Adão e Eva foram felizes. Sem sogra …

O camião seguia à minha frente e, quando me aproximei, li a frase escrita em letras garrafais na traseira do veículo: “Feliz foi Adão que não teve sogra nem camião”. Não sei se o motorista tinha sogra ou se aproveitou o tema para “aligeirar” a dimensão do obstáculo que é um camião à frente de um ligeiro. E lembrei-me deste hábito que quase todos os homens têm de fazer piadas sobre sogras, mesmo que as não tenham ou, no caso contrário, tenham de dar graças a Deus pela sorte que têm com a sua. Sabe-se que é muito mais raro existir problemas entre sogra e genro e mais comum a guerrilha entre sogra e nora. É que o homem acaba por ser “adotado” pela família da mulher, mas a mulher, em geral, é vista como intrusa e questionada na família dele. Diz a estatística que os conflitos são mais frequentes entre as noras e suas sogras e a ciência descobriu que essa rivalidade está associada à existência da menopausa. O que nós ficamos a saber atualmente!!! 

E a prova de que sogras difíceis não são o maior problema da vida de um homem é o caso de Giovani Vigliotti, o americano que casou 104 vezes entre 1940 e 1981, usando o seu nome e mais 50 pseudónimos. As suas 104 sogras foram um problema bem menor que os 34 anos de prisão que apanhou por ter cometido tantas ilegalidades para estabelecer tal performance…

Em geral, os homens não desgostam das sogras. Não são o problema que domina a vida deles. Como diz um provérbio polaco, “o caminho para o coração da sogra é através da filha”. Aquilo que a maior parte das mães das mulheres quer, mais que tudo, é ver as filhas felizes. E não precisam de chegar tão longe como o Luís Costa, agricultor que foi notícia no Brasil, não pelos produtos agrícolas que produzia, mas por ter tido 50 filhos de duas mulheres, de uma cunhada e, veja-se lá, da sogra. E ainda há homens a fazer humor com a sogra, quando até podiam fazer coisas mais interessantes com ela! Ou estarei errado?  “A mulher foi a melhor coisa que Deus fez no mundo”, afirmou ele para justificar os 4 relacionamentos que teve, inclusive com a sogra que passou para, além da condição de mãe da mulher, mãe de um dos seus filhos …

A maioria dos dramas da vida real são provocados pela mãe dele, a sogra da mulher. Estudos indicam que mais de metade das sogras delas causaram-lhes problemas. Não sendo geral a todas as noras, uma sogra que se mete na vida do casal e opina permanentemente, implica e chateia até mais não, pode ser fatal para o relacionamento. 

O sentimento de posse de algumas mães pode transformá-las em sogras difíceis. Muitas consideram-se donas dos filhos desde o seu nascimento. Assim, quando um homem que já tem “dona” resolve levar a namorada para casa, a reação da sogra é considerá-la como uma ameaça ao seu poder materno. E reage com críticas, implicações e chantagem emocional. Por detrás de tudo, esconde-se uma disputa pelo poder de dominar o mesmo homem. A maioria das sogras tem um medo de perder o seu filho para outra mulher. Desde logo há uma sensação de perda e ciúmes e a nora passa logo a ser a vítima da ira da mãe do rapaz. O problema começa quase sempre logo no primeiro encontro, até porque há um preconceito dos dois. Por um lado, sogra é uma palavra que intimida. Do outro lado, conhecer a mulher que a vai substituir, é desesperante. Dizia uma mulher nas redes sociais: “Minha sogra não entende que o filho dela casou … que tem filhos … que cresceu … e que já é pai de família” …

“Um homem conheceu uma mulher maravilhosa e ficou noivo. Nesse dia combinou um jantar com a mãe para lhe apresentar a noiva. Ora, quando chegou a casa dela levava 3 mulheres, uma loura, uma ruiva e uma morena. A mãe dele perguntou-lhe porque é que tinha levado 3 mulheres em vez de uma só e ele respondeu que era para ver se ela conseguia adivinhar qual era a sua futura nora. A mãe olhou as três mulheres minuciosamente e respondeu: “É a ruiva”. “Como acertaste logo à primeira”, perguntou-lhe o filho. E ela retorquiu: “Porque não posso com ela” …

Adão e Eva foram o casal com mais sorte no mundo, pois nenhum deles tinha sogra. E quando perguntaram a Lenine qual deveria ser o castigo máximo para a bigamia, respondeu: “Duas sogras”.                  

O drama com as sogras acontece em todo o mundo. Na Rússia, onde os jovens casais vivem com os pais por falta de casas, criou-se uma cultura forte de ódio à sogra. Na Espanha existe uma doença que se diz ser causada pelas sogras. Na capital da Índia existe uma ala das prisões especificamente para sogras por exigirem dotes excessivos às noras e romper casamentos. Na Espanha e Itália, uma sogra pode ser processada por prejuízos ou arruinar o casamento. Alguém descobriu uma excelente forma de resolver o problema da sogra e de mantê-la à distância. Tão simples quanto isto: “Basta conseguires convencer a tua sogra a andar quinze quilómetros por dia. Ao fim de uma semana apenas, ela estará a mais de cem quilómetros de distância”.

É verdade que ser sogra pode ser muito difícil, pois habitualmente as noras têm um vínculo forte com as mães. É com elas que discutem e trocam impressões com grande pormenor sobre as mais pequenas coisas e é normal que uma rapariga confie mais na própria mãe do que na sogra. Isto pode provocar ciúmes na mãe do parceiro e gerar que esta comece a especular: “Ela trata-o bem?”, “Ele está a comer aquilo de que gosta?” ou “A casa está limpa e arrumada como ele quer”? Ora, como os filhos raramente falam com as mães sobre isso, elas sentem-se excluídas e resistem, forçando a sua presença que vai acabar por não ser bem aceite pela nora. E “temos o caldo entornado” se ela persistir. 

Há alguns anos uma mulher disse-me uma frase que não conhecia: “A minha sogra e eu fomos felizes durante vinte e sete anos. Mas então, conhecemo-nos”. E nessas palavras transmitiu todo o mal-estar que existia entre ambas a partir do momento em que casou com o filho dela, tendo-lhe estabelecido limites para evitar chantagem emocional sobre o marido como “depois de tudo o que fiz por ti” ou “tu já não te ralas comigo” e outras.

Para nós homens as queixas das sogras são mais humorísticas do que relativas a um problema real. Daí histórias como esta: “A minha sogra apareceu-me hoje de manhã. Quando eu fui à porta, ela perguntou-me: – Posso ficar aqui uns dias? – Claro que pode”, repliquei e fechei-lhe a porta”. 

Para o bem e para o mal, a sogra é a mãe da ou do companheiro/a de vida, um membro de pleno direito da família, uma peça importante para a harmonia do casal. Se ela “desafinar” e não estiver em sintonia, pode estragar a “orquestra familiar” e acabar por fazer com que cada um “toque para o seu lado”. Ora, no tempo em que já não é nada fácil conseguir obter um “dueto” em sintonia harmoniosa, uma ajuda que só vem atrapalhar é perfeitamente dispensável. E então é caso para cantar: “Eu gosto muito da minha sogra, mas quero vê-la bem longe de mim” …

