Tão pequeno, mas incomoda tanto …

Na caminhada matinal com a minha cadela, esta manhã voltei a ser atacado em dois pontos do percurso e lá me fui defendendo como podia, o que já é recorrente. Não há dia em que, durante este período mais quente, consiga passar despercebido naqueles dois locais sem ser incomodado, pois em cada um deles deve estar sempre de plantão uma mosca para se atirar a mim a uma velocidade impressionante e em voo circular ao redor da cabeça, parecendo querer poisar ora aqui ora acolá, numa indecisão enervante que me obriga a tentar sacudi-la                      com as mãos, outras vezes batendo com a trela nas costas de um lado e do outro como em autoflagelação ou tirando o boné para o agitar à volta da cabeça na tentativa falhada de querer abatê-la. Quem me vir à distância naquele espalhafato a bater com o boné na cabeça, de um lado e do outro, deve pensar que eu não “ando a bater bem da bola”. Mas neste jogo do “gato e do rato”, a mosca sai sempre a ganhar pois no seu voo barulhento, algumas vezes enfia-se na orelha e fica ali às voltas qual motociclista no “poço da morte” e outras chega a meter-se no nariz como querendo explorar essa “gruta de ranhetas”. E fico sempre a pensar como é possível que um pequeno inseto com 6 ou 7 milímetros de comprimento e que precisa de mais 79 companheiras para pesar 1 grama, é capaz de desestabilizar um “animal” deste tamanho! Para a mosca, eu devo ser visto como um gigante que pesa seis milhões de vezes mais que ela e que a pode esmagar facilmente. Mas a verdade é que, na sua infinitésima pequenez, a sua mobilidade é impressionante, coisa que este “gigante” não consegue ter, nem de perto nem de longe. E a sua capacidade é tal que, em pleno voo pode desligar uma asa, mudar drasticamente a sua trajetória e executar as manobras mais complexas. Provavelmente, nos lugares onde tenho sido atacado devem existir detritos apodrecidos e alguns dejetos que funcionam como “moscário”, isto é, o local adequado para cada mosca depositar entre 70 a 150 ovos por postura que passam a larvas no dia seguinte, dias depois a pupas e aos 15 dias a insetos adultos. Por isso, apesar de ser o mesmo local, não são sempre as mesmas moscas a “moer-me o juízo”, pois como adultas só viverão 15 dias e têm de se despachar antes que uma palmada as esmague se quiserem deixar cerca de 2.000 descendentes para nos infernizar a vida ou colaborar connosco, conforme a perspetiva.

Aliás, não é só durante a caminhada matinal que sou atacado, pois cá em casa também não escapo, especialmente quando ando a suar nos trabalhos de jardinagem. Devem ser apreciadoras de corpos suados, embora só reconheçam o sabor e o aroma através das patas. Talvez por isso me queiram “pôr as patas em cima”. Chego a questionar-me se cheiro assim tão mal para atrair as moscas ou só atrapalho e sou um incómodo por passar ali?

Das 150.000 espécies de moscas que há em todo o mundo – só em Portugal são cerca de 3.000 – aquelas que conhecemos melhor são as chamadas “moscas domésticas”, que de domesticadas não têm nada até porque são tidas como insetos não sociais. É certo que as moscas têm má imagem entre nós. Vemo-las a pairar sobre os excrementos dos animais e a enxamear crianças famintas em África. Não se inibem de fazer postura de ovos em feridas abertas e pustulentas em animais e até em seres humanos onde rapidamente os ovos passam a larvas. Como são incómodas, enxotam-se inutilmente com as mãos. Para as combater criaram-se os mata-moscas e as armadilhas feitas de fita-cola onde ficam grudadas. Fabricam-se diversos aparelhos e líquidos para as matar por vaporização estando rotuladas de pouco higiénicas e incomodativas, pelo que (quase) “ninguém gosta das moscas”. 

E eu deixei um “quase” no ar, já que existem algumas pessoas que, apesar de parecer estranho, dedicam-se a estudá-las e gostam delas. Uma entomologista dizia: “Eu amo as moscas. Elas fazem tudo e vão a todos os lugares. São barulhentas. E gostam de fazer sexo. Sem elas, por exemplo, não havia chocolate, pois há um tipo de mosca que é responsável pela polinização da planta do cacau”.

As moscas são muito mal vistas junto das pessoas uma vez que as enxergam como praga e acabam por não ver o papel que também têm no ecossistema. Por isso, não podemos ignorar que são úteis à nossa vida comum em vários aspetos como é o caso da polinização, dando um grande contributo à fecundação das flores. Na fase de larvas, são as “ordenanças“ da natureza a decomporem os tecidos dos cadáveres de animais e aves, além de todo o tipo de vegetais podres. Comem a lama de canos de esgotos, são fonte de alimento de vários animais como morcegos, aves, sapos, lagartos e mais. Como predadoras de larvas de besouros e borboletas, são usadas no controle biológico. Além disso, têm sido fonte de inspiração para a criação de tecnologia diversa. O “olho composto” das moscas serviu de base para a câmara moderna. A estrutura do corpo e a capacidade de voo deram origem a muitos projetos da aviação atual. No entanto, ainda há coisas que não conseguem fazer porque ainda não se descobriu como é que a mosca as faz. Como é que consegue ficar de cabeça para baixo no teto? Como consegue desligar uma ou outra asa durante o voo?

No entanto assim como as pessoas podem levar para casa sujidade no calçado, a mosca doméstica também pode carregar nas patas milhões de micro-organismos de que são veículo de transmissão para os seres humanos e, com isso, responsáveis por numerosas doenças, muitas delas debilitantes e mortíferas.    

Dizem os especialistas que, por cada pessoa na Terra, há 17 milhões de moscas. Quando soube disso, ficou-me a dúvida: será que fizeram o Recenseamento Geral da População de Moscas na Terra para virem a público dizer uma coisas destas? Até me pus a imaginar o que seria ter à perna as 17 milhões de moscas que me tocam! 

À porta da morte, o homem desabafava: “O pior não é morrer. O pior mesmo é depois não poder enxotar as moscas” …

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