Testemunhas são feitas para esperar…

Para cumprir o meu dever de cidadão, subi mais uma vez as escadas de um tribunal logo pela manhã, a tempo de ouvir a oficial de justiça gritar o meu nome por cima do ruído das conversas naquele corredor comprido e frio. Tão frio como o mármore dos bancos onde, sentar-me, seria candidatar-me a congelar o traseiro. Na qualidade de testemunha da acusação em que o arguido é um caloteiro encartado que usa todos os furos da lei para que o julgamento não chegue a lado nenhum, juntei-me ao meu grupo numa amena cavaqueira, já que ali não havia mais nada para fazer, além de esperar. Sim, porque aquilo que as testemunhas mais têm de cultivar num tribunal, é a paciência. De saber esperar, ir embora, voltar e continuar a esperar. E foi o que eu fiz. Chegou o advogado carregado com uma pasta pesada. E era pelas pastas que eu os ia identificando no rio de gente que percorria o corredor. Pouco tempo ficou connosco, pois foi “lá para dentro”. E nós continuamos à espera. Não havia televisão, nada de cadeiras confortáveis, nem sequer um bar ou um café. Nem mesmo uma “musiquinha” de fundo… Só uma máquina que engole moedas e vomita comida embalada e bebidas enlatadas. E não tínhamos informações. Parece um aeroporto com voos atrasados, onde os passageiros andam “feitos baratas tontas” sem saber a que horas o voo parte ou chega, se há voo ou não. Aliás, no aeroporto ainda existem painéis com indicações sobre os voos, se chegaram, se estão atrasados, se foram cancelados. No tribunal, nem isso. Ninguém sabe o ponto de situação, se vai haver julgamento ou não. Só o advogado vai dando alguma informação, quando tem a possibilidade de “vir cá fora”. Resta-nos esperar. E esperamos quase até ao meio dia. Mais uma vez foi ele que nos trouxe a notícia costumeira: “O advogado de defesa apresentou um requerimento e o julgamento foi adiado para daqui a três meses”.

Cá está, viemos todos, apanhamos uma seca e… nada. Ninguém nos veio pedir desculpa, oferecer um cafezinho, dar umas palmadinhas nas costas “para abater ao prejuízo”. Mais coisa menos coisa, foi a repetição do que se havia passado há cerca de três meses atrás, quando o julgamento foi adiado para este dia. Agora, o resultado foi o mesmo: Adiamento. E por quantas vezes mais terei eu de voltar a subir as escadas daquele tribunal, ouvir gritar pelo meu nome, responder com outro grito “presente”, esperar toda a manhã para, quando a fome começar a apertar, virem dizer novamente que foi adiado? Vou ter de fazer horas extraordinárias e cultivar a paciência. Depois de ter ouvido um homem queixar-se que se tinha apresentado pela décima vez no tribunal e o julgamento fora adiado em todas, que posso eu, enquanto testemunha, esperar? E aquele homem com o julgamento adiado pela décima vez vinha de França, de propósito. Posso queixar-me?

Já não sei a que propósito, um advogado disse-me um dia que gostava muito de tribunais. Quando lhe perguntei porquê, respondeu-me: “Porque é um lugar onde, algumas vezes, se faz justiça”. E essa ficou-me na cabeça. Ele já ficava satisfeito por, “algumas vezes”, se fazer justiça. E eu estou inteiramente de acordo até porque já tive a sorte de ter sentenças justas, como o azar de sofrer as consequências de outras, com injustiças de bradar aos céus. Mas devo confessar que nessas, em que a sentença foi em meu prejuízo, a culpa foi sempre minha, por ter confiado em pessoas que, afinal, não o mereciam. Não eram pessoas de bem e agiram de má fé. E paguei a fatura, não podendo responsabilizar os juízes por decidirem mal. É que não me cuidei como devia, com documentos capazes de me salvaguardar se a coisa desse para o torto, como deram. Não procedi como o meu pai me recomendou pouco antes de morrer: “Não confies em boas palavras, porque te vão enganar. Faz tudo com documentos feitos por quem sabe”. Mas eu ainda tendo a ir confiando e… dá no que dá.

Nos tribunais há outros fatores anómalos que fazem da justiça injusta e não há como lhes fugir porque os homens são assim.

Um advogado acabara de sair do tribunal onde a sentença lhe foi favorável. Num grupo restrito onde eu estava, gabou-se de o ter conseguido à custa de testemunhas falsas. “De tal forma foi”, disse ele, “que a juíza se apercebeu que a prova tinha sido forjada. Então, ao acabar de ler a sentença, disse: – Fica-me a sensação de que posso não estar a ser justa. Se por isto for para o inferno, vou a cavalo nas testemunhas”.

Mas, voltando às salas de espera dos tribunais, acho que merecem alguma reflexão por quem de direito. É que, enquanto na sala de audiências decorre o “espetáculo” onde cada um representa o seu papel, que exige atenção redobrada para não cair nas armadilhas que os advogados vão lançando pelo caminho e que não deixam tempo para dormir, na sala de espera não se passa nada e podia-se dormir à vontade. Por isso, para exercitar a mente das testemunhas, que bem precisam para se lembrarem de factos ocorridos há muitos anos, ou se instalam poltronas cómodas apropriadas para dormir e descansar a “mona” ou se põe à disposição dos “clientes” (ali as testemunhas são clientes que não devem pagar nada) computadores e todo o tipo de jogos educativos, e até mesmo televisões onde passem séries completas telenovelas, porque vão ter tempo suficiente para as ver todas… E até era apropriado abrir-se ali o programa “Novas Oportunidades” para completar o liceu ou tirar licenciatura…

Já agora, para reduzir ou evitar as tais “testemunhas falsas”, nada melhor que um tasco ou um “bar aberto”, com bebidas alcoólicas gratuitas e à descrição. É que, com espera prolongada e bebidas à borla, quando as testemunhas forem inquiridas, “falam que nem papagaios”, contando “toda a verdade “feitos meninos do coro”. Tal e qual aquela testemunha “trabalhada” que não respondeu da forma que o seu advogado queria. Ao aperceber-se do desagrado dele, não se conteve: “Eu só respondi como o senhor doutor me ensinou”…

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