A arte de dar puns, traques ou peidos

Volto a debruçar-me sobre um tema que, quando aqui o abordei, fez com que um amigo me aconselhasse a não escrever mais sobre este e outros assuntos “malcheirosos”, pois não “ficava bem” para a minha condição social. Ora, pelo contrário, acho que os muitos milhares de anos da suposta evolução humana não evitaram que o ser humano continue a ter uma relação de grande pudor  com a sua “flatulência” natural, conhecida como “pum” ou “traque” e vulgarmente por peido, fazendo com que o ato de peidar pareça estar condenado a ser para sempre algo secreto, feito às escondidas, vergonhoso e chocante. É curioso que quando uma criança dá um “pum”, toda a família se ri e acha divertido. Daí que ela se exibe perante os pais, tias e visitas, por ter recebido estímulos positivos aos seus “disparos” naturais. Só não sabe o rebento que, à medida que crescer, o que antes era divertido torna-se escabroso, de mau gosto e condenado socialmente. Vejam lá que, só pelo facto de eu falar neste assunto e de usar a palavra peido, vou ferir a sensibilidade de algumas pessoas como aconteceu com o meu amigo. Mas percebo o pudor, fruto do condicionamento social!                A flatulência tem gerado piadas, folclore, etiqueta e até tem mesmo sido proibida por lei, mas poucos estudos têm sido feitos sobre ela. Hipócrates considerou que ter muitos gases é mau e recomendava que devem ser libertados e a medicina moderna concorda notando que a retenção é um dos principais fatores da doença diverticular, o que só dá razão de ser ao “alívio” que cada pessoa sente nas cerca de catorze vezes por dia em que os liberta. Entre os que se dedicaram a escrever com humor sobre o caso, temos Geoffrey Chaucer, Benjamin Franklin e Mark Twain. E até Aristófanes. Os romanos tinham uma lei que proibia soltar gases em locais públicos, lei que foi suspensa no reinado de Claudius, o mais flatulento dos imperadores. Em Chagga, na Tanzânia, a punição para soltar gases é menos severa, mas vai dar pano para mangas às feministas: Se um marido se peidar, sua esposa tem de fingir que foi ela e de se submeter à censura. Se não cumprir a sua obrigação de esposa, tem de pagar três barris de cerveja. Coitada da Luísa se esta lei vigorasse em Portugal …                                                 No livro a “Arte de dar peidos”, Pierre T. N. Hurtaut para quem peidar era uma arte e o peido bem solto uma arma social, leva o assunto às últimas consequências pois bem lá no fundo quer recordar-nos que, por baixo das rendas e perfumes, nós também temos vísceras como qualquer outro animal e não devemos envergonhar-nos daquilo que somos, mas, pelo contrário, encarar isso com bom humor, até porque, afirma ele, “o peido é uma necessidade da natureza, uma condição de boa saúde que pode e deve ser assumida como uma fonte de prazer, alívio e até de arte, pois dar peidos não custa, custa é saber dá-los”. Hurtaut cita muitos autores clássicos como Aristófanes, Horácio e Cícero entre muitos outros, mas também pensadores atuais para nos lembrar que “um bom peido ou uma sucessão deles, pode ser uma fonte de brincadeira e de prazer, mas também uma arma de guerra ou uma declaração de independência. Além de que “peido dado na altura certo, poderá virar a situação a nosso favor”.                                                                                                                    A “Arte de dar peidos” é uma ocasião rara para aprofundar o assunto sobre o qual muito pouca gente se tem debruçado, ao contrário de Hurtaut que a esgota em todos os aspetos. E se é verdade que o livro foi escrito contra os sisudos, os preconceituosos e os hipócritas, já para não falar nos que têm prisão de ventre ou diarreia mental, a sua utilidade é inquestionável. Diz que, “o que cheira verdadeiramente mal é o preconceito e a incapacidade de rirmos de nós próprios, das nossas debilidades”. Ou seja, “o que o peido tem de dramático é vir lembrar-nos que somos imperfeitos e mortais. Que algo cheira mal, mas muito mal dentro de nós mesmo ainda antes de morrermos e contra isso só há um remédio: rir, mas rir com arte”.                            Afinal, vejam só, parte dos gases é formada pelo ar que engolimos. Ou seja, se falas como um locutor de futebol em rádio FM, comes como o lobo preso ou vives com o nariz entupido, tens chances de peidares mais, além das reações químicas que existem dentro de nós e ajudam essa coisa sem forma que, se entrou, tem de sair. Percebo que a culpa pelo peido ser mal visto é das castrações por vivermos em sociedade. Assim, peidar torna-se condenável, como assassinar. Mal se peide e seja ouvido, verá milhares de olhos acusadores. Por isso, não é para admirar que se finja tanto em sociedade.                                                       O que determina o som do peido é a velocidade e o maior ou menor aperto do canal de saída. Daí o som poder dizer sobre os hábitos de cada um. E nada de fazer muita força, porque uma coisa pode seguir-se à outra. E quanto tempo se tem para fugir dum peido antes que ele chegue ao nariz? Depende! Claro que há pessoas que dizem nunca se peidar. Ora, se está vivo, peida-se, seja homem ou mulher. Nalguns casos, mesmo depois de morto. E não existe hora certa para o escape funcionar, mas é mais provável de manhã, na que é conhecida por “trovoada matinal”, ouvida em toda a casa. E, já de fato e gravata na empresa, segura-se para não os soltar, com medo que feda, que vá ser o tema das piadas ou até de perder o emprego. Mas se pensa que um peido retido é um peido perdido, engana-se, pois ele volta a reentrar, dissolve-se e solta-se quando sentir a passagem livre. Você nunca o perde, só o adia. Mas não se preocupe porque ainda não há peidos às cores que denunciem o autor, embora alguns participem no estranho “ritual incendiário” masculino de peidar e acender o fósforo para ver se pega fogo, mas um intestino cheio de metano pode ser fatal.                                               Já agora, mas não menos importante, o arroto não é um peido que subiu de elevador. São coisas bem diferentes.                                                        O francês J. Pujol ficou famoso pela sua arte e proezas peidescas, pois tinha a capacidade de sugar o ar para depois o libertar e apagar uma vela a 30 cms. Imitava peidos diversos, de uma sogra, de noiva antes e depois da noite de núpcias, roupa a ser rasgada, disparo do canhão e uma trovoada. Com o reto conseguia fumar um cigarro, tocar flauta, imitar galos, cachorros, corujas, patos, porcos, violinos, trombones e rãs.  A performance mais aplaudida era tocar “A Marselhesa”. Penso que, se existissem mais “músicos” como ele, poderiam ter feito uma orquestra sinfónica sem instrumentos, mas capazes de tudo, embora tivessem de ficar de “rabo para o ar”, talvez de “cu ao léu” para que o som saísse nítido e cristalino. Esta habilidade levou um cientista a sonhar se não seria possível também usar o reto como instrumento de fala – afinal só faltava o aparelho fonador pois o resto já lá estava: O fole para o ar e as pregas para criar a vibração. Mas é melhor não!                                           Não sendo “assassino” para estrangular os peidos nem altruísta para reivindicar os dos outros; não sendo covarde que, mal os solta, foge do mau cheiro nem fiscal que cheira o cu de toda a gente e nem infeliz por pensar que vão sair gases e sai “coisa sólida”, sinto o preconceito da sociedade sobre uma exigência do nosso organismo e da nossa condição animal. Daí ela aceitar mais as pessoas desastradas do que quem solta gases. Mas é caso para se perguntar: Quem nunca soltou um peido em público, que levante a mão? Como dizia o cartaz: “Não reprima seus sentimentos. Peide feliz”. E “não segure um peido, pois faz mal à saúde”. A verdade é que toda a humanidade está ligada pelo peido, sem olhar a gênero, etnia ou estrato social. É a manifestação humana mais universal, a prova que desmascara as peneiras e desfaz a cagança. E só o riso é a arma perfeita contra o preconceito, faça-se ele acompanhar ou não da música do traseiro.                                                                    Hurtaut, o poeta dos gases e sábio da flatulência disse: “É vergonhoso que depois de tantos anos a dar peidos ainda não saibas como o fazes e como fazer, pois, há quem peide com classe e há quem se atrapalhe todo. É que dar peidos é uma arte”. Aliás, um dos vários capítulos da mais difícil e exigente das artes: A Arte de Viver.

Símbolos do invento ou criminosos?

