Um luxo a que não nos podemos dar

Todos nós temos uma ideia mais ou menos formada do significado de luxo e do que se quer dizer com “luxo asiático”, “viva o luxo” ou “eu posso dar-me ao luxo de …” e outras mais, mas grande parte das vezes não imaginamos os “limites dos excessos” a que o luxo conduz. 

Como dizia Coco Chanel, “o luxo é uma necessidade que começa quando a necessidade finda”. Apesar de ser supérfluo, o luxo é um fenómeno que atravessa toda a história da humanidade. Durante séculos e séculos, a pompa, o parecer, o supérfluo, a ostentação, a grandeza, o requinte e a futilidade não têm parado. As definições de luxo envolvem as noções de sumptuosidade, pompa, ostentação da riqueza, alto preço e raridade, normalmente associados a excesso de riqueza e materialismo. E são acompanhadas por outras noções como vaidade, estilo de vida, códigos, comportamentos e requinte. Hoje em dia procura-se substituir o termo “luxo” pelos de “prestígio” e “alto nível”, sendo aplicados a produtos mais inacessíveis, o que faz com que, sinteticamente, um artigo de luxo seja caracterizado pela sua raridade e preço elevado, apesar de Giles Lipovetsky afirmar que “nem tudo o que é caro é luxo, mas todo o luxo é caro”. 

Ostentação, excesso e desperdício foram as palavras associadas ao luxo durante muito tempo, a necessidade de representação inerente à natureza humana e ao desejo de se tornarem notados, fosse através de objetos, vestes ou plumagens. Se no começo da nossa era o luxo se limitava a produtos já inventados – perfumes, vestuário, acessórios, joias, etc., – mediante o progresso tecnológico, o fenómeno alastrou dos produtos para os serviços e marcas, representando um segmento de mercado que movimenta números astronómicos. E é assim que nos nossos dias se passou de produtos de consumo para as moradias, apartamentos, barcos, aviões, viagens à volta da terra ou aos locais mais exóticos, safaris, tratamentos exclusivos, tudo aquilo que se possa imaginar e mais ainda, com o rótulo de “Luxo”, para que não restem dúvidas sobre o valor da fatura e ao prestígio de quem paga.

A uma conclusão comum parece terem chegado todos os estudiosos do “luxo”: o mundo seria um lugar mais triste e desinteressante se não fossem os magníficos palácios que reis esbanjadores mandaram construir, nem sempre com objetivos confessáveis. E não vale a pena dizer quanta fome terá passado o povo para que isso acontecesse …

Diz-se que o luxo apenas cria apetite para mais luxo e que, como se trata de um desejo que não é natural, é insaciável. E que o melhor será não o alimentar, pois apenas se fará maior e mais exigente. Nos Sermões, o padre António Vieira diz-nos que “todos querem mais do que podem, ninguém se contenta com o necessário, todos aspiram ao supérfluo e isto é o que se chama de luxo”. Será assim? Uma coisa parece certa: “O luxo atrai a inveja e parece nunca atrair o respeito”.

O mercado do luxo é fascinante. Põe a maioria das pessoas a sonhar com algo que, na realidade, desconhece ou a que não pode aceder. E a verdade é que há quem faça de tudo para alcançar o inalcançável que torna o luxo desejável porque está no topo, sejam roupas, móveis, cosméticos, hotéis, carros, joias, eletrónica, vinhos ou o que for. Daí a frase de autor desconhecido: “As pessoas gastam o dinheiro que não têm, para comprar coisas de que não precisam, para impressionar pessoas com quem elas não se importam”. 

É normal que o luxo esteja sempre ligado a uma posição social mais elevada, o que supõe que uma pessoa se deve distinguir dos outros ou mesmo se mostre superior, “só porque tem um nível de consumo maior, o consumo sumptuário, algo que se exibe, algo que se ostenta”. Curiosamente, nos países nórdicos existe uma pequena regra, não escrita, uma espécie de fenômeno cultural da região, segundo a qual “ostentar é feio” e que as pessoas, mesmo as escandalosamente ricas e bem-sucedidas, devem restringir o consumo e o estilo de vida para não se “desenquadrarem” do resto da sociedade. Não sendo nós um país de super-ricos, e os que temos fazem mais questão de o ser lá fora, entre os “bem-remediados” que andam por aí há bastantes e mais que suficientes que não se coíbem de mostrar com ostentação o pouco ou muito que dizem ter, através da “exibição do dinheiro” em coisas que só este compra, ainda que seja a prestações. Porque tudo vale para mostrar que se é mais do que o comum dos cidadãos, ainda que com coisas fúteis, supérfluas e desnecessárias. E recordo-me de alguém que andou muito tempo a poupar para comprar uma certa bolsa da marca Louis Vuitton em segunda mão, como se isso fosse a coisa mais importante da sua vida …                                                                      Ao longo da vida a sociedade fez-nos acreditar que luxo era o raro, o exclusivo, tudo aquilo que nos parecia inalcançável. Porém, agora nos damos conta, sobretudo depois de uma pandemia que vitimou muitos dos que nos rodeavam, que luxo são certas pequenas coisas que não sabíamos valorizar. Foi então que descobrimos que luxo é estar são e de boa saúde. Que luxo é não ter de entrar no hospital como doente. Que luxo é passear junto ao mar e sentir a maresia. Que luxo é poder sair à rua quando se quer e respirar sem máscara. Que luxo é poder reunir-se com a família e os amigos. Que luxo são os olhares e que são os sorrisos. Que luxo são os gritos de alegria dos filhos. Que luxo são os abraços e beijos. Que luxo é desfrutar de cada amanhecer. E que luxo é o privilégio de estar vivo. Afinal, tudo isso é um luxo e, ao que parece, não sabíamos. Aliás, ao que parece, voltamos a esquecer do valor dessas pequenas coisas, um luxo a que não nos devemos dar …