Somos o que somos… dentro do carro

A senhora tirou o carro da garagem e rumou ao hospital que ficava à “grande” distância de… duzentos metros. Como não encontrou lugar para estacionar, foi dando voltas e mais voltas até que acabou por o arrumar “bem perto” do hospital, isto é, a cerca de … trezentos metros. Dali foi a pé à consulta e, quando regressou à viatura, tinha à sua espera, num gesto “simpático” do agente da autoridade, uma… multa por estacionamento em local proibido, provocando-lhe uma onda de revolta contra o agente e contra o hospital, os “bodes expiatórios” que tinha mais à mão para descarregar a sua própria frustração.

Ao saber deste caso somos capazes de rir e gozar com a protagonista que, não querendo andar a pé duzentos metros, acabou por percorrer quase trezentos, perdeu tempo, dinheiro e ainda levou com uma multa em cima. Não é burrice?

Mas, antes de atirarmos pedras ao seu “telhado”, sejamos capazes de olhar para nós, para os “nossos telhado de vidro” nesta dependência quase obsessiva do automóvel, que nos faz (também) fazer a mesma figura de parvos, umas vezes por comodismo, outras por vaidade, outras por falta de educação e civismo.

O automóvel em si é uma boa invenção, é útil e um excelente meio de transporte se usado com racionalidade. Mas, a verdade é que se torna facilmente numa espécie de droga que nos provoca habituação e dependência, de tal forma que não conseguimos andar cinquenta metros sem pormos o “rabo no assento”. Quantos não fazem isso, tantas vezes inconscientemente, sem nos apercebermos que ao querer chegar um pouco mais adiante podemos já não encontrar local para estacionar?

Com a multiplicação de marcas e modelos, bem cedo deixou de ser um simples meio de transporte para se transformar numa forma de ostentação, uma feira de vaidades quando não com manifestações de arrogância, arma perigosa se em mãos inconscientes. Mas, enquanto meio de transporte favorito da maioria, permite-nos conhecer o nível de educação, respeito e cultura de quem o usa.

Junto do Hospital de Lousada todos os dias assistimos às mais diversas manifestações de civismo (ou melhor, da falta dele), sendo precisamente o estacionamento “selvagem” aquele em que tal se revela com maior frequência. Existe bastante gente que ali chega para aceder ao Hospital ou ao Centro de Saúde e, sem qualquer respeito por quem quer que seja, estaciona em frente dos acessos, em cima dos passeios, das passadeiras, nos lugares reservados a pessoas com deficiência, em segunda fila ou no meio da rua como se esta lhe pertencesse. Não adiantam os sinais de “estacionamento proibido”, “paragem proibida” e outros, porque não conseguem vê-los (aliás, não os querem ver). Há dias houve um que teve a “lata” de parar em plena rotunda, fechar o carro e “ir à sua vida”, obstruindo por completo a via de circulação e impedindo o trânsito como se nada fosse.

Às vezes até desejo que lhes aparecesse alguém como aquele meu amigo que um dia ia de automóvel numa rua estreita de Lousada quando encontrou um carro “novinho em folha” parado e com o condutor lá dentro, a bloquear a via. Esperou dando tempo ao motorista para se aperceber da sua presença e pôr o carro em movimento mas, nada. Não vendo uma coisa nem outra, buzinou mas de dentro da viatura não houve qualquer reação pelo que, instantes depois, voltou a buzinar. Então, sim, o condutor baixou o vidro, pôs o braço de fora e acenou como quem diz “passa por cima”. Temperamental e impulsivo como é, o meu amigo não esteve com meias medidas: Engatou o carro em primeira, acelerou e acertou em cheio na traseira do automóvel “novinho em folha”. De lá saiu o condutor com as mãos na cabeça, a gritar: “Ai o meu rico carro. O que é que você fez…”. E ouviu a resposta certa: “Você fez-me sinal para lhe passar por cima e eu tentei, mas não consegui”…

O que mais choca é que, quase todos os condutores que vão ao Centro de Saúde ou ao Hospital não são doentes, só meros acompanhantes ou motoristas com tempo mais que suficiente para deixar o doente na entrada e ir estacionar em local adequado. Mas não, por vontade deles entravam com o carro pelas instalações dentro até ao consultório do médico. Ora, esse desejo deu-me uma ideia para resolver lhes resolver o problema: “Se Maomé não vai à montanha, porque não vai a montanha a Maomé”? Ou seja, se não se pode entrar pelo consultório dentro com o carro, porque não fazer com que os profissionais de saúde atendam os doentes dentro do carro como nalguns restaurantes de “serviço para fora” em que o cliente é atendido sem sair do viatura? Claro que os doentes tinham de fazer uma ginástica excepcional sobretudo quando o médico precisasse de observar certas partes… Já para apanhar injeções era tudo muito mais fácil pois a enfermeira podia estar junto à passadeira com o material preparado e, como os doentes vão ao lado do condutor, um pouco antes desciam o vidro e as calças, encostavam o rabo à janela e só paravam o tempo necessário para lhe espetarem a agulha, apertar a seringa e dar uma esfregadela. E venha o seguinte…

Mas, enquanto não se implementa este “tipo de atendimento”, seria bom que cada um assumisse as suas responsabilidades cívicas e se mentalizasse que “a sua liberdade termina onde começa a liberdade dos outros”…

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