Uma senhora amiga abordou-me muito preocupada com a notícia que a imprensa portuguesa divulgou sobre um documento publicado pela PAN Europa – uma rede de organizações que procura minimizar efeitos negativos dos pesticidas perigosos e, além disso, substituí-los por alternativas ecologicamente corretas. Segundo esse documento, as maçãs e peras portuguesas estão no segundo lugar do “ranking” da maior proporção de frutas contaminadas em 2019, sendo que em 85% das peras portuguesas testadas e 58% de todas as maçãs foram encontrados resíduos de pesticidas perigosos. Percebi a preocupação da senhora pois a fruta é um alimento que faz parte da nossa dieta alimentar de todos os dias e saber que as peras que compramos no supermercado ou na frutaria estão contaminadas, é preocupante. Apesar do aspeto lindo, calibrado e perfeito da fruta que atualmente aparece no mercado e cujo sabor não corresponde à apresentação, vivemos alheados de uma realidade: Grande parte dessa fruta contem resíduos de pesticidas e não há volta a dar. Se não tivermos isso em conta e não cuidarmos de ter algumas precauções, sofreremos as consequências. Usam-se demasiadas vezes os pesticidas de forma incorreta, sem respeito por nós, consumidores. Neste mundo real, o “manuseamento adequado” de pesticidas é simplesmente inviável. Ou quase. Nem com as formações obrigatórias …                                  Voltando à fruta: felizes daqueles que conseguem ter fruta em casa, biológica, sem a utilização de fertilizantes nem pesticidas. Esses, sim, podem dizer que têm fruta caseira… embora haja por aí muito boa gente que a diz ter, mas trata as fruteiras com todo o tipo de produtos químicos. Está bom de ver que fruta comem! É como com os frangos caseiros alimentados a ração industrial…                                                      É verdade que a necessidade de obter produções altas para conseguir rentabilizar a atividade exige o controle das pragas e doenças e para isso é preciso recorrer aos pesticidas – incluindo os perigosos – caso contrário o preço da fruta ao consumidor dispara. 

E a fruta biológica? É uma boa solução se for mesmo biológica, só que o preço não agrada a quem paga. Por isso, a questão que hoje se coloca ao sabermos que a maior parte da fruta que compramos tem resíduos de pesticidas, é se devemos deixar de a comer ou não. E não comer uma maçã é uma má decisão, mas comer uma maçã sem a lavar ou descascar, é uma decisão pior, até porque comporta riscos. Mais difíceis são as cerejas, morangos, framboesas, mirtilos e outros frutos que não se podem descascar. Nesses, a lavagem é a única forma de evitar ou atenuar o problema porque, sabe-se que há quem trate a fruta poucos dias antes da colheita com “os tais venenos”, para chegar “bonitinha” ao mercado, sem dar o tempo obrigatório para o pesticida se decompor. Mas fala-se da fruta e não se pergunta se os legumes têm resíduos de pesticidas ou não? Claro que dificilmente conseguimos vingar a alface e o tomate, como muitos outros, sem os tratar. E, como se descasca a alface?                                                                                                                      Os produtos químicos são hoje uma constante na nossa vida. Usamo-los todos os dias em milhentas circunstâncias e na maior parte das vezes nem temos consciência de que o fazemos nem dos riscos que corremos. O que são os detergentes senão produtos químicos e qual a carga perigosa que podem transportar? Quantos desses químicos não são despejados todos os dias na banca da cozinha ou no esgoto das máquinas de lavar? E não ficamos de consciência tranquila só porque os mandamos para o esgoto, sem nos preocuparmos para onde vão e em racionalizar o seu uso?                                                                                                             Sem explorar o uso e abuso que fazemos dos medicamentos, será que temos noção da carga de produtos químicos prejudiciais à saúde que ingerimos todos os dias quando comemos carne, seja de porco, vaca, peru, frango ou avestruz? E o mesmo se passa com o peixe criado em aquacultura, alimentado com rações e protegido com antibióticos em doses maciças! Por acaso demo-nos ao cuidado de ver o que contêm os alimentos processados? E nos sumos e refrigerantes temos noção dos conservantes e outros que asseguram a sua conservação? Claro que a maioria de nós nem sequer lê o que está escrito nos rótulos e nem está preocupada com isso. Mas, se tivéssemos de identificar os produtos químicos com que nos deveríamos preocupar, a exemplo dos pesticidas perigosos, era necessário aumentar muito as páginas deste jornal.                                                                                                       Para percebermos até onde os produtos químicos podem interferir na nossa vida e de que forma, até os mais improváveis, vale a pena recuperar a história de um daqueles que foi considerado como um símbolo da invenção americana: o Teflon. Foi usado para fabricar milhentos produtos, desde tintas, impermeáveis, botas, tecidos e muitos outros entre os quais o revestimento para um utensílio que todos nós levamos para nossas casas: frigideiras. O slogan era este: “com antiaderente Teflon, frigideira feliz”. Fabricado pela Dupont, uma das maiores multinacionais da indústria química, depressa se aperceberam que algo estava mal. Fabricaram cigarros com Teflon e os empregados que serviram de cobaias viriam a ser hospitalizados. Mulheres grávidas que lidavam com o produto deram à luz crianças com malformações, mas nem assim as mulheres foram retiradas da produção. A Dupont sabia que o C-8, composto usado para fabricar o Teflon, libertado no ar ou enterrado, causava cancro. Os mil milhões de dólares de lucro anual eram bastante mais importantes que essas ninharias dos funcionários, clientes e consumidores expostos a algo tão perigoso, pois o C-8 não é decomposto e fica dentro de nós para sempre. O Teflon foi inventado para ser usado em frigoríficos e veio a acabar no revestimento de panelas e frigideiras e no sangue de 98% dos seres humanos, pois desde 1950 foram produzidos biliões e mais biliões de utensílios de cozinha revestidos com Teflon. Vale a pena ver o filme “Dark Waters – Verdade Envenenada” para se perceber os dramas por detrás deste “milagre industrial” e a luta dum fazendeiro americano ao ver morrer as suas vacas com feridas no corpo, cancro nos órgãos internos e comportamento agressivo só porque bebiam água de um riacho junto ao aterro onde a empresa enterrara alguns resíduos industriais do produto e as dificuldades do seu advogado para lutar contra uma empresa gigante, numa guerra tão desigual e impossível, qual David contra Golias, mas que fez história.                                        Tudo isto para dizer que os resíduos de pesticidas perigosos na fruta que comemos existem e são a fatura do desenvolvimento a qualquer preço e o resultado do seu mau uso, especialmente no desrespeito pelo tempo que tem de ser dado para que o pesticida se decomponha antes de a comermos. Mas temos de ter consciência que são só uma parte do problema do uso de químicos na nossa vida. Nós não somos senão marionetes nas mãos dos senhores do poder mundial, seja ele político, económico, industrial ou outro qualquer, que não olham a meios para alcançar os resultados que se propõem, ainda que para tal tenham de deixar um rasto de vidas humanas sem que isso lhes tire o sono ou pese na consciência, em nome do lucro e poder. A História da Humanidade está cheia de gente dessa e hoje estamos todos a sofrer as consequências de mais um desses loucos …  

Acidentes normais ou negligência?

Num domingo de manhã eu e o Jaime Moura saímos de Lousada em direção ao Autódromo de Braga para darmos a nossa colaboração nas corridas do fim de semana enquanto credenciados como comissários desportivos pela FPAK. Quando entrei no Lancia com ele ao volante, a chuva caía torrencialmente e fomos diretamente para Paredes onde entramos na autoestrada rumo à A3. A chuva continuava e, a meio da primeira subida, vimo-nos de repente no meio de um mar de água que ia da berma ao centro da autoestrada, que fez com que o carro entrasse em “aquaplaning”, fizesse 3 ou 4 peões e fosse bater no rail central. Mal saímos do carro, surgiu a correr um homem vindo da casa que estava perto da via e, depois de ver que estávamos bem, disse: “Neste sítio, hoje já é o terceiro acidente e quando chove muito aqui há sempre despistes, porque a valeta não é limpa e nem tem capacidade para evitar que a água nestas ocasiões atravesse a estrada como estamos a ver”. E efetivamente, como aquela subida tem cerca de 200 a 300 metros, a água da chuva a descer era muita e a valeta não só não tinha capacidade, como estava coberta de terra e não havia saídas visíveis para fora da autoestrada. O lençol de água que atravessava a via era muito grande, podendo ser fatal para qualquer automóvel, mas mais ainda para o Lancia do Jaime porque estava “calçado com sapatos” muito largos. Pelo que nos disse o vizinho do local fatídico, isso já acontecia há anos, sem que alguém resolvesse o problema. Ora, imprevistos destes podem acontecer sempre, mas o que é condenável é que o problema se tenha arrastado demasiado tempo, no dizer do popular, quando se podiam ter evitado acidentes e os custos inerentes, em que o pior nem sempre é o dinheiro.

