Cada um escolhe o “ladrão” que quer!

Um ladrão não é só o que rouba, assalta, furta. Não é só uma pessoa desonesta, um tratante ou maganão. É também o rato, o larápio, o abafador, o malandro, o bandido, o rapinante ou o salteador e, no fundo da escala das categorias de ladrões, o “pilha galinhas”. Claro que em todos eles está o patife, o tratante, o maroto, o escroque, o aldrabão, o espertalhão, o vigarista e o trapaceiro. 

Nós sabemos que o ladrão vulgar veste “fato-macaco” para conseguir uns míseros trocos e às vezes à custa de muito esforço, enquanto o ladrão de “colarinho branco” ou de fato e gravata, entra pela porta principal e não se contenta com tostões, mas sim com milhões, e que não é tido nem chamado de ladrão, mas por um “gajo inteligente” ou um “tipo esperto”. Há tempos, uma cadeia de supermercados levou a tribunal um “criminoso” por ter roubado um saco de feijão verde no valor de 77 cêntimos, tendo pagado 204 € para ser assistente no processo. E noutro caso, uma idosa teve de se defender em tribunal por levar um creme de 2 € e 79 cêntimos. E então viu-se os supermercados a pôr alarmes numa série de produtos como que a dizer, “aqui ninguém rouba”. No entanto, no ano que acabou, a ASAE detetou nas três maiores cadeias de supermercados em Portugal margens de lucro brutas ilegais entre 43% e 52%, embalagens que diziam ser de um quilo a pesar 800 gramas e casos em que eram cobrados nas caixas preços 70 % superiores aos marcados nas prateleiras, como que a dizer, “neste supermercado só os donos estão autorizados a roubar”.

Tenho de dar a mão à palmatória e reconhecer que já não há ladrões como antigamente. Evoluíram muito no pior sentido pois passaram a associar a violência ao roubo, uma nova forma que está a crescer em Portugal segundo rezam as crónicas. Estamos a copiar outros países conhecidos pela sua violência … 

No Departamento de Química da Universidade de Aveiro, os ladrões acionaram o alarme de incêndio e esperaram que alunos, professores e funcionários saíssem do edifício para roubar os computadores. E foi uma “limpeza”. É a evolução na continuidade da arte de roubar. Já em Londres, num supermercado só expõe um bife de cada vez na montra para reduzir ao mínimo a quantidade de carne roubada nesta época de crise económica, sobretudo a partir do “Brexit”, isto é, da saída dos ingleses da União Europeia. O que quer dizer que já nem o bife, bom ou mau, escapa ao apetite devorador dos ladrões. 

Hoje há novas categorias de ladrões sofisticados, tecnologicamente evoluídos para nos roubar sem entrarem em nossas casas, sem nos darmos conta de que estamos a ser lesados. Já não se usa pé-de-cabra ou arma branca ou de fogo. Usa-se a vigarice, o prestígio e o crédito que o “estatuto” proporciona e as leis que só protegem os ladrões.  Alguns ladrões “reformados” e a viver com o “fruto do seu trabalho”, como têm muito tempo vago, fizeram um rol de recomendações para quem gosta de chegar a casa e ver que nenhum dos seus bens levou sumiço. Dizem eles que, autocolantes com símbolos de empresas de segurança ou placas a dizer ‘Cuidado com o cão’ não servem para nada. Um até confessou que entrou numa casa através da porta para o cão! Acrescentam que as pessoas pensam que os cães maiores são melhores, mas eles evitavam sempre casa com cães mais pequenos, porque nunca se calam. Publicar fotografias em plenas férias ou dizer nas redes sociais que está a gozá-las fora de casa, é como quem diz “a minha casa está livre para ser assaltada”. E o truque de sair e deixar as luzes acesas ou a televisão ligada, já não resulta. Será conveniente arranjar bloqueios para as janelas porque são abertas facilmente com uma chave de fendas. Quanto a ter escadas do lado de fora e à mão, é meio caminho andado para quem quer entrar por uma janela alta. E lembre-se que, se não trancar bem a porta, mais vale deixá-la aberta. Mas o maior cuidado que temos de ter é com os governantes a quem passamos procuração com poderes para tudo, até para nos roubar.  O escritor e comediante inglês Peter K. dizia: “Os ladrões são muito menos perigosos do que um governo bem organizado”. E o célebre Françoise Marie Arouet, mais conhecido pelo pseudónimo de Voltaire, tinha uma definição muito própria de “Ladrão”: “Na vida existem dois tipos de ladrões:                                                                                                                                                                                                                   – O “ladrão comum”: É aquele que rouba o teu dinheiro, a tua carteira, o teu relógio, o teu cavalo, o teu porco, as tuas galinhas, etc.                                                                            – O “ladrão político”: É aquele que rouba o teu futuro, os teus sonhos, o teu conhecimento, o teu salário, a tua educação, a tua saúde, as tuas forças, o teu sorriso, etc.                                                                                     A primeira grande diferença entre estes dois tipos de ladrões é que o “ladrão comum” te escolhe a ti para roubar os teus bens, enquanto, no caso do “ladrão político” és tu que o escolhes para ele te roubar. E a outra grande diferença, mas não menos importante, é que o “ladrão comum” é procurado pela polícia, enquanto o tal “ladrão político” é, geralmente, protegido pela polícia”.                                                                         Depois de explicar a sua definição de “Ladrão”, Voltaire não deixava de dar um conselho: “Pense bem antes de escolher o “seu” ladrão” …  Ora, na perspetiva de Voltaire, dentro de pouco mais de dois meses, nós vamos novamente ser chamados a escolher o “ladrão” que queremos para nos “roubar”. Com todo o tipo de “roubos” a que temos assistido em Portugal nestes últimos anos numa vida dita “em democracia” e onde até o roubo foi democratizado entre uma boa parte da classe que nos tem governado, é caso para cada um se trancar em casa e “pensar bem” antes de escolher o “seu ladrão”, pelos sinais, mais ou menos claros, que já deu cada um dos candidatos a tal lugar. Porque a escolha do “seu ladrão” será sempre e só, da sua responsabilidade e ditará a qualidade do seu, e nosso, futuro … 

