Seremos súbditos de sua Majestade?

Liguei a televisão porque queria ver as notícias do país no telejornal da noite na RTP1. Depois do genérico, a notícia de abertura foi sobre a morte da Rainha Isabel II de Inglaterra. Passaram-se 5, 10, 15, 20 minutos e o tema continuava a ser o mesmo. Mudei para a SIC e não havia diferença: a morte da Rainha Isabel II. Tentei na TVI e passei à CNN Portugal, CMTV e por aí adiante. Estavam todas sintonizadas no mesmo assunto como se isso fosse a coisa mais importante para nós portugueses a viver em Portugal. Só quase 45 minutos depois é que consegui ouvir uma notícia sobre o país onde vivo e para tentar saber aquilo que para mim é prioritário. Já tinham passado três dias sobre a morte da rainha e a notícia continuava a “dar pano para mangas”, de forma abusiva e saturante para quem não é súbdito de sua majestade. E dizem eles que isto vai durar pelo menos dez dias pois Isabel II só vai a enterrar lá para a outra semana. Daí que todos os nossos canais televisivos enviaram para o Reino Unido os seus “pesos-pesados” da informação para relatar tudo o que se iria passar durante vários dias, “tintim por tintim” como se usa dizer. Não estou em Inglaterra e se quisesse apanhar uma “injeção” destas ligava para a BBC ou outro qualquer canal inglês. A esses sim, cabe a obrigação de explorar o assunto até à exaustão até porque os clientes ingleses gostam disso, vivem intensamente os rituais da monarquia e as vidas da sua rainha, príncipes e princesas e outros titulados mais da corte.

Mas nós fomos abusivamente informados pelas televisões de cá para ficarmos a saber em pormenor o que por lá se passa e vai continuar a passar. Assim soubemos que Isabel II morreu no castelo de Balmoral, na Escócia, onde passava 3 meses por ano. E que a morte foi mantida em segredo até que os governantes soubessem pela mensagem em código de que “a ponte de Londres caiu”. Só depois o mundo tomou conhecimento. A BBC vestiu-se de preto e tocou o hino nacional. As bandeiras foram colocadas a meia haste no Reino Unido. Depois, as televisões encarregaram-se de nos mostrar e informar que o corpo iria repousar no menor dos seus palácios, o Holyroodhouse. Daí seria transportada ao longo da Royal Mile até à Catedral de St. Giles. Ainda tiveram o cuidado de nos referir quais as mensagens do presidente Marcelo e do primeiro-ministro português. Que Joe Biden, dos EUA, lembrou a rainha como “mulher de Estado”. O presidente italiano definiu Isabel II como “figura de importância excecional”. Soubemos que o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, lamentou a morte da rainha. E Macron referiu “o seu importante papel”. Continuamos a ouvir que o primeiro-ministro do Canadá destacou “a sabedoria e compaixão da rainha” e na Espanha, Pedro Sanchez, disse que ela era “uma figura de relevância mundial”. Por amor de Deus !!!

Soubemos também quais eram os problemas de saúde da rainha, a sua história de vida em pormenor desde que nasceu e todo o seu percurso ao longo de 96 anos, os primeiros-ministros com que lidou, as numerosas viagens que fez e que dariam para dar muitas voltas ao planeta e os cento e muitos países que visitou. Também disseram que enquanto os ingleses choram a sua rainha, os argentinos celebram a sua morte! Depois, vimos em longas imagens a viagem do caixão para Londres e o percurso do aeroporto até ao Palácio de Buckingham.

Entretanto, acompanhamos a proclamação de Carlos III como rei, os arautos à maneira antiga a espalharem a notícia por Londres entre os disparos da artilharia. Também nos mostraram imagens do rei na passagem por Edimburgo e Belfast a receber cumprimentos e tentar manter a unidade do Reino Unido, chegando a Londres a tempo de participar e liderar as homenagens à rainha sua mãe. Participamos televisivamente no longo cortejo que levou o caixão do Palácio de Buckingham até ao Westminster Hall entre uma enorme multidão e ao som dos disparos da artilharia, num ritual ensaiado ao pormenor, para depois ser transportado ao ombro de 8 militares até ao interior.

E após uma cerimónia religiosa com a presença de toda a família e os convidados, num conjunto de rituais que a realeza faz questão de preservar, as portas abriram o velório à multidão durante mais de 4 dias, 24 horas por dia, de que não deixaram de nos mostrar imagens diárias para não esquecermos o caso, só interrompido durante um período curto para que os chefes de estado estrangeiros pudessem prestar a sua homenagem à rainha Isabel II.

No dia do funeral, o Big Ben tocaria às 9 horas da manhã, para depois das cerimónias fúnebres, o caixão ser transportado numa carruagem militar até ao Castelo de Windsor, onde seria realizada a cerimónia final.

Enfim, aquilo que a gente teve de ouvir e ver nas televisões sobre este acontecimento que, sendo de grande relevância para o Reino Unido, seguramente não o é para nós, tendo sido um autêntico massacre à nossa paciência, que só pode ser justificado por ser informação com conteúdo relativamente barato e em quantidade, que as televisões aproveitam para aliviar os seus magros orçamentos. A verdade é que, assim como a Guerra da Ucrânia “matou” as longas notícias sobre o covid-19, a morte da rainha Isabel II “matou” as muitas notícias sobre a Guerra da Ucrânia. E, intencionalmente ou não, passaram para um plano secundário as notícias de interesse nacional o que dá sempre muito jeito a quem está no poder porque, “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas” pois as notícias sobre a morte da rainha Isabel II são uma boa distração para se esquecer os “casos” da governação.

Respeito a morte de Isabel II como ser humano, mas confesso que, para além da notícia essencial da morte da monarca, a avalanche de informação adicional do acontecimento e que os canais televisivos exploraram “até ao tutano”, não tem qualquer interesse especial para mim. O que fizeram, disseram ou pareceram sentir os familiares, qual o número de disparos de artilharia, os eventos cancelados, por onde andaram este e aquele, a opinião dos nacionais e estrangeiros, quem vestiu o quê e todos os milhentos pormenores que descobriram nesta “missão”, é irrelevante. Enfim, vendo bem, foi um absurdo e um mau serviço público. E, como que a abençoar esta “chuva de notícias”, o governo decretou 3 dias de luto nacional. Com franqueza!!! Fico à espera para ver se, quando morrer um presidente da república por cá, os ingleses decretam lá luto nacional. Mas, por prevenção, vou ter de esperar sentado … 

Mas se calhar eu devo estar errado porque, afinal, somos súbditos de sua Majestade Real!!! E eu não sabia …

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