A lei do “menor esforço” e a fatura que aí vem …

Os investigadores justificam a existência da “lei do menor esforço” através das orientações que o nosso cérebro dá ao organismo para economizar energia, isto é, atividade física. E na realidade, a vida dos seres humanos foi sendo feita no sentido de reduzir o esforço físico em todos os trabalhos fazendo-se substituir pelas máquinas. Assisti a esse “filme” desde a minha infância, num tempo em que a maioria das profissões exigia das pessoas muito esforço, sacrifício e sofrimento. 

Há setenta anos atrás não existiam máquinas e todo o trabalho era manual. Quando muito, tendo o auxílio de algum animal, como o boi e o cavalo. O braço e a sua força eram o motor, se bem que todo o corpo era esforçado, em muitos casos ao máximo. Para se ter uma noção do que isso significava basta dizer que o adubo era embalado em sacos de … 100 kgs, transportado por via-férrea em vagões carregados de sacos até ao teto e descarregados do vagão para o armazém, às vezes a dezenas de metros de distância, às costas de meia dúzia de homens, carregando cada um o seu saco, um atrás do outro até o vagão ficar vazio. E havia épocas em que era saco a seguir a saco e vagão a seguir a vagão. E o que acontecia com o adubo acontecia com muitos outros produtos embalados em sacos de 100 quilos …

Os pedreiros construíam as casas com grandes pedras de granito a pesar centenas de quilos cada, fazendo-as subir aos trambolhões sobre vigas de madeira à força de braço até ao seu lugar em cima da parede. Só quando esta chegava à altura dum homem se utilizava a engenhoca rudimentar feita com um sarilho e dois eucaliptos em V invertido com uma roldana no vértice para levar as pedras ao cimo da parede em construção.

Ora, o trabalho era duro e sujo, tanto para o carregador, como para o pedreiro, lavrador, carpinteiro, ferreiro ou jornaleiro. Ainda tenho viva a imagem do senhor Moura, jornaleiro de profissão, a “saibrar” uma mata. Cavou o terreno todo com um metro de profundidade e, enquanto cavava, ia enterrando mato para o aligeirar e enriquecer de matéria orgânica. Eram vidas suadas, esforçadas, sofridas, apesar de mal alimentadas.

Mas o engenho humano foi capaz de criar todo o tipo de mecanismos para o aliviar das tarefas pesadas, pelo que hoje já (quase) ninguém carrega grandes pesos, a não ser no ginásio. O senhor Ricardo chegou no furgão, estacionou e tirou a botija de oxigénio que colocou num carrinho de transporte apropriado. Com toda a facilidade levou-a até casa e só demorou o necessário para trocar as botijas, regressando com a vazia também colocada no carrinho. Quando lhe perguntei se era fácil, respondeu: “Hoje isto é um luxo. Mas já trabalho há muitos anos na empresa e no princípio às vezes era muito duro. Tinha um cliente que vivia no 12º. andar, mas os elevadores não funcionavam porque lhe roubaram os cabos. Eu tinha de carregar a botija às costas pelas escadas, para cima e para baixo. Era duro”. Já o António saiu do camião, agarrou num comando e fez baixar uma plataforma traseira para onde se passou voltando a fazê-la subir ao nível da carga. E aí, com um porta-paletes manual, passou duas cargas para a plataforma que fez baixar com o comando até ao chão sem qualquer esforço. 

Apesar das décadas de evolução em que o espírito inventivo do ser humano e a necessidade e vontade de fazer mais em menos tempo fizeram com que surgissem as máquinas e acessórios mais diversos para ajudar o homem nas suas tarefas, quando não a substituí-lo, de já quase nada se carregar às costas, mas em mecanismos diversos e de uma máquina rasgar mais metros de estrada numa hora que um batalhão de homens escavava num dia, de se reduzir o peso de quase todas as embalagens (os sacos de adubo passaram de 100 quilos para 50 e depois para 20, havendo já embalagens de 10, de 5 e 1 quilo), a verdade é que algumas profissões continuam a ser de trabalho braçal e sujo, um estigma que afasta os jovens de hoje. É verdade que essas ninguém quer. Pelo facto de se ter o 12º ano, que mais não é que a antiga quarta classe, e sem experiência profissional, já se exige “um emprego limpinho”, algo como serviços administrativos, trabalho de receção, fiel de armazém. Enfim, uma rejeição liminar de empregos que exijam um pouco mais de esforço físico e não seja necessário ter de “pôr as mãos na massa”. Daí ser um drama e uma impossibilidade, conseguir um jovem para trabalhar na construção civil, seja pedreiro, trolha, serralheiro, carpinteiro ou outra do gênero. Um empresário da construção dizia que já não tem um “moço de massa” há mais de vinte anos e o dono de uma serralharia, que já lá vão oito anos sem que lhe entre porta dentro alguém que queira ser aprendiz.

É uma atividade onde a falta de mão de obra só poderá ser resolvida com a entrada de emigrantes e onde os valores salariais dum artista podem ultrapassar os de muitos licenciados. E ao dizer isto recordo a conversa que há mais de trinta anos tive com um grupo de franceses. Já nessa altura em França ganhava mais um operário da construção do que uma grande parte das pessoas licenciadas pois os franceses só queriam os “empregos limpinhos”, rejeitando as profissões “braçais” tidas por “menores”. Essas ficavam para os emigrantes. E muitos anos volvidos, aqui estamos nós na mesma situação. 

Na Costa Rica, onde a riqueza produzida por habitante é metade da nossa, esse tipo de empregos é sempre ocupado por emigrantes, no caso principalmente oriundos da Nicarágua, porque os cidadãos da Costa Rica se recusam a desempenhar tais funções. E o mesmo se passa em muitos outros países. Isto traz-me à memória uma frase de um cínico: “Nunca faças o trabalho que podes mandar alguém fazer por ti”. É assim que hoje nos vemos a braços com o problema de falta de mão de obra nessas profissões, alegadamente porque os jovens as rejeitam (muitos nem sequer querem ouvir falar nessa “coisa” a que chamam “trabalhar” …), pelo estigma e porque não, já para não falar da “sociedade de dependentes do estado” que os (des)governos vão aumentando constantemente e que não tarda muito a ser maior do que a daqueles que criam riqueza … e trabalham.

Shoichiro Toyota, que durante anos presidiu à Toyota, justificava o declínio do ocidente da seguinte forma: “Uma sociedade que mede o seu bem-estar por aquilo que não faz, pelo tempo de lazer que tem, está condenada ao fracasso”. Será só filosofia oriental ou nós vamos mesmo ter de pagar essa fatura pesada um dia destes?  

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