Como nós complicamos a vida …

Lembrei-me que, quando regressei da comissão de serviço militar que fiz em Moçambique, como prenda para a minha mãe trouxe uma complexa máquina de cozinha, do mais avançado que havia naquela altura, que fazia sumos e batidos, descascava batatas e cortava-as às rodelas e em palitos, preparava bolos, para além de muitas outras funções. Na tarde em que lha entreguei, eu e os meus irmãos fizemos sumos e testamos algumas das suas capacidades, num entusiasmo que me fez ficar orgulhoso da oferta. Mas, o interesse pela máquina e pelas suas potencialidades foi sol de pouca dura. Dois dias depois, a minha mãe limpou-a e arrumou-a no armário, onde ficou muito bem “arquivada”. Disse-me que preferia continuar a cozinhar do modo a que estava habituada, com os poucos apetrechos que tinha. “A faca e um pequeno espremedor de plástico fazem a maior parte das funções daquela máquina”, disse-me ela. 

Alguns anos depois, retirou-a da prateleira onde a mantivera em repouso absoluto, limpou-a com todo o cuidado, embalou-a em bonitas folhas de papel colorido amarrado com fita decorativa a condizer e … ofereceu-ma como prenda de casamento. E eu, feito parvo, desembrulhei a oferta e dei comigo a montar os apetrechos, voltando a experimentar entusiasmado as múltiplas capacidades da máquina qual criança quando recebe um novo brinquedo … por um dia. Terminado o entusiasmo do período experimental, limpei-a, arrumei-a no armário da cozinha e, a esta distância temporal, não sei onde acabou os seus dias nem se chegou efetivamente a ser útil a alguém. 

Se nesse tempo uma máquina de batidos era uma novidade que não se via todos os dias e só em muito poucas casas, hoje tornou-se uma vulgaridade à qual já ninguém dá atenção especial. Mas, de tempos a tempos, há sempre uma marca de eletrodomésticos que lança novo modelo com novos argumentos comerciais capazes de atrair público consumidor e lá se vai comprar mais uma maquineta para alguns dias depois ir parar ao “armazém” das coisas inúteis que todos nós temos num qualquer canto da casa. 

São frequentes os lançamentos de novos equipamentos e todo o tipo de tecnologias, acompanhados de grandes campanhas publicitárias que as “vendem” como a última maravilha da ciência, capaz de tornar absurdos os nossos problemas existenciais e resolver umas quantas dificuldades do dia a dia da nossa vida. Agora as últimas novidades da moda são os robôs de cozinha e o marketing, a publicidade e todas as estratégias comerciais já as tornaram na nova moda nas cozinhas portuguesas até irem parar ao canto das coisas ultrapassadas como já sucedeu com muitas outras “maravilhas da ciência e da tecnologia”.

A dona da casa abriu uma gaveta do louceiro para procurar um saca-rolhas e ficou surpreendida ao ver a sua gaveta tão cheia de “tralha”, começando por tirar um acessório novo que não sabia bem para que servia. Depois de o fazer rodar na mão algumas vezes, acabou por se lembrar que se destinava a separar a gema da clara. A seguir tirou um outro que me disse ser para retirar o “talo” central dos ananases. E, apercebendo-se que já não “visitava” aquela gaveta há muito tempo, acabou por desabafar: “Já agora, deixa-me ver o que é que tenho para aqui guardado”. Para sua surpresa, alguns dos acessórios ainda se encontravam dentro das embalagens originais, pois isso queria dizer que nunca tinham sido utilizados, talvez porque foram mais algumas compras por impulso. Tirou uma “geringonça” para cortar os ovos cozidos às rodelas; outra para retirar os “fios” indesejáveis do feijão verde; outra para furar as batatas quando se quer recheá-las com picado; e outras mais que nem percebi qual a sua função …

Como estava numa de ver o que havia por ali, abriu a gaveta do lado. Nunca vi tanta variedade de facas em tamanho e função. O conjunto de facas maiores eram aquelas a que eu chamo “de matar os porcos” e depois eram facas para o pão, para a carne, para o peixe, para o presunto, para a fruta, para o queijo, etc., etc. Até lá estavam umas facas especiais, em porcelana. Arrumadas na gaveta, porque no dia a dia, confessou, “não é funcional estar a variar sempre de facas em função da função”. Mas, ali não faltava “ferramenta”, em quantidade e variedade. Parecia mais uma oficina de protótipos ou sala de artigos experimentais, com uma diferença: Não eram ofertas, mas coisas que custaram dinheiro … para nada! Era como se ali estivesse um cofre de dinheiro inútil e sem valor algum.

Vendo bem, não passamos de marionetes nas mãos dos profissionais do marketing e da publicidade que utilizam técnicas sofisticadas para nos controlar os impulsos consumistas e levar a comprar tudo o que precisamos, mas muitíssimo pior, sobretudo o que não precisamos. É por isso, por todo aquele “lixo” que vamos comprando e acumulando dentro das nossas casas seja ele feito de tralhas para a cozinha, roupa e calçado, artigos para as férias na praia, no campo ou na neve, usar ou nunca usar, já para não falar em coisas bem mais “pesadas” em todos os aspetos, que nos tornamos escravos permanentemente à procura de ganhar mais e mais para gastar mais e mais, como se a felicidade se medisse pela quantidade de bens que compramos …    

Coincidências ou probabilidades?

