinques”, com um fato espetacular comprado no “Shopping”… Aquela “sirigaita” ia ver quem ia nos “trinques”…

Quanto ao filho, tinha de “dar nas vistas” na solenidade. Para isso, foi a uma casa especializada em fatos de comunhão e escolheu o mais bonito. Alugado… Mas ninguém saberia, pois ia dizer que o comprou numa loja de Braga… Era o que faltava, ser gozada como pelintra… No entanto, o que deu numa grande discussão lá em casa, foi a lista de convidados. O marido queria ficar-se pela família mais próxima e fazer o almoço no restaurante perto de casa. “Qual quê, não faltava mais nada. Não quero ser motivo de chacota na terra. Ninguém se vai ficar a rir de mim, ainda que tenha de pedir dinheiro emprestado”. E assim foi. Convidou a família dela e a dele. Toda. Para além dos padrinhos e filhos e alguns amigos mais ou menos próximos. Parecia um casamento… O restaurante da terra? Nem pensar. Alugou a sala “VIP” duma Quinta que está “na berra”, com ementa a condizer… Só rezava para que o senhor padre tivesse a feliz ideia de fazer a procissão logo a seguir à missa e ficava tudo “despachado” de manhã. No caso de a marcar para o fim da tarde, o “povo” ficava “alapado” no restaurante a comer e a beber até à hora da saída e receava que algum dos participantes, a começar pelo marido que era dado à “pinga”, não se “aguentassem nas canetas” e “armassem barraca”, sempre motivo de falatórios. É que, nos dias seguintes, nas mercearias, cafés, tascos, ruas e outros locais da terrinha, as mulheres iriam “passar tudo a pente fino”, até com fotografias no telemóvel: “Olha como a Joana ia vestida e pintada? Parecia uma mulher da vida…”; “A Teresa já usou aqueles sapatos na comunhão solene do filho da Laurinda”; “Viste o decote da Francisca? Se ao menos tivesse alguma coisa para mostrar”…; “E o homem da Antónia? Uma vergonha. Até ia com a fralda de fora”…

O “Pai Nosso”, a “Primeira Comunhão”, a “Profissão de Fé/ Comunhão Solene” e o “Crisma”, são cerimónias religiosas onde as crianças deviam ser as únicas “estrelas” a brilhar. Mas, pouco a pouco, tornaram-se motivo de grandes festas, marginalizando a cerimónia religiosa, numa autêntica “feira de vaidades” onde importa mais parecer que ser. Será que sabem o significado e importância de tal cerimónia? Ou isso é secundário? Os homens deixam as coisas quase sempre entregues às mulheres (verdade se diga, também não têm voto na matéria…) e estas fazem delas uma competição. E (quase) nenhuma quer ficar atrás da outra. Em nada. Na igreja ou na procissão, a sua atenção está… nas outras. O que vestem, usam, calçam, fazem… São a concorrência. É preciso estar melhor, fazer melhor, parecer melhor. Ser a “rainha da cerimónia”, nem que ao outro dia não tenham onde cair mortas.

Há coincidências espantosas. Quando tinha mais de metade desta crónica escrita, telefonou-me o meu filho da Colômbia através do “face time” (com imagem). Nem de propósito: Estava numa festa da primeira comunhão organizada por um colégio católico da Colômbia. E rodou o telemóvel apontando a câmara de vídeo para a paisagem da “finca” (quinta) onde estava a decorrer, uma grande propriedade com cavalos, atividades para miúdos e graúdos e um restaurante. A festa e o almoço de todas as crianças da primeira comunhão era comum. Os responsáveis do colégio e pais das crianças haviam-se reunido e tomado a decisão de não realizarem festas individuais. Mas, o mais curioso, é que também decidiram que o dinheiro que cada um iria gastar seria entregue à responsabilidade do colégio, constituindo um fundo destinado à organização da festa que estava a decorrer no momento em que me telefonou. Convidados? Só família muito próxima, cinco ou seis por criança. Mas havia algo de mais extraordinário naquela festa única, onde os egos e vaidades deram lugar ao bom senso: Para além das crianças do colégio em idade da primeira comunhão, também foram convidadas, e ali estavam, mais sessenta crianças de menor condição económica (de outros estratos sociais), sendo que cada criança do colégio era obrigada a partilhar e brincar durante o dia todo com uma dessas crianças, interagindo com ela como se ao colégio pertencesse.

À luz da nossa mentalidade, aqueles pais são estúpidos, atrasados mentais que não souberam aproveitar a oportunidade para exibir o dinheiro, esmagar a “concorrência” e passear a vaidade. Só mesmo na América latina… pensarão.

É caso para parar, meditar e escolher o que é verdadeiramente importante: Se continuar a seguir os caminhos do exibicionismo, da inveja e da estupidez feita vaidade ou valorizar estas cerimónias religiosas pelo que devem significar para na vida da criança e praticar atos sérios de humildade, solidariedade e fraternidade. Senão, não vale a pena ir à igreja, bater com a mão no peito e dizer “Senhor, Senhor”, porque não “bate a cara com a careta”… E, seguramente, não O conseguimos enganar…

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