Mais tarde o Jaime viria a acionar um processo para ser ressarcido dos prejuízos e, enquanto este decorria, os serviços de manutenção da autoestrada efetuaram vários cortes no pavimento, em diagonal, por forma a drenar a água das chuvas. Seria caso para se perguntar: porque não o fizeram logo após ter ocorrido o primeiro acidente?

Sabe-se que pelo país fora, aqui e ali são detetados pontos críticos onde acontecem sistematicamente acidentes, em alguns casos com sinistralidade grave, sendo conhecidos pela população local, além da imprensa, mas ignorados por quem tem a obrigação legal de corrigir o defeito seja ele qual for, estando sujeitos a ter de indemnizar os lesados sempre que estes reclamem ou recorram para a justiça. E são conhecidas muitas sentenças nesse sentido, pois quase todas as entidades responsáveis tentam “fugir com o rabo à seringa” pelo que os processos acabam na justiça, numa forma de “adiar o pagamento” e “ir empurrando com a barriga para a frente”.

Um exemplo incompreensível, e diria até criminoso, já identificado desde que se fez a A4, é a saída em Penafiel para a estrada nacional que vai para Lousada e Guimarães. Quantas dezenas ou até centenas de acidentes aconteceram nessa saída, com consequências trágicas, graves ou mais ligeiras tanto em vítimas como prejuízos materiais? Quantos deles perderam ali a sua vida e com ela morreram ilusões e sonhos, destruíram-se famílias ao tombar o chefe, caíram crianças e jovens na flor da idade? E toda a gente sabe disso, pois tanto se tem falado ao longo destes anos, com vigílias que de nada valeram, com o absurdo do próprio presidente da câmara local afirmar ter efetuado diligências junto do organismo responsável pela estrada nacional para ali se fazer uma rotunda que resolveria de uma vez por todas o problema, sem ser ouvido pois estão surdos e cegos ao ignorarem as tragédias que têm sido recorrentes naquele local. É incompreensível que não exista neste país ninguém com o poder de obrigar essa gente a salvar vidas que podem ser as nossas e patrimónios que custaram muito. Se calhar estão à espera de quem os obrigue a dar atenção ao problema e faça “olhar e ver” embora isso só vá acontecer quando ali tombar o filho de um “figurão” da nossa praça e o “coro mediático” os atingir em cheio …

Já agora, aqui a cem metros de minha casa há uma situação que se vem arrastando há muito tempo, sem se compreender o porquê de não ser resolvida. Acho mesmo que é um bom local para se montar uma oficina de reparações tal é a quantidade de viaturas que ali são maltratadas e ficam a precisar de uma boa intervenção mecânica. O ponto crítico situa-se na vila de Lousada, mais concretamente no entroncamento da Av. Sá e Melo com a Av. Nª. Sra. Do Loreto. Para organizar o trânsito naquele local existe uma mini rotunda à volta de um poste, que seria mais que suficiente. Mas, além desta, foi colocado ali um pequeno passeio em triângulo para “encarreirar” quem vai na Sá e Melo e quer virar à direita rumo ao Loreto. Ora, ao entardecer de um dia de sol, quando este se inclina para a poente fica perfeitamente alinhado com a Av. Sá e Melo e qualquer condutor que siga nessa via a partir do centro, apanha com o sol em cheio nos olhos deixando de ver por completo o triângulo miniatura. Assim encandeado, quando mal se acorda está com a viatura “a cavalo” no “obstáculo”, o que não teria consequências de monta se não fosse um pequeno ou grande senão: presumo que, para dar visibilidade ao triângulo, montaram um sinal luminoso em cima do bico do triângulo, mas deve ter ficado inteiro durante pouco tempo, pois alguém o cavalgou destruindo a parte aérea. No entanto, cravada no triângulo permanece a base em ferro fundido com seis “dentes” fortíssimos ao alto, espetados acima do passeio, que funcionam como uma garra metálica a rasgar a parte de baixo toda das viaturas que têm o azar de lhe passar por cima. E é assim que a blindagem, cárter, motor e outros órgãos dessas viaturas “vão de vela”, deixando os condutores de cabeça perdida. Por mero acaso, há dias vi ali uma mulher com as mãos na cabeça como se não acreditasse no que lhe aconteceu e, noutro momento, um condutor jovem muito preocupado, sei lá se a querer saber o que dizer ao pai. Alguém que trabalha bem perto diz que já perdeu a conta de quantos acidentes houve e continua a haver nesse local, mas que nada se tem feito para os evitar. E a solução é bem simples: basta eliminar por completo o malfadado triângulo com a perigosa garra de 6 dentes (já são só 5, pois um foi arrancado numa batida mais forte e está caído no seu interior). Mas, com esta ou outra solução, parece ser tempo de se pôr fim à lista de acidentes que têm marcado o local e aos estragos e prejuízos inerentes. 

Ou então, ficamos à espera que o familiar de uma figura mediática ou de um político da nossa praça fique encavalitado nesse triângulo maldito, com o motor do carro a verter óleo e o sinistrado a verter lágrimas, para que o problema seja resolvido de pronto …

Do pátio da casa dos meus pais …

À medida que os anos passam, depois de subir as escadas de acesso ao andar da casa dos meus pais, mais costumo parar no pátio e olhar a extensa paisagem que se estende à minha frente, cobrindo a aldeia onde nasci, uma boa extensão do vale do Sousa e a encosta que sobe até ao alto da Trovoada por detrás da qual, e bem longe, podíamos, e podemos, ver se há neve no Marão. Apesar de ser a mesma Serra do Marão e as mesmas encostas, montes e vales, hoje a paisagem é muito diferente, não tanto por ter desaparecido a retrete que havia no topo do pátio – um “luxo” no seu tempo – mas por a paisagem estar despida quase por completo das muitas matas de pinheiros e carvalhos que lhe davam uma beleza particular, que já não consigo encontrar nesse casario variado, desordenado e numeroso que veio manchar a ordem natural como nódoas em bom pano, entre campos, quintais e jardins. 

Já não encontro aqueles velhos carvalhos de troncos enormes, cheios de musgo verde, mas de uma beleza natural especial, esburacados e com grandes “nocas”, onde em criança procurava apanhar o macho das “cornelas”, nome que dávamos à “vaca-loura”, com muito cuidado para não levar um apertão das suas mandíbulas em forma de pinça. 

Já não vejo os pinheiros e os poucos que ainda teimam em escapar à razia nunca chegarão a ser tão grossos e grandes como outrora para dar tábuas de pinho de cerne que duravam mais do que as tábuas de castanho (castanheiro) e eram usadas tanto no soalho como para fazer esquadrias (janelas e portas), num tempo em que a madeira era o único material para as fazer.

Já não vejo a paisagem pintada com as cores de milhares de pássaros de variadíssimas espécies, desde os gaios, pegas, petos, rolas bravas, tordos, chascos, toldeias, boeirinhas (alvéolas ou lavandiscas), cucos, poupas, ferreirinhos, carriças, andorinhas nem nada daqueles bandos de tordos e dezenas de pintassilgos que formavam autênticas nuvens e vinham poisar nas flores dos cosmos que a minha mãe semeava nas traseiras da casa. Hoje por ali já quase só podemos encontrar pardais e melros, pois os outros não conseguiram resistir à destruição do seu habitat natural, ao uso indiscriminado e descontrolado de inseticidas que os “matam como tordos”. Não temos noção do quanto perdemos com o desaparecimento de muita espécie de aves da região pelo seu contributo no equilíbrio ecológico pois são autênticos “semeadores” a espalharem sementes de árvores, como agentes polinizadores, além de reguladores da população das suas presas. 