Há coisas para as quais nós não temos explicação ou, melhor, para as quais se dão milhentas explicações, mas nenhuma satisfatória, como o que aconteceu com dois irmãos gêmeos que, apesar de terem vivido separados, tiveram vidas assustadoramente semelhantes. Como foi possível? “Com quatro anos de idade, Jim Lewis e Jim Springer foram separados e cada um deles teve uma família diferente. Quando anos mais tarde se encontraram, descobriram que os dois tiveram ainda em criança um cachorro chamado Toy, além de terem carros, fumar cigarros e beber cerveja, tudo da mesma marca. Mas a semelhança mais marcante foi a de que ambos foram casados duas vezes, o que até poderia ser normal, se não fosse o caso das primeiras mulheres dos dois se chamarem Linda e as segundas se chamarem Betty”. É mesmo caso para perguntar, como foi possível? Puro acaso? Mas não foram acasos a mais?

Quer seja para o bem ou para o mal, não é tão raro que em alguns momentos o “universo” conspire para que isto ou aquilo aconteça e nos surpreenda, de tal forma que, conscientemente, não sabemos o que pensar da situação ou que resposta ter para o facto. É costume dizer-se que “os astros se alinharam para que tal acontecesse”. Da mesma forma, quantas vezes uma série de factos acontecem todos uns atrás dos outros ou ao mesmo tempo, para fazer que algo se concretize ou para fazer rigorosamente o contrário? Coincidência é a palavra que os dicionários têm para sintetizar tudo isso. Mas será que tudo o que aconteceu com os gêmeos foi uma mera coincidência? Se pensarmos um pouco, não é difícil chegarmos à conclusão de que não podemos atribuir à “coincidência” a responsabilidade destes factos. A verdade é que há sempre uma explicação para tudo o que acontece nas nossas vidas, pois o facto de “nada acontecer por acaso”, mais do que uma simples frase, é uma realidade com a qual temos de conviver por mais que não consigamos entender os motivos. No entanto temos o direito de acreditar em coincidências e em coisas inacreditáveis, mesmo que seja por uma questão de fé. 

Há algumas décadas, Albert Einstein chegou a desenvolver estudos na tentativa de explicar cientificamente a coincidência. Porém, não tendo conseguido estabelecer uma regra que justificasse a sua existência, Einstein não se deu por vencido e passou a acreditar e afirmar junto dos seus que “a coincidência era a maneira que Deus tinha encontrado para permanecer no anonimato”. Parece difícil acreditar que um cientista como ele tenha atribuído ao Divino a presença da coincidência nas nossas vidas. Mas, que razões o terão levado a dizer isso diante dos resultados das suas pesquisas? Pouco importa, porque não contribui em nada para acreditarmos ou não em coincidências na nossa vida, pois “o facto de não termos explicação sobre uma coisa, não impede nem ajuda que essa coisa não aconteça”.

Num domingo de manhã, a escritora norte-americana foi passear nas ruas de Paris onde estava a passar férias com o marido. Entrou numa livraria, viu o livro “Jack Frost e Outras Histórias” e comprou-o, pois era um dos seus favoritos em criança. Quando o marido o abriu leu na primeira página o nome da sua mulher e a morada, descobrindo que ela acabara de comprar o livro que lhe pertencia quando era nova. É mais uma coincidência? O matemático Joseph Mazur não acredita que tenha sido coincidência e acredita no que resumiu em probabilidades de acontecer. “Era pouco provável, mas não é incrível ter acontecido” disse ele. “Um amigo telefonar no momento em que íamos telefonar-lhe, encontrar alguém muito parecido connosco, ganhar a lotaria 4 vezes, é mais provável do que parece”, disse ele, chamando-lhe a Lei das Probabilidades e até explica as coincidências mais espetaculares, de que o exemplo desta lei é o Teorema do Macaco: “Se um macaco carregar ao acaso nas teclas de um computador durante muito tempo acabará por escrever um texto de William Shakespeare. Os piratas informáticos usam esta lógica para desvendar a palavra-passe testando milhões de hipóteses com algoritmos e computadores”. É outra forma de ver as coincidências? Dizem que é difícil acreditar em coincidências, mas é ainda mais difícil acreditar em qualquer outra coisa. 

E tudo isto me trouxe a algo semelhante à primeira parte do texto desta crónica, com algo um pouco parecido, mas que ocorreu aqui em Lousada: “Há poucos dias a senhora Conceição, com mais de oitenta anos e de boa saúde, sofreu uma queda, foi para o hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. Nada de estranho, a não ser que o senhor Antero, seu irmão gêmeo, há cerca de 2 anos, também com boa saúde, sofreu uma queda, foi parar ao hospital onde lhe foi diagnosticada a morte cerebral e passados 2 dias morreu. 

