Uma senhora amiga abordou-me muito preocupada com a notícia que a imprensa portuguesa divulgou sobre um documento publicado pela PAN Europa – uma rede de organizações que procura minimizar efeitos negativos dos pesticidas perigosos e, além disso, substituí-los por alternativas ecologicamente corretas. Segundo esse documento, as maçãs e peras portuguesas estão no segundo lugar do “ranking” da maior proporção de frutas contaminadas em 2019, sendo que em 85% das peras portuguesas testadas e 58% de todas as maçãs foram encontrados resíduos de pesticidas perigosos. Percebi a preocupação da senhora pois a fruta é um alimento que faz parte da nossa dieta alimentar de todos os dias e saber que as peras que compramos no supermercado ou na frutaria estão contaminadas, é preocupante. Apesar do aspeto lindo, calibrado e perfeito da fruta que atualmente aparece no mercado e cujo sabor não corresponde à apresentação, vivemos alheados de uma realidade: Grande parte dessa fruta contem resíduos de pesticidas e não há volta a dar. Se não tivermos isso em conta e não cuidarmos de ter algumas precauções, sofreremos as consequências. Usam-se demasiadas vezes os pesticidas de forma incorreta, sem respeito por nós, consumidores. Neste mundo real, o “manuseamento adequado” de pesticidas é simplesmente inviável. Ou quase. Nem com as formações obrigatórias … Voltando à fruta: felizes daqueles que conseguem ter fruta em casa, biológica, sem a utilização de fertilizantes nem pesticidas. Esses, sim, podem dizer que têm fruta caseira… embora haja por aí muito boa gente que a diz ter, mas trata as fruteiras com todo o tipo de produtos químicos. Está bom de ver que fruta comem! É como com os frangos caseiros alimentados a ração industrial… É verdade que a necessidade de obter produções altas para conseguir rentabilizar a atividade exige o controle das pragas e doenças e para isso é preciso recorrer aos pesticidas – incluindo os perigosos – caso contrário o preço da fruta ao consumidor dispara.
E a fruta biológica? É uma boa solução se for mesmo biológica, só que o preço não agrada a quem paga. Por isso, a questão que hoje se coloca ao sabermos que a maior parte da fruta que compramos tem resíduos de pesticidas, é se devemos deixar de a comer ou não. E não comer uma maçã é uma má decisão, mas comer uma maçã sem a lavar ou descascar, é uma decisão pior, até porque comporta riscos. Mais difíceis são as cerejas, morangos, framboesas, mirtilos e outros frutos que não se podem descascar. Nesses, a lavagem é a única forma de evitar ou atenuar o problema porque, sabe-se que há quem trate a fruta poucos dias antes da colheita com “os tais venenos”, para chegar “bonitinha” ao mercado, sem dar o tempo obrigatório para o pesticida se decompor. Mas fala-se da fruta e não se pergunta se os legumes têm resíduos de pesticidas ou não? Claro que dificilmente conseguimos vingar a alface e o tomate, como muitos outros, sem os tratar. E, como se descasca a alface? Os produtos químicos são hoje uma constante na nossa vida. Usamo-los todos os dias em milhentas circunstâncias e na maior parte das vezes nem temos consciência de que o fazemos nem dos riscos que corremos. O que são os detergentes senão produtos químicos e qual a carga perigosa que podem transportar? Quantos desses químicos não são despejados todos os dias na banca da cozinha ou no esgoto das máquinas de lavar? E não ficamos de consciência tranquila só porque os mandamos para o esgoto, sem nos preocuparmos para onde vão e em racionalizar o seu uso? Sem explorar o uso e abuso que fazemos dos medicamentos, será que temos noção da carga de produtos químicos prejudiciais à saúde que ingerimos todos os dias quando comemos carne, seja de porco, vaca, peru, frango ou avestruz? E o mesmo se passa com o peixe criado em aquacultura, alimentado com rações e protegido com antibióticos em doses maciças! Por acaso demo-nos ao cuidado de ver o que contêm os alimentos processados? E nos sumos e refrigerantes temos noção dos conservantes e outros que asseguram a sua conservação? Claro que a maioria de nós nem sequer lê o que está escrito nos rótulos e nem está preocupada com isso. Mas, se tivéssemos de identificar os produtos químicos com que nos deveríamos preocupar, a exemplo dos pesticidas perigosos, era necessário aumentar muito as páginas deste jornal. Para percebermos até onde os produtos químicos podem interferir na nossa vida e de que forma, até os mais improváveis, vale a pena recuperar a história de um daqueles que foi considerado como um símbolo da invenção americana: o Teflon. Foi usado para fabricar milhentos produtos, desde tintas, impermeáveis, botas, tecidos e muitos outros entre os quais o revestimento para um utensílio que todos nós levamos para nossas casas: frigideiras. O slogan era este: “com antiaderente Teflon, frigideira feliz”. Fabricado pela Dupont, uma das maiores multinacionais da indústria química, depressa se aperceberam que algo estava mal. Fabricaram cigarros com Teflon e os empregados que serviram de cobaias viriam a ser hospitalizados. Mulheres grávidas que lidavam com o produto deram à luz crianças com malformações, mas nem assim as mulheres foram retiradas da produção. A Dupont sabia que o C-8, composto usado para fabricar o Teflon, libertado no ar ou enterrado, causava cancro. Os mil milhões de dólares de lucro anual eram bastante mais importantes que essas ninharias dos funcionários, clientes e consumidores expostos a algo tão perigoso, pois o C-8 não é decomposto e fica dentro de nós para sempre. O Teflon foi inventado para ser usado em frigoríficos e veio a acabar no revestimento de panelas e frigideiras e no sangue de 98% dos seres humanos, pois desde 1950 foram produzidos biliões e mais biliões de utensílios de cozinha revestidos com Teflon. Vale a pena ver o filme “Dark Waters – Verdade Envenenada” para se perceber os dramas por detrás deste “milagre industrial” e a luta dum fazendeiro americano ao ver morrer as suas vacas com feridas no corpo, cancro nos órgãos internos e comportamento agressivo só porque bebiam água de um riacho junto ao aterro onde a empresa enterrara alguns resíduos industriais do produto e as dificuldades do seu advogado para lutar contra uma empresa gigante, numa guerra tão desigual e impossível, qual David contra Golias, mas que fez história. Tudo isto para dizer que os resíduos de pesticidas perigosos na fruta que comemos existem e são a fatura do desenvolvimento a qualquer preço e o resultado do seu mau uso, especialmente no desrespeito pelo tempo que tem de ser dado para que o pesticida se decomponha antes de a comermos. Mas temos de ter consciência que são só uma parte do problema do uso de químicos na nossa vida. Nós não somos senão marionetes nas mãos dos senhores do poder mundial, seja ele político, económico, industrial ou outro qualquer, que não olham a meios para alcançar os resultados que se propõem, ainda que para tal tenham de deixar um rasto de vidas humanas sem que isso lhes tire o sono ou pese na consciência, em nome do lucro e poder. A História da Humanidade está cheia de gente dessa e hoje estamos todos a sofrer as consequências de mais um desses loucos …