E já não vejo daquele pátio a cerejeira da senhora Emilinha “Séria” e nem os pássaros a irem ali procurar alimento para si e seus filhotes, o que me permitia daquele “posto de observação” segui-los com o olhar para tentar descobrir o ninho, o que era fácil com alguns deles, como os melros, mas muito difícil com outros, como o “chasco”, pois fazia sempre questão de enganar os perseguidores na sua deslocação para o ninho.  

Já não vejo os quintais bem cultivados onde estava sempre presente a couve-galega que fazia parte da alimentação diária de toda a aldeia, tanto no caldo verde, caldo de couves esfarrapadas ou para alimentar porcos e galinhas. E até as ramadas, outrora tidas como prioritárias em qualquer quintal para a produção de uvas e daí alguns almudes e até pipas de vinho, indispensável na mesa de qualquer casa por mais pobre que fosse, desapareceram da paisagem e deram lugar a jardins mais ou menos cuidados, quando não a logradouros pavimentados para não dar trabalho ao dono pois já são muito poucos os que ainda cultivam a terra, pois é mais prático “colher os legumes no quintal do supermercado”.

Já não vejo o sarilho, a corda e o balde no poço da casa dos meus pais, poço que ainda continua por lá, mas que não tem a mesma utilidade de quando eu era criança. Nessa altura, se queríamos água para casa tínhamos de a tirar do poço a balde, encher os cântaros de barro que se levavam para a cozinha e dali se tirava água “a coco” para todos os usos domésticos. E muita sorte tínhamos porque grande parte dos habitantes da aldeia ia à mina ou a alguma fonte natural e carregava o cântaro à cabeça até casa, trabalho que ficava normalmente a cargo da mulher. Anos mais tarde o meu pai mandou instalar uma bomba com uma grande roda, mas era preciso “dar à manivela”, fazer girar a roda e acionar o êmbolo para tirar água. Hoje o poço está lá, mas tem um motor elétrico que simplifica o trabalho. No entanto, a água que alimenta a casa vem da rede pública, sendo mesmo obrigatória a sua ligação mesmo que não se use.  A água do poço é usada para regar jardim e quintal ou lavar logradouros. E passamos a ter a água como um bem adquirido. Quer chova ou faça sol, basta abrir uma torneira e a água corre sempre. Mas será que vai correr sempre e a podemos desperdiçar como o temos feito?

Já não vejo a minha avó a tirar o cavalo da corte na casa em frente e a colocar-lhe os arreios para o atrelar à carroça carregada de fazendas para vender na feira de Lousada e arredores. Já ninguém se desloca em carroças nem sequer as há a não ser nos museus etnográficos, mas ficaram-me na memória algumas viagens ao lado da minha avó, naquele banco de madeira da carroça, que já era um luxo pois quase toda a gente ia a pé para a feira.

Do pátio da casa dos meus pais já não vejo passar crianças caminho abaixo, a pé, para a escola, muito menos a jogar a bola ou brincar no monte atrás da nossa casa, livres como passarinhos, onde a aldeia toda era o seu mundo, sem pais “à perna” pois cada mulher era mãe. 

Do pátio da casa dos meus pais já não vejo a minha aldeia como uma comunidade, praticamente sem muros, de portas abertas, em que as pessoas partilhavam os poucos bens que tinham e as vidas, estavam disponíveis umas para as outras, entreajudavam-se em tarefas como vindimas, desfolhadas, sacha do milho e outras. As casas eram muito simples, pobres e despidas de coisas, sendo a solidariedade o maior bem. Hoje vejo muitas casas excelentes e com todas as comodidades que, outrora, eram tidas por palácios. Mas estão rodeadas de muros altos, alarmes e câmaras de vigilância, para manter os ladrões (e os vizinhos) à distância. Deixou de haver a convivência entre vizinhos (e tantas vezes nem se conhecem) para cada um ficar fechado em si, de olhos fixos na televisão, no computador ou telemóvel, comunicando com quem está longe, mas mantendo longe quem está muito perto. Já não sei se ainda somos um meio rural com os vícios urbanos ou se já passamos a meio urbano com uma falsa ruralidade, despida do bem maior que o meio rural tem consigo: a comunidade. 

Por isso, sempre que regresso àquele pátio, tenha saudades da minha terra … 

Em tempo: Já o artigo estava escrito quando a minha irmã torceu um pé e foi ao hospital. Engessaram-no, pois estava partido. Ao regressar a casa ao meio-dia, já uma vizinha lhe preparara e levara o almoço. E quando eu ia a sair, uma outra estava a chegar para fazer o mesmo. Afinal, ainda restam alguns bons pedaços da minha aldeia … 

Seremos súbditos de sua Majestade?

Liguei a televisão porque queria ver as notícias do país no telejornal da noite na RTP1. Depois do genérico, a notícia de abertura foi sobre a morte da Rainha Isabel II de Inglaterra. Passaram-se 5, 10, 15, 20 minutos e o tema continuava a ser o mesmo. Mudei para a SIC e não havia diferença: a morte da Rainha Isabel II. Tentei na TVI e passei à CNN Portugal, CMTV e por aí adiante. Estavam todas sintonizadas no mesmo assunto como se isso fosse a coisa mais importante para nós portugueses a viver em Portugal. Só quase 45 minutos depois é que consegui ouvir uma notícia sobre o país onde vivo e para tentar saber aquilo que para mim é prioritário. Já tinham passado três dias sobre a morte da rainha e a notícia continuava a “dar pano para mangas”, de forma abusiva e saturante para quem não é súbdito de sua majestade. E dizem eles que isto vai durar pelo menos dez dias pois Isabel II só vai a enterrar lá para a outra semana. Daí que todos os nossos canais televisivos enviaram para o Reino Unido os seus “pesos-pesados” da informação para relatar tudo o que se iria passar durante vários dias, “tintim por tintim” como se usa dizer. Não estou em Inglaterra e se quisesse apanhar uma “injeção” destas ligava para a BBC ou outro qualquer canal inglês. A esses sim, cabe a obrigação de explorar o assunto até à exaustão até porque os clientes ingleses gostam disso, vivem intensamente os rituais da monarquia e as vidas da sua rainha, príncipes e princesas e outros titulados mais da corte.

Mas nós fomos abusivamente informados pelas televisões de cá para ficarmos a saber em pormenor o que por lá se passa e vai continuar a passar. Assim soubemos que Isabel II morreu no castelo de Balmoral, na Escócia, onde passava 3 meses por ano. E que a morte foi mantida em segredo até que os governantes soubessem pela mensagem em código de que “a ponte de Londres caiu”. Só depois o mundo tomou conhecimento. A BBC vestiu-se de preto e tocou o hino nacional. As bandeiras foram colocadas a meia haste no Reino Unido. Depois, as televisões encarregaram-se de nos mostrar e informar que o corpo iria repousar no menor dos seus palácios, o Holyroodhouse. Daí seria transportada ao longo da Royal Mile até à Catedral de St. Giles. Ainda tiveram o cuidado de nos referir quais as mensagens do presidente Marcelo e do primeiro-ministro português. Que Joe Biden, dos EUA, lembrou a rainha como “mulher de Estado”. O presidente italiano definiu Isabel II como “figura de importância excecional”. Soubemos que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, lamentou a morte da rainha. E Macron referiu “o seu importante papel”. Continuamos a ouvir que o primeiro-ministro do Canadá destacou “a sabedoria e compaixão da rainha” e na Espanha, Pedro Sanchez, disse que ela era “uma figura de relevância mundial”. Por amor de Deus !!!

Soubemos também quais eram os problemas de saúde da rainha, a sua história de vida em pormenor desde que nasceu e todo o seu percurso ao longo de 96 anos, os primeiros-ministros com que lidou, as numerosas viagens que fez e que dariam para dar muitas voltas ao planeta e os cento e muitos países que visitou. Também disseram que enquanto os ingleses choram a sua rainha, os argentinos celebram a sua morte! Depois, vimos em longas imagens a viagem do caixão para Londres e o percurso do aeroporto até ao Palácio de Buckingham.