Terá sido uma coincidência? Mas o mais curioso é que a senhora Conceição quando andava na escola, um dia ao regressar a casa, caiu e partiu um braço. E o senhor Antero, nesse mesmo dia ao voltar para casa da mesma escola por um outro caminho que não o da irmã, caiu e também partiu um braço. Terão sido só coincidências e nada mais? Terá sido a matemática na famosa Lei das Probabilidades, como defende Joseph Mazur, a explicar todas estas coincidências? Ou, por muito que não se goste, é um daqueles quebra-cabeças que Deus nos deixou para pôr à prova a nossa inteligência e, quem sabe, para chegarmos à conclusão de que “há razões que a razão desconhece”? Mas que são coincidências a mais, são … 

A “cunha”, essa instituição nacional …

Como os portugueses “andam em pulgas” querendo saber mais e mais sobre essa “cunha” fabulosa que valeu, ao que tudo indica, cerca de quatro milhões de euros (e de que todos nós fomos contribuintes sem o termos sabido), para além de acreditarem ter direito à verdade e saber quais os envolvidos nesse “filme” de que ninguém se assume protagonista, eu julgo ser uma ocasião propícia para falar sobre essa verdadeira instituição portuguesa conhecida por “cunha”.         Porque, goste-se ou não, vivemos no país da “cunha” e ninguém está imune e escapa ao seu contágio, embora uns, mais do que outros, convivem diariamente com muitos pedidos, influências, pressões ou empenhos. Apesar de, como português, já me ter habituado há muito a tal fenómeno, fico sempre impressionado com a naturalidade com que se usa e abusa de tal “ferramenta”, imprópria de um país dito democrático e civilizado.             Porque, muitas vezes, se sortir efeito, podem-se inverter as regras do jogo e prejudicar terceiros. E a “cunha” é para quem tem o poder de decidir, sejam governantes de qualquer nível, os amigos e os amigos dos amigos deles, dirigentes de instituições, repartições e de quem lhes é afeto ou sirva de trampolim para lá chegar. Mas sempre que ela não resulta, só fica mal visto quem a recusa, não quem a mete …        Todos sabem que em Portugal a cunha, o jeitinho, o empurrãozinho, a ajudinha, fazem parte da nossa matriz cultural e não conseguimos viver sem a utilização dessa bengala cultural e social. E isso acontece muitas vezes porque as instituições não funcionam ou funcionam mal e a administração pública está bloqueada por excesso de serviço ou problemas financeiros, incapacidade organizativa e burocracia mais que muita. Se houvesse bom rigor e tolerância zero, se as instituições funcionassem como deviam, seguramente que a cunha não medraria nem seria necessária.                                                                                                            Por vezes a “cunha” é embrulhada no sotaque brasileiro do “jeitinho”: “Podia fazer-me o “jeitinho”? E tudo encaixa como uma luva quando, numa expressão muito carinhosa, dizem “vou mexer os cordelinhos”. Está-se mesmo a ver que é a “cunha” adoçada com o “inho” tão típico da nossa língua, algo muito subtil, quase irrecusável e desculpável. Muitas vezes funciona como uma troca de favores: Hoje fazes-me este “jeitinho” e amanhã eu “mexo os cordelinhos” para te desenrascar. O intercâmbio social que está no nosso ADN e que até exportamos para o Brasil, onde cresceu e floresceu sob a roupagem de “jeitinho”, mas que não é mais do que a nossa “cunha” tradicional, tropicalizada, em muitas ocasiões à espera do retorno do favor. Lembro-me de Júlio Monteiro ter afirmado “ser a coisa mais natural do mundo meter uma cunha para que um amigo inglês chegasse à fala com o seu sobrinho, na altura ministro. Só não achou natural, disse ele, que o amigo não lhe tivesse agradecido o favor: “Depois até fiquei chateado porque usou o meu nome e nem obrigado me disse”. Quando alguém espera que agradeçam um favor …                                                                                 E foi tal “jeitinho” que tramou Eça de Queirós quando concorreu e ganhou o concurso para cônsul na Baía, mas que perdeu na secretaria ao esquecer-se do “fator C”, que outro candidato usou na hora certa. O “fator cunha”. Deste “atropelo ético” nasceria a inspiração para, com Ramalho Ortigão, escrever “As Farpas”, tendo-se referido numa delas ao seu caso assim: “Querido leitor: Nunca penses servir o teu país com a tua inteligência e, para tal, em estudar, em trabalhar e pensar! Não estudes, corrompe! Não sejas digno, sê hábil! E, sobretudo, nunca faças um concurso; ou quando o fizeres, em lugar de pôr no papel que está diante de ti o resultado de um ano de trabalho, de estudo, simplesmente escreve: Sou influente no círculo tal e não me façam repetir duas vezes!”                                                                                                                     Na literatura portuguesa há mais referências à “instituição cunha”, como é o caso de Almada Negreiros nos primeiros anos do Estado Novo, em 1933, nas páginas do Diário de Lisboa: “Há um Portugal profissional, civil e insubornável! Há, sim senhores! Mas entretanto … a nossa querida terra está cheia de manhosos, de manhosos e de manhosos, e de mais manhosos”. Mudaram-se os tempos, mas os maus costumes não se mudaram. Eça e Almada retrataram o país das “cunhas” e, para mal dos nossos pecados, continuamos tão parecidos ao retrato que eles fizeram de nós! Aliás, não sei mesmo se com um tom mais carregado. A “cunha” é um pedido especial realizado por alguém a favor de outra pessoa. Normalmente diz-se “meter uma cunha”, para recomendar ou interceder por alguém. É uma especialidade nacional ao serviço de tudo e mais alguma coisa. A “cunha” veste roupagens diferentes, mas não deixa de ser a mesma coisa quando lhe chamam empenho, fator C, “jeitinho”, mexer os cordelinhos, empurrão, pedido ou a gasosa muito usada nos países africanos e o “pistolão” brasileiro. Vai dar tudo ao mesmo …                                                                                    Independentemente do nome que se lhe chamar, é algo que move interesses por maiores ou menores que eles possam ser, coisa que muitas vezes contorna os princípios morais, por vezes a ética e, em outras, a própria lei.                                                                                         Não deixa de ser curioso como é que neste caso presente, numa “cunha” tão valiosamente cara, ninguém a meteu, ninguém viu, ninguém sabe nada, nem ninguém assume a paternidade para uma situação de sucessivos privilégios, embora isso possa vir a abalar a própria Presidência da República. Claro, não cai bem à consciência nacional ver alguns processos administrativos ser resolvidos em tão poucos dias quando para um cidadão comum demora meses, talvez anos ou nunca chegam a ser resolvidos.  Alguém acha mesmo que somos todos iguais?

