O que importa mais, o destino ou o caminho?

Já fui jogador de hóquei em campo em Lousada, se bem que o meu desempenho como tal não tenha sido brilhante. Era mais um para fazer número, dar umas corridas e divertir-me, pois nem o jeito nem o pesado stick foram dignos de nota.

Por lá andei alguns anos nos primórdios da modalidade no concelho, quando as condições para jogar eram tão limitadas como eu enquanto jogador. Mesmo assim, quando soube que o campeonato da Europa ia decorrer em Madrid, decidi ir ver como se jogava a sério, sendo acompanhado nessa viagem pelo Quim e o pai, além do Artur. Difícil foi convencer o primeiro porque, dizia ele, tinha muito que fazer, não podia perder tempo e não era oportuno. Sendo empresário têxtil, estava empenhado também num projeto de hotelaria que o ocupava muito, para além de pensar que devia esperar pela reforma para poder usufruir das coisas de que gostava. Mas, um pouco a custo, lá foi connosco.

Saímos de Lousada num sábado de manhã, bem cedo, para tentar assistir a algum dos jogos desse dia. Apesar de não existirem as autoestradas de hoje, conseguimos chegar ao Real Club Hípico no início da tarde e ficamos “de boca aberta” ao entrar nas instalações desportivas onde se realizava a prova, especialmente pelo relvado imenso com vários campos marcados e onde se jogava em simultâneo. Para quem só tinha campos de terra batida (alguns deles que mais pareciam batatais em dia de chuva), onde o importante era conseguir acertar na bola e dar “varadas” fortes, aquilo era um sonho. A bola deslizava de jogador para jogador com segurança de passe e certeza na sua recepção, parecendo tudo muito fácil.

Ainda vimos alguns jogos e, nessa noite, dormimos os quatro dentro do carro “enfiados” num parque de estacionamento subterrâneo, porque estávamos “formatados” para poupar… No dia seguinte, depois de nos “maravilharmos” com os últimos jogos, seguimos para o Escorial, cansados e a precisar de um bom banho, pelo que esquecemos o carro como “alojamento” e já não abdicamos de hotel nessa noite.

Depois de refrescados, eu e o Quim sentamo-nos na recepção do hotel, observando o movimento da entrada. Às tantas, parou um autocarro e começaram a sair turistas americanos de idade avançada, amparados em bengalas ou uns nos outros, manifestando grandes dificuldades de mobilidade. O Quim ficou concentrado e em silêncio, assistindo ao “desfile” do grupo de turistas em “mau estado” e, depois, com o ar de quem tinha feito uma grande descoberta, disse-me: “Oh Zé, ando eu a trabalhar e a juntar dinheiro para, quando for velho, poder viajar e fazer o que me agradar… E depois vou fazer a figura que “estes” fazem? “Estes”, se tivessem juízo, ficavam em casa à lareira, “a sopas e descanso…”

Certo é que, o impacto que lhe provocou a imagem daquele cortejo de idosos com evidentes dificuldades no andar, no equilíbrio e na incapacidade de poderem beneficiar em pleno da sua condição de turistas, lhe mudou radicalmente a maneira de pensar e de viver, passando a colocar a tónica da sua vida muito mais no Hoje, no aproveitar as oportunidade de cada dia.

Há quem pense que ainda não pode viver uma vida de verdade porque tem um qualquer obstáculo no caminho, um trabalho ou um projeto por terminar, uma promoção a alcançar, quer atingir a estabilidade económica ou por não ser o momento oportuno. Que só depois é que a vida de verdade começa, só mais tarde é que pode gozar das benesses e das belezas da vida como se entretanto vivesse no limbo ou numa pré vida, isto é, numa vida antes da vida. Puro engano, porque todos esses e outros obstáculos fazem parte da vida de verdade, porque ESTA é a nossa vida e não teremos outra..

A Vida não é um destino, onde importa chegar de qualquer jeito, mas sim uma viagem. Há que saber apreciar a “paisagem” e o “espetáculo” que, minuto a minuto essa viagem nos oferece, porque cada momento é irrepetível.

Confesso que houve um tempo em que também “adiei” a minha como se me estivesse a guardar para usufruir mais tarde das coisas boas que ela nos proporciona, como uma prenda final ao fim de anos de sacrifício e de trabalho. Pouco a pouco fui aprendendo a libertar-me desses princípios, enraizados em mim por questões culturais e pelos condicionalismos do tempo em que fui criança. Sim, porque eu, como o Quim, vivemos a infância num tempo muito difícil que nos marcou profundamente.

Todos somos fortemente condicionados por ressentimentos que carregamos do Passado e pela ansiedade em relação ao Futuro, mas só conseguimos viver o Presente, o Hoje, porque é só no Hoje que podemos apreciar o bom, o belo, o maravilhoso. Saibamos aproveitá-lo e encontrar nele aquilo que nos dá prazer e alegria. Porque a vida está aqui, não está lá atrás nem para lá do Sol…

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