Entretanto, acompanhamos a proclamação de Carlos III como rei, os arautos à maneira antiga a espalharem a notícia por Londres entre os disparos da artilharia. Também nos mostraram imagens do rei na passagem por Edimburgo e Belfast a receber cumprimentos e tentar manter a unidade do Reino Unido, chegando a Londres a tempo de participar e liderar as homenagens à rainha sua mãe. Participamos televisivamente no longo cortejo que levou o caixão do Palácio de Buckingham até ao Westminster Hall entre uma enorme multidão e ao som dos disparos da artilharia, num ritual ensaiado ao pormenor, para depois ser transportado ao ombro de 8 militares até ao interior.

E após uma cerimónia religiosa com a presença de toda a família e os convidados, num conjunto de rituais que a realeza faz questão de preservar, as portas abriram o velório à multidão durante mais de 4 dias, 24 horas por dia, de que não deixaram de nos mostrar imagens diárias para não esquecermos o caso, só interrompido durante um período curto para que os chefes de estado estrangeiros pudessem prestar a sua homenagem à rainha Isabel II.

No dia do funeral, o Big Ben tocaria às 9 horas da manhã, para depois das cerimónias fúnebres, o caixão ser transportado numa carruagem militar até ao Castelo de Windsor, onde seria realizada a cerimónia final.

Enfim, aquilo que a gente teve de ouvir e ver nas televisões sobre este acontecimento que, sendo de grande relevância para o Reino Unido, seguramente não o é para nós, tendo sido um autêntico massacre à nossa paciência, que só pode ser justificado por ser informação com conteúdo relativamente barato e em quantidade, que as televisões aproveitam para aliviar os seus magros orçamentos. A verdade é que, assim como a Guerra da Ucrânia “matou” as longas notícias sobre o covid-19, a morte da rainha Isabel II “matou” as muitas notícias sobre a Guerra da Ucrânia. E, intencionalmente ou não, passaram para um plano secundário as notícias de interesse nacional o que dá sempre muito jeito a quem está no poder porque, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas” pois as notícias sobre a morte da rainha Isabel II são uma boa distração para se esquecer os “casos” da governação.

Respeito a morte de Isabel II como ser humano, mas confesso que, para além da notícia essencial da morte da monarca, a avalanche de informação adicional do acontecimento e que os canais televisivos exploraram “até ao tutano”, não tem qualquer interesse especial para mim. O que fizeram, disseram ou pareceram sentir os familiares, qual o número de disparos de artilharia, os eventos cancelados, por onde andaram este e aquele, a opinião dos nacionais e estrangeiros, quem vestiu o quê e todos os milhentos pormenores que descobriram nesta “missão”, é irrelevante. Enfim, vendo bem, foi um absurdo e um mau serviço público. E, como que a abençoar esta “chuva de notícias”, o governo decretou 3 dias de luto nacional. Com franqueza!!! Fico à espera para ver se, quando morrer um presidente da república por cá, os ingleses decretam lá luto nacional. Mas, por prevenção, vou ter de esperar sentado … 

Mas se calhar eu devo estar errado porque, afinal, somos súbditos de sua Majestade Real!!! E eu não sabia …

Tão pequeno, mas incomoda tanto …

Na caminhada matinal com a minha cadela, esta manhã voltei a ser atacado em dois pontos do percurso e lá me fui defendendo como podia, o que já é recorrente. Não há dia em que, durante este período mais quente, consiga passar despercebido naqueles dois locais sem ser incomodado, pois em cada um deles deve estar sempre de plantão uma mosca para se atirar a mim a uma velocidade impressionante e em voo circular ao redor da cabeça, parecendo querer poisar ora aqui ora acolá, numa indecisão enervante que me obriga a tentar sacudi-la                      com as mãos, outras vezes batendo com a trela nas costas de um lado e do outro como em autoflagelação ou tirando o boné para o agitar à volta da cabeça na tentativa falhada de querer abatê-la. Quem me vir à distância naquele espalhafato a bater com o boné na cabeça, de um lado e do outro, deve pensar que eu não “ando a bater bem da bola”. Mas neste jogo do “gato e do rato”, a mosca sai sempre a ganhar pois no seu voo barulhento, algumas vezes enfia-se na orelha e fica ali às voltas qual motociclista no “poço da morte” e outras chega a meter-se no nariz como querendo explorar essa “gruta de ranhetas”. E fico sempre a pensar como é possível que um pequeno inseto com 6 ou 7 milímetros de comprimento e que precisa de mais 79 companheiras para pesar 1 grama, é capaz de desestabilizar um “animal” deste tamanho! Para a mosca, eu devo ser visto como um gigante que pesa seis milhões de vezes mais que ela e que a pode esmagar facilmente. Mas a verdade é que, na sua infinitésima pequenez, a sua mobilidade é impressionante, coisa que este “gigante” não consegue ter, nem de perto nem de longe. E a sua capacidade é tal que, em pleno voo pode desligar uma asa, mudar drasticamente a sua trajetória e executar as manobras mais complexas. Provavelmente, nos lugares onde tenho sido atacado devem existir detritos apodrecidos e alguns dejetos que funcionam como “moscário”, isto é, o local adequado para cada mosca depositar entre 70 a 150 ovos por postura que passam a larvas no dia seguinte, dias depois a pupas e aos 15 dias a insetos adultos. Por isso, apesar de ser o mesmo local, não são sempre as mesmas moscas a “moer-me o juízo”, pois como adultas só viverão 15 dias e têm de se despachar antes que uma palmada as esmague se quiserem deixar cerca de 2.000 descendentes para nos infernizar a vida ou colaborar connosco, conforme a perspetiva.

Aliás, não é só durante a caminhada matinal que sou atacado, pois cá em casa também não escapo, especialmente quando ando a suar nos trabalhos de jardinagem. Devem ser apreciadoras de corpos suados, embora só reconheçam o sabor e o aroma através das patas. Talvez por isso me queiram “pôr as patas em cima”. Chego a questionar-me se cheiro assim tão mal para atrair as moscas ou só atrapalho e sou um incómodo por passar ali?

Das 150.000 espécies de moscas que há em todo o mundo – só em Portugal são cerca de 3.000 – aquelas que conhecemos melhor são as chamadas “moscas domésticas”, que de domesticadas não têm nada até porque são tidas como insetos não sociais. É certo que as moscas têm má imagem entre nós. Vemo-las a pairar sobre os excrementos dos animais e a enxamear crianças famintas em África. Não se inibem de fazer postura de ovos em feridas abertas e pustulentas em animais e até em seres humanos onde rapidamente os ovos passam a larvas. Como são incómodas, enxotam-se inutilmente com as mãos. Para as combater criaram-se os mata-moscas e as armadilhas feitas de fita-cola onde ficam grudadas. Fabricam-se diversos aparelhos e líquidos para as matar por vaporização estando rotuladas de pouco higiénicas e incomodativas, pelo que (quase) “ninguém gosta das moscas”. 

E eu deixei um “quase” no ar, já que existem algumas pessoas que, apesar de parecer estranho, dedicam-se a estudá-las e gostam delas. Uma entomologista dizia: “Eu amo as moscas. Elas fazem tudo e vão a todos os lugares. São barulhentas. E gostam de fazer sexo. Sem elas, por exemplo, não havia chocolate, pois há um tipo de mosca que é responsável pela polinização da planta do cacau”.

As moscas são muito mal vistas junto das pessoas uma vez que as enxergam como praga e acabam por não ver o papel que também têm no ecossistema. Por isso, não podemos ignorar que são úteis à nossa vida comum em vários aspetos como é o caso da polinização, dando um grande contributo à fecundação das flores. Na fase de larvas, são as “ordenanças“ da natureza a decomporem os tecidos dos cadáveres de animais e aves, além de todo o tipo de vegetais podres. Comem a lama de canos de esgotos, são fonte de alimento de vários animais como morcegos, aves, sapos, lagartos e mais. Como predadoras de larvas de besouros e borboletas, são usadas no controle biológico. Além disso, têm sido fonte de inspiração para a criação de tecnologia diversa. O “olho composto” das moscas serviu de base para a câmara moderna. A estrutura do corpo e a capacidade de voo deram origem a muitos projetos da aviação atual. No entanto, ainda há coisas que não conseguem fazer porque ainda não se descobriu como é que a mosca as faz. Como é que consegue ficar de cabeça para baixo no teto? Como consegue desligar uma ou outra asa durante o voo?