A importância da “presença” …

Na sua homilia, o padre celebrante contou uma experiência pessoal que acabara de viver e que o tocara muito. Ao acompanhar o grupo de catequese de uma das suas paróquias viu um menino afastado e, estranhando o facto, aproximou-se e perguntou-lhe o que se passava. O menino respondeu que estava triste. O senhor padre quis saber porquê e ele respondeu-lhe: “Porque a Daniela (colega de catequese) não está”. Foi a atenção dada pelo menino à não presença da sua companheira de catequese e ao seu sentimento de tristeza gerado por isso, que tocou o senhor padre. Ali estava uma criança a valorizar o que nós muitas vezes esquecemos de valorizar: a presença das pessoas de quem gostamos. 

A tecnologia e redes sociais dão-nos uma falsa sensação de presença, pois é possível acompanhar a vida de centenas de amigos, colegas, conhecidos do Facebook, Instagram e participar em conversas no WhatsApp. Por isso, temos a sensação de estarmos satisfeitos. Mas será mesmo assim? Até parecemos aquele chato que nos diz que ver um espetáculo na televisão é a mesma coisa que assistir ao vivo!                                                               Todos sabem que não é verdade. Dizem que a tecnologia aproximou os distantes e distanciou os próximos, uma realidade. Agora é muito fácil falar com alguém que está do outro lado do mundo (e eu sei bem disso por experiência própria), o que é bom. Mas na verdade, a maior parte das pessoas com quem mantemos contacto no dia a dia estão bem perto, tantas vezes tão perto que era possível falar com elas cara a cara, na sua presença e não estar a falar sozinho para um pequeno aparelho, quando não a falar “para o boneco” com um apetrecho enfiado em cada ouvido. Se alguma coisa positiva teve a quarentena imposta pela pandemia, foi fazer-nos perceber claramente que nos faz falta estar junto, na presença das pessoas. E isso quer dizer estar com elas, poder tocar-lhes, encostar, abraçar e beijar. Porque o “falar à distância” não tem nada, mesmo nada a ver com o estar presente. Mas a tecnologia fez com que tenhamos negligenciado a necessidade dessa presença, levando-nos a trocar um benefício por um prejuízo. Quem acreditar que, “para estar junto não precisa de estar perto”, está errado. Sabemos que nem sempre é possível, mas esse tem de ser o desejo e o objetivo principal nas nossas vidas. Porque não há videochamada que substitua o olho no olho, nem emoji que substitua o abraço. A tecnologia tem coisas boas e facilitou as nossas vidas, mas só serve para ajudar. Vendo bem, ao dizermos “vamos almoçar” ou “encontramo-nos em casa, no café ou na rua” é que está certo. Todos nós sabemos disso, mas esquecemos depressa. E não podemos ficar à espera de uma nova pandemia para nos lembrar de novo o valor da “presença”.

Estar presente faz toda a diferença, porque é um sinal de prioridade e a forma de estar e sentir. Relações requerem comprometimento e sacrifício para gerar confiança. Mandar um e-mail não é o mesmo que estar no velório e dar os parabéns pelo telefone não é a mesma coisa que estar na fotografia atrás do bolo com o aniversariante. Presença é uma grande demonstração de amizade ou amor, porque através dela oferecemos algo muito valioso: Tempo.

É sabido que muitas vezes não damos o devido valor ao que temos e só nos damos conta disso quando deixamos de o ter. E nisso incluem-se as pessoas de quem gostamos, porque no corre, corre da vida, nós damos a sua presença como adquirida e garantida. E estamos muito enganados.

Ao olhar para trás é esse sentimento que me ficou em relação à Luísa, antes e mesmo depois de adoecer. Acredito que não soube usufruir da sua presença tanto quanto podia e devia. Apesar de tudo, nos últimos anos aproveitei a sua presença sempre que pude, mesmo quando não havia nada para dizer pela sua dificuldade em comunicar. Mas até nos seus silêncios os abraços diziam-me muito e um simples “obrigado” que ela usava frequentemente sempre que a ajudava em qualquer pequena tarefa, quando não acompanhado de um sorriso, enchiam-me a alma. E, apesar de condicionada pela doença e todas as suas limitações, mentiria se dissesse que hoje não sinto muito a falta da sua presença cá em casa, aquilo que eu dava por adquirido, mas que, afinal, não era. No meu consciente, jamais achei que a perderia. Num tempo em que jovens e menos jovens privilegiam o contacto com os outros através das redes sociais em prejuízo do cara a cara, em que mesmo quando estão juntos fisicamente comunicam entre si pelos meios virtuais como que ausentes de quem está presente, a “presença” completa do corpo e espírito de uns para os outros, isso de olhar olhos nos olhos e ver o brilho de um sentimento, é um valor que nunca podemos deixar cair, sem correr o risco de deixar de ser humanos …  

Somos a soma das nossas escolhas …

As escolhas que fazemos, definem-nos. Escolhes seguir em frente ou viver no passado? Escolhes ser feliz ou passar a vida a reclamar? Escolhes ser solidário ou egoísta? Escolhes ser gentil ou grosseiro? E escolhes virar à direita, à esquerda ou parar? Escolhas, decisões e opções. As escolhas fazem-nos seguir diferentes caminhos, diferentes histórias de vida. Permitem-nos ser quem queremos ser, mas toda a escolha gera consequências. Por isso, somos livres de escolher, mas devemos ponderar antes de escolher pois ficamos prisioneiros das consequências. É que, ao fazermos uma opção estamos a rejeitar outra. E, de opção em opção, tecemos aquilo a que chamamos vida.