No entanto assim como as pessoas podem levar para casa sujidade no calçado, a mosca doméstica também pode carregar nas patas milhões de micro-organismos de que são veículo de transmissão para os seres humanos e, com isso, responsáveis por numerosas doenças, muitas delas debilitantes e mortíferas.    

Dizem os especialistas que, por cada pessoa na Terra, há 17 milhões de moscas. Quando soube disso, ficou-me a dúvida: será que fizeram o Recenseamento Geral da População de Moscas na Terra para virem a público dizer uma coisas destas? Até me pus a imaginar o que seria ter à perna as 17 milhões de moscas que me tocam! 

À porta da morte, o homem desabafava: “O pior não é morrer. O pior mesmo é depois não poder enxotar as moscas” …

A longínqua recordação do “carvoeiro”

A melhor forma de aprendermos a fazer uma coisa é fazendo, muito mais do que vendo fazer e, mais ainda do que lendo ou ouvindo dizer como se faz. E só quem passa pela situação de ter de fazer isto ou aquilo é capaz de valorizar o resultado desse trabalho seja ele qual for. Já Camões dizia “mais vale experimentá-lo que julgá-lo”. E se juntarmos a tudo isso o facto do produto obtido ser conseguido à custa de um grande esforço físico por não existirem máquinas como nos dias de hoje, mais difícil se torna avaliar o trabalho e sacrifício que está por detrás de algo a que tantas vezes nem damos valor. Foi a pensar nisso que me vieram à memória experiências de infância e que continuam bem nítidas no meu baú das recordações.   

Com nove ou dez anos de idade não fazia ideia de como era feito o carvão vegetal e vim a descobri-lo da melhor maneira. Um dia fui à “serra” – nome que dávamos às matas localizadas nas encostas a caminho de Barrosas – levado pela curiosidade de acompanhar um tio que por lá andava a cortar “madeira de pinho” para si próprio. À época, todas as matas da região eram povoadas de pinheiros e alguns carvalhos e, como ele precisava de madeira para a construção de uma casa, andava a cortar pinheiros para fazer as tábuas de soalho e forro, além das ripas que eram usadas na construção do “tabique” com que eram feitas as divisórias no interior da casa. Os pinheiros a cortar tinham sido marcados pois só se cortavam os grandes e grossos, os que eram precisos dois homens ou mais para abraçá-los. Tal escolha tinha uma razão de ser: essas árvores tinham muito “cerne”, aquela zona central mais dura e acastanhada, garantia de durabilidade já que, no dizer do meu tio “o caruncho não lhe pegava”.  Além do abate das árvores, feito à força do machado e dum “serrão” puxado por um homem de cada lado, era lá na mata que os pinheiros eram cortados em toros e serrados em tábuas ou vigas. 

Para serrar o toro era preciso colocá-lo numa posição inclinada, com uma das pontas apoiada no chão e a outra levantada a cerca de dois metros de altura e apoiada num tripé improvisado de madeira, tudo feito à força de braços pois não existia qualquer meio mecânico para o fazer. E estamos a falar de troncos grossos e muito pesados. Com o toro assim posicionado, parecendo um canhão apontado ao longe, um homem subia pelo tronco até ao ponto mais alto em equilíbrio muito precário e o outro colocava-se por debaixo numa posição difícil. Ora, assim colocados, cada um deles agarrava com as duas mãos um dos lados de uma grande serra presa numa armação de madeira e tensa com cordas e, só por si, era um espetáculo de equilíbrio, segurança, força e precisão ver os dois homens puxar a serra para cima e para baixo, serrando o toro lenta e continuamente, num automatismo mecânico e dele fazendo “nascer” lentamente tábuas de soalho ou vigas.

Mas dessa visita à “serra” o que mais retive na memória foi a figura de um homem que seguia atrás dos lenhadores. Era o “carvoeiro”. A sua matéria-prima era a madeira dos ramos, mais ou menos grossos e da “carucha” do pinheiro, depois de limpar os ramos finos e folhas, como subproduto já que os toros eram sempre usados para fabricar tábuas e vigas. Cortados com cerca de um metro de comprimento, os pedaços de madeira eram empilhados de um e de outro lado de um grande buraco retangular com alguns metros de comprimento e cerca de três de largura que o carvoeiro escavava na própria mata, formando duas pilhas homogéneas com uma altura de dois metros ou mais e com um “corredor” estreito no meio. Depois, cobria tudo com ramos, tanto a madeira como o “corredor”, e sobre estes colocava terra por forma a que ficasse totalmente isolado e transformado num enorme forno. Ficava somente uma entrada para incendiar a madeira e no ponto mais alto um buraco que servia de “chaminé” por cima do “corredor”. Já com a madeira enterrada, o “carvoeiro” pegava fogo à pilha de lenha, tapava a entrada e regulava a ventilação na “chaminé”, fazendo com que a madeira ficasse a arder lentamente durante cerca de duas semanas, tempo necessário para a transformar em excelente carvão vegetal, num processo de combustão prolongada. Dias depois já ele andava pelas portas da aldeia a vender carvão. Entusiasmado pela aventura, acabei por ir várias vezes à “serra” enquanto o meu tio teve de andar por lá.

Hoje, desde o corte das árvores à serragem em tábuas ou vigas, todo o processo é mecânico sem grande intervenção da força humana, ao contrário desse tempo. Além disso, tendo desaparecido essa figura que era o carvoeiro, a maioria de nós nem sabe como nem onde é feito esse carvão vegetal que compramos no supermercado e vamos queimando quando queremos fazer uma sardinhada ou churrasco, se bem que deve haver quem pense que o carvão vegetal existe por aí, sobretudo depois dos muitos incêndios que têm assolado as matas de Portugal. Mas aí, só sobram cinzas, sofrimento e perdas avultadas de bens. 

Hoje continua a existir a figura do “carvoeiro” nalgumas regiões deste país, embora com fornos de queima modernos e permanentes, além de toda a maquinaria conveniente para facilitar o trabalho, coisa que não existia antigamente, apesar de que muito do carvão vendido em Portugal provenha de outros países onde o preço de fabrico é mais barato. E percebe-se o porquê pois, se virmos bem, em quase tudo que compramos o que verdadeiramente importa é o preço … mais barato. Não é disso que todos andamos sempre à procura? 

Afinal, o que precisamos de mudar?

Há textos que devíamos ler, reler e gravar na nossa mente para nos servir de linha orientadora e conduta das nossas vidas e fazer com que deixemos de criticar tanto exigindo mudanças nos outros quando devíamos começar por mudarmos nós próprios. É o caso da reflexão que Eduardo Prado Coelho teve a lucidez de nos deixar pouco antes de falecer em 2007 e diz respeito a todos nós, portugueses, e tendo como título “Precisa-se de matéria-prima para construir um país”. Nessa crónica ele dizia que a crença geral no país era de que Cavaco não serviu, tal como Durão Barroso, Santana Lopes e Guterres, além da farsa que foi Sócrates. Se fosse vivo, diria também que não serviu Passos Coelho como não serve atualmente António Costa. Por isso, ele começou a suspeitar muito bem que o problema podia não estar só nessa gente, mas estar em nós, enquanto povo. Nós, como matéria-prima de um país, que exigimos uma coisa, mas praticamos outra. E fartamo-nos de dizer mal da sua falta de transparência e compadrio, do desgoverno e rotura de serviços, mas somos os primeiros a fazer o mesmo porque, lá bem no fundo, somos um povo de Chico-Espertos.

“Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito pelos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO OS DEMAIS ONDE ESTÃO. 

Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos … e para eles mesmos.

Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a falta de pontualidade é um hábito, onde os diretores de empresas não valorizam o capital humano, onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos. 

Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é “muito chato ter que ler”) e não há consciência nem memória política, histórica nem económica.

Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projetos de leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.

Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser “compradas”, sem se fazer qualquer exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão. Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.

Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado.

Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.

Não. Não. Não. Já basta.

Como “matéria-prima” de um país, temos muitas coisas boas, mas falta muito para sermos os homens e mulheres que o nosso país precisa. Esses defeitos, essa “CHICO-ESPERTICE PORTUGUESA” congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós, ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte …

Fico triste. Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá de continuar a trabalhar com a mesma matéria-prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada … Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, nunca ninguém servirá. Nem serviu Santana, nem serviu Cavaco, nem serve Sócrates e nem servirá o que vier a seguir.

Qual a alternativa? Precisamos de mais um ditador que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa “outra coisa” não comece a surgir debaixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados … igualmente abusados!

É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda …

Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias. Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer.

Está muito claro … somos nós que temos de mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:

Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez.

Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI QUANDO ME OLHAR AO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURAR NOUTRO LADO.

E você, o que pensa? … MEDITE”!

Esta autêntica aula e lição de vida é direcionada a todos nós, gente deste país, que corrompe e se deixa corromper, mas exige seriedade aos governantes; que faz do não cumprimento da lei um estilo de vida apoiado na falta de eficácia do sistema judicial, mas quer o país justo, moderno, organizado e seguro; que vive do expediente e do “jeitinho” para conseguir o que deve pertencer ao mérito; que vende a alma ao diabo ao tornar-se “mercenário da política”, mas que só se serve sem sequer servir o país nem é exemplo de integridade e honradez para ninguém; que atirou para a valeta os valores de sempre, mas que os exige dos outros quando lhe convém; que vai “parindo” governantes atrás de governantes, mas mais não são que a imagem da sociedade refletida no espelho com todos os seus vícios e defeitos, pelo que só temos os governantes que merecemos e são o nosso reflexo …

Obrigado Eduardo Prado Coelho pela lição, que caiu em saco roto …

As maiores necessidades de hoje …

Para qualquer animal, a sua maior prioridade é conseguir alimento necessário para sobreviver e evitar ser comido pelos predadores que lhe estão acima na cadeia alimentar através da fuga. Para isso precisa de ser bom corredor, voar depressa, saber esconder-se, nadar bem e ter sempre um olho a vigiar os perigos. É o instinto de sobrevivência a determinar os comportamentos que favorecem a conservação da espécie, onde ainda se inclui o acasalamento e construção de ninhos. Mas para nós, seres humanos, depois de satisfeitas as necessidades básicas de sobrevivência, que são semelhantes às dos outros animais, temos necessidades complementares que são próprias da evolução mental, tais como ser reconhecido, valorizado e sentir-se importante. Diz-se mesmo que a necessidade humana de ser importante é mais forte do que qualquer das necessidades fisiológicas, como alimentar- se ou receber amor. Com os outros animais não há essa preocupação pois o instinto de sobrevivência é-lhes suficiente. Mas, já nos seres humanos, o “sentir-se importante” é uma necessidade que nasce e morre connosco. Foi esse desejo que levou um pobre iletrado que trabalhava num armazém, a estudar livros de direito que encontrou no fundo de um barril de coisas descartadas e que havia comprado por 50 centavos, por boas razões. Seu nome era Lincoln e tornou-se no maior presidente dos Estados Unidos da América. 

A história está repleta de pessoas que lutaram para ser importantes: George Washington queria ser chamado “O poderoso presidente dos Estados Unidos”; Cristóvão Colombo pediu o título de “Almirante do Oceano e Vice-Rei da Índia”; A rainha Catarina, a Grande, recusava-se a abrir cartas que não a referissem como “Sua Majestade Imperial”; e o escritor Vítor Hugo aspirava ver a cidade de Paris a receber o seu próprio nome, para o homenagear. 

Nos dias de hoje, a importância de “sentir-se importante” é o que, em geral, move as pessoas, define os objetivos e redefine o encanto dos relacionamentos. A importância passou a estar mais no “ter” do que no “ser”. Porque é que que ela precisa ter o telemóvel melhor do que o seu? E o carro mais novo e maior? De ter o filho mais inteligente e o marido mais bem-sucedido, rico e apaixonado? Porquê? Para você perceber o quanto ela é melhor que você? E para quê? Para que é que alguém está sempre à procura de provar a sua superioridade, quase sempre em coisas fúteis? Essa necessidade de sentir-se importante é o que faz com que as pessoas comprem artigos de luxo, carros de marcas consagradas e exclusivos, joias únicas e caras, telemóveis de última geração e casas de luxo com tanta divisão que uma boa parte não chega a ser utilizada. Tudo isso não passa de manifestação de superioridade e afirmação perante os outros, expressa nas roupas que vestem, nos sapatos que calçam, nos restaurantes onde comem (e no que comem), em tantas coisas onde pretendem ser exclusivos, únicos, com acesso a bens, serviços e locais de uso e entrada só para alguns. E há quem faça mesmo tudo e de tudo para ser um deles …

Todos querem receber atenção e, se possível, atenções especiais que os ponham em destaque em relação à multidão. Os estabelecimentos comerciais e industriais, dos restaurantes às lojas de roupa e calçado, dos standes de automóveis às perfumarias ou joalharias, para terem sucesso tratam os clientes pelo nome próprio, elogiam-lhe o gosto e as escolhas, fazem-no crer o cliente mais importante informando-o “em primeira mão” do novo modelo que chegou e sobre o qual ele vai ter prioridade na aquisição. O cliente que sai da loja a sorrir e com o ego em alta, nunca vai de mãos vazias. Quem pode ir embora vazia é a carteira, mas o “banho de autoestima” vale bem o preço que se paga. É que, o ser tratado como importante, reconhecido como pessoa de bom gosto e valorizado pelo que faz, usa ou diz não tem preço, pois satisfaz uma necessidade básica de (quase) todo o ser humano deste tempo.

Está provado que até para a formação de gangues de rua o principal fator de motivação é a necessidade de se sentir importante. E apesar de isso acontecer de forma negativa, não deixa de ser uma afirmação de quem quer ver-se reconhecido e valorizado, ainda que seja por ser o maior bandido do bairro ou da cidade, algo que é designado pelos especialistas como “reconhecimento negativo”. Já alguém dizia que, “bem ou mal, o que é preciso é que falem de mim”.

Provavelmente, é essa necessidade de querer ficar na História em grande ainda que por razões negativas, que move Putin.

Tanto a compra como a venda de reconhecimento estão disponíveis no mercado em milhentos produtos e formas de vida, mas cada um de nós tem o poder de escolher se quer entrar nessa corrida à fama (boa ou má) a qualquer preço, seja nas redes sociais ou através de colunistas sedutores, seja por se ter o automóvel mais exclusivo – e caro do mercado – ou a vivenda mais luxuosa, vista e badalada nas revistas da especialidade, seja no acesso ao poder que transforma rapidamente a pessoa humilde em convencida e arrogante e que lhe confere quase sempre uma “auréola de divindade” para viver uma notoriedade transitória, que tantas vezes tem um custo financeiro e emocional demasiado pesado. Mas, já alguém disse que “mais vale viver um dia governando do que toda uma vida servindo” e há quem aposte nisso a todo o custo.

Buda avisou-nos sobre tudo isso: “Um homem será tolo se alimentar desejos pelos privilégios, promoções, lucros ou pela honra, pois tais desejos nunca trazem felicidade e, pelo contrário, só podem trazer sofrimento”. Mas uma coisa são estes e outros conselhos de uma vida simples e desprendida e outra coisa é essa atração terrível de se ser o mais badalado do bairro, cidade ou país, adulado (e nem sempre com a melhor das intenções) e idolatrado pelo maior número de fãs como se isso fosse durar para sempre e possa colocar alguém num pedestal bem acima do cidadão comum, onde ganha o direito exclusivo e único de apanhar em cima umas “cagadelas dos pássaros”. E os cemitérios fazem o resto, “enterrando” toda essa importância com “o corpo do delito” …