Fui almoçar com dois amigos e, enquanto eles decidiram comer os tradicionais filetes de pescada, eu tentei-me e escolhi carne de porco à alentejana, que já não comia há alguns anos. Durante a tarde senti algumas cólicas intestinais, que se agravaram noite dentro. A carne de porco não se deu bem com as ameijoas e quem sofreu fui eu. Já a pescada “não andou à bulha” com ninguém e sorte tiveram os meus amigos, que não tiveram de passar a noite sentados na sanita. Quem “escolheu” mal, fui eu.

A vida é constantemente uma encruzilhada. E, a cada passo, temos de fazer escolhas e aguentar (quase) sempre com as consequências. Não podemos seguir por dois caminhos diferentes ao mesmo tempo. Por isso, em cada encruzilhada temos de decidir por um deles, vivendo muitas vezes na incerteza se essa foi a melhor opção. E se tivéssemos ido pelo outro, como seria? Quantos de nós, no momento de tomar a decisão sobre o curso que queríamos tirar, optamos por um que, anos mais tarde, se revelaria uma escolha errada? Quantos passaram uma vida profissional contrafeitos com a sua profissão, porque o caminho escolhido não foi o certo e foram incapazes de recomeçar do zero em uma outra em que sentissem bem? E muitas vezes as escolhas até são bem simples … 

Viajando pelo interior do Brasil, um homem começou a sentir fome à medida que se aproximava a hora do almoço. Como nem ele nem o seu companheiro de viagem conheciam a região, passaram a ficar atentos a algum letreiro que anunciasse algum restaurante ou local para almoçarem. Alguns quilómetros mais adiante viram um grande letreiro sobre uma casa rural, escrito em letras gordas em madeira escura, onde se lia: “COMIDA A ESCOLÊ”. Pela escrita, entenderam que o proprietário se enganara ou não era muito letrado, mas queria dizer que havia comida para escolher. Pararam, entraram e foram atendidos por uma mulher simples. Como não havia ementa à vista, perguntaram-lhe o que havia para comer. “Frango frito”, respondeu rapidamente a mulher. “E que mais”, insistiram eles? “Só frango frito e mais nada”, respondeu ela de novo. “Mas a tabuleta diz COMIDA A ESCOLHER”, argumentou o amigo. Sem pestanejar, a mulher disse: “Sim, o senhor escolhe se quer comer ou se não quer comer”. E ela tinha razão. Comer ou não comer exigia optar … 

Um casal amigo esteve recentemente em S. Tomé e Príncipe e aquilo que mais os encantou naquele país pobre e onde as pessoas vivem com muito pouco, foi a sua alegria de viver, muito especialmente nas crianças. Muito mais do que as paisagens fantásticas daquela ilha tropical, foi essa felicidade que os comoveu, apesar de terem muito pouco. E sensibilizou-os o saber que, mesmo nessa situação extrema, eles fizeram uma opção e escolheram ser felizes em vez de ficarem amargurados e revoltados, apesar de terem falta de tudo, até do mais básico para viver. Para quem ia de um mundo onde o “ter” é muito mais importante do que o “ser”, foi uma surpresa extraordinária. Nós temos (quase) sempre escolhas a fazer. Alguns escolhem viver e ser felizes com o pouco ou quase nada que têm. Enquanto muitos de nós optamos por ser infelizes apesar de desfrutar de uma abundância relativa onde até nos damos ao luxo de escolher o que queremos ou não queremos comer, vestir, usar, ser, etc., embora achemos que só conseguimos ser felizes precisamente com aquilo que não temos. Mas, na realidade, quando alcançamos aquilo que achamos que nos vai trazer a felicidade, como não a vamos encontrar, sobretudo nas coisas materiais, transferimos esse encontro com ela para outra coisa que alguém tem e nós não temos, numa busca interminável, porque nos esquecemos ou não queremos ver que a felicidade está nas nossas mãos, no nosso coração e não nos nossos desejos. É que o grande segredo está na capacidade de sermos felizes com aquilo que temos em vez de ficar à espera que a felicidade venha embrulhada no novo desejo. 

Quando a minha memória me transporta ao meu tempo de criança e revejo o que havia para comer, vestir, calçar, usar, usufruir, etc. nada, mas mesmo nada tinha a ver com aquilo que hoje está à disposição de todos nós e, tal como em S. Tomé e Príncipe, recordo como as pessoas eram pobres, mas também o quanto eram felizes. Ainda estou a ver e ouvir as mulheres a cantar enquanto lavavam a roupa numa presa ou sachavam o milho em rancho (a troco do almoço) ou espadelavam e fiavam o linho ou na desfolhada à procura do “milho-rei”. Porque a alegria de viver é um destino em função duma escolha que fazemos. E por isso se diz, que “nós somos a soma das nossas escolhas” …       

Apesar de tudo, gostamos de Portugal

 Pelo que consta nos anais da história, desde há muito tempo temos o péssimo hábito de dizer mal dos portugueses, isto é, de nós mesmos. Eça de Queirós é o exemplo acabado de como é possível, e de forma muito contundente, arrasar o portuguesinho. Fernando Pessoa dizia que, num grupo de cinco portugueses, o culpado é sempre o sexto. Somos assim, muito bons críticos de nós, mas não aceitamos que os estrangeiros o façam.                                                                              Portugal é o país do deixa andar, do deixa para amanhã o que podes fazer hoje, do desenrasca, do bota-abaixo, dos três efes. É ao mesmo tempo o Quinto Império e “os cafres da Europa”, no dizer do Padre António Vieira. Os portugueses “são excessivamente sentimentais, com horror à disciplina, individualistas, mas sem dar por isso, falhos de espírito de continuidade e de tenacidade na ação” – a descrição é de 1938 e pertence a Salazar.                                                                     Durante os Descobrimentos os portugueses agruparam-se à volta do Estado e continua a ser assim. Adoram o Estado, à sombra do qual muitos vivem. Submissos e resignados (“O Estado vai tomar conta de nós”). Mas queixam-se de que o Estado paga as suas contas “tarde, mal ou nunca”, que presta maus serviços, é lento, burocrático. É uma relação de “amor-ódio”. E se já era assim há 600 anos, significa que não temos emenda. Não conseguimos mudar! Para mudar a maneira de vivermos é preciso implementar reformas de fundo. Mas se nem com uma maioria absoluta foram capazes de o fazer, quando é que tal vai acontecer? E até que ponto nós portugueses queremos mudar a nossa maneira de viver? É que, para sermos ricos como os alemães, suíços, holandeses e nórdicos temos de entrar ao trabalho às oito da manhã, trabalhar até às seis, jantar às sete e estar na cama às nove. É esta a vida que queremos? E é difícil ir para a cama tão cedo com este clima (quando não nos atraiçoa …), que mata tal intenção ou a torna impossível! É verdade que temos grandes qualidades, embora não achemos que sim como dizia o ex-ministro Luís Amado: “Só oiço dizer mal de Portugal em Portugal”, enquanto Boaventura S. Santos fala de uma má consciência por causa da passividade, que todos reconhecem, mas que não conseguem mudar. 

Raramente dizemos: “A culpa é minha e a responsabilidade é minha.” Por norma atiramos a culpa para o outro. E temos pouca participação democrática. Temos medo. Medo de falar de frente, de assinar a petição, de dar a cara quando é preciso enfrentar e confrontar. Medo de ser mal vistos, de fazer figura de parvo, de levantar a voz e ser ridicularizados, ser castigados, como se o poder esteja lá em cima e nós estejamos cá em baixo (“é melhor ficar calado, está mal, mas ainda pode ficar pior, recebo pouco, mas é melhor que nada”). É o medo de tentar ir mais além. [Miguel] Torga. Descreve os portugueses assim: Um “pacífico coletivo de pessoas revoltadas”. Mas estes portugueses foram para França nos anos 60 e foi precisa uma coragem de gigante para quem nunca tinha saído de cá e nem falava francês.  Quiseram acreditar e conseguiram.                                                                                                     Mas sabemos que a produtividade em Portugal é um problema, mas ninguém se esforça muito para a mudar. Alguns esforçam-se, têm sucesso, como a Jerónimo Martins. Mas o grosso das empresas, em especial as do Estado, vivem de fazer o suficiente para sobreviver. Assim, como é que podemos queixar-nos? E de quem?                                                                                                    Somos maus a gerir os dinheiros públicos. Vejamos os milhares de milhões de euros que vieram dos Fundos a União Europeia, de que uma boa parte foi desperdiçada em obras para nada. António Barreto disse que foi um convite ao esbanjamento e à corrupção. E depois?                                                                                                          Ainda somos um país de “chico-espertos” que conseguem contornar o sistema. Quem foge aos impostos é o grande herói! O que consegue dar a volta ao Estado e evitar pagar impostos é o campeão. Andar no limite de velocidade nas estradas ou conseguir estacionar sem pagar são pequenas vitórias do dia-a-dia. Além do tráfico de influências e a corrupção, que começa pelo “jeitinho” e nunca se sabe onde acaba.                                                                                               Quando a Coca-cola quis entrar em Portugal, Salazar escreveu-lhes uma carta a recusar, dizendo que Portugal era um sítio pacato, que queria que ficasse assim, que tinha medo do progresso e que não queria que os camiões da Coca-Cola mudassem o ritmo de vida dos portugueses. Alguém dizia: “Percebo Salazar. O que estava a dizer tem a ver com os valores, com a maneira como queremos viver.” Os portugueses não querem viver como os americanos, gostam da maneira de viver em Portugal.

Queixam-se muito, mas gostam. Se os portugueses não gostassem da vida em Portugal, já tinham mudado. Gostam de ir almoçar durante uma hora e meia, duas horas, à sexta-feira (e todos os dias é sexta-feira …), de chegar tarde ao trabalho e depois ficar lá mais tempo a falar… E no fim do mês, queixam-se que recebem pouco, que lá fora é melhor! Mas não são grandes adeptos da mudança. Porque a temem.                                                                        Os portugueses dizem que são invejosos – que o outro é invejoso, mas nunca o próprio, bem entendido. “Se não posso ter, não quero que os outros tenham. Fico com as minhas coisinhas e fico contentinho.” O “inho” vem também de uma frustração na vida, de sentir que não consegue ter. Os portugueses não pensam que se trabalharem muito, se se esforçarem, pouparem, investirem bem, arriscarem, conseguem chegar lá. Olham para a pessoa que tem [com desconfiança]: “Deve ter conseguido o que tem com malandragem ou teve uma cunha.”         Nós dizemos mal de Portugal e mal uns dos outros, mas adoramos Portugal. Como alguém da nossa família que não suportamos, mas que é da nossa família. Porque gostamos mesmo de Portugal. E não tenhamos dúvidas: Os que tiveram de imigrar, se pudessem ficar cá, também ficavam … 

A felicidade no “cordão d’oiro” …

Ainda era adolescente quando integrei um grupo de conterrâneos numa ida à festa de S. Simão, em Guilhufe-Urrô, Penafiel, conhecida por ser o santo apóstolo de Cristo padroeiro dos cravos onde muitos fiéis iam “pagar as suas promessas” e a primeira onde se bebia “vinho doce”. Duas das moçoilas que integravam o grupo, mais velhas do que eu, apresentavam-se vestidas com um traje tradicional, de lenço na cabeça, faces coradas, um cordão de ouro que dava três ou quatro voltas ao pescoço para depois cair sobre o peito e, pendentes de cada orelha, duas grandes “arrecadas” também em ouro. Como de costume nas festas de então, passeava-se de um lado para o outro, elas para se mostrarem à espera de um possível candidato enquanto eu, o mais novo do grupo, apreciava todo o movimento. 

Às tantas, uma delas deu um grito e, quando olhei, vi-a deitar a mão ao pescoço e ainda conseguir segurar a ponta do cordão de ouro que já se lhe escapava, em resultado da tentativa de roubo por algum “artista” que, com subtileza, conseguira cortar o cordão e que deveria seguir de perto à espera que caísse naturalmente. Imagino que tenha sido auxiliado por alguns colaboradores, pois isto deu-se num momento em que passamos por um aglomerado de pessoas onde era grande o aperto, julgo que intencional para a distrair e não se dar conta do golpe. E foi por pouco que não conseguiram os seus intentos. 

Para a moça seria um duro golpe se os ladrões tivessem concretizado o roubo, porque o “cordão d’oiro” tinha um enorme significado para ela, como o teria para todas as jovens daquele tempo: era um sonho de criança concretizado, era o seu mealheiro e também o fruto de anos de trabalho.

A Miquinhas Mota tinha a sua casa cinquenta metros abaixo da casa dos meus pais. Morava no andar e a parte de baixo era dedicada ao negócio do “folhelho”. Para quem não conhece o termo, o “folhelho” corresponde à “camisa” das espigas de milho, isto é, a parte que cobre toda a espiga. Ela comprava aos lavradores essas “camisas” tal como eram separadas da espiga nas tradicionais desfolhadas e usava-as para enchimento de colchões no tempo em que não havia a gama de materiais para o fabrico colchões de hoje. Para além do “folhelho”, só as penas, mas essas eram muito caras. No entanto, antes de ser usado no enchimento dos colchões, tinha de ser “ripado”, isto é, passado por um “ripo” que rasgava as folhas em tiras finas para o produto final se tornar mais fofo e confortável. Maria era uma das jovens “ripadeiras” da aldeia que “ripava folhelho”. Mas desde que começou a trabalhar na “ripagem”, pediu à Miquinhas Mota que lhe guardasse uma parte daquilo que tinha de lhe pagar por cada saco de produto ripado até ela conseguir “juntar dinheiro” suficiente para comprar um cordão. E na verdade, quando anos mais tarde ela atingiu um certo montante de dinheiro poupado, suficiente para comprar o cordão d’oiro com que tanto sonhou, “meteu pés ao caminho” na companhia da mãe e foi à vila satisfazer o desejo de longa data. Porque esse era o desígnio de qualquer jovem de então e a sorte dos ourives da época.

Não havendo praticamente empregos para as mulheres, muitas mães procuravam pôr as suas filhas “a servir”, se possível numa casa rica onde sabiam que seria bem tratada e educada (e isso começava por querer dizer que comeria e vestiria bem, o que em casa dos pais não seria assim). Ora, também aí a moça costumava pedir à patroa que lhe guardasse o dinheiro com que ficava (a outra parte muitas vezes era entregue à mãe para ajudar lé em casa) para comprar o tal cordão d’oiro e se possível um dos maiores e mais pesados, que já custavam dois ou três contos. E, tal e qual como a Maria, também elas tinham de trabalhar alguns anos para conseguir amealhar dinheiro suficiente para o sonhado cordão.

Para aquelas que não conseguiam juntar o dinheiro suficiente para um cordão d’oiro, muitas vezes acabavam por comprar um trancelim, também em ouro, mas mais leve e, consequentemente, muito mais barato. 

Olhando para trás nesse tempo distante, recordo com respeito e um certo sentimento de saudade esse desejo fascinante das moçoilas de então, de possuírem um “cordão d’oiro”, angariado à custa de muito suor, de anos e anos de trabalho duro, sacrifício porque “tiravam-no da boca” para poder juntar algum dinheirito e uma confiança cega na sua “patroa” que funcionava como o “banco” em quem confiavam as poupanças com mais tranquilidade do que nós hoje podemos confiar. E era bonito ver o quanto se sentiam orgulhosas e vaidosas sempre que tinham a oportunidade de o colocar à volta do pescoço num dia especial, fosse dia de feira ou romaria ou até num simples domingo, numa manifestação feliz de que tinham alcançado o seu sonho. E esse sonho, apesar de simples, era a sua felicidade … 

Ser ou não ser extraordinário. Eis a questão …

Em miúdos, e não só, todos nós sonhamos ser extraordinários, vestir a capa de super-herói, ser bestiais em todas as áreas da vida. Mas, na realidade, somos quase todos medianos, bastante medianos mesmo. E até quando somos bons em alguma coisa, o mais provável é que sejamos médios ou abaixo da média na maioria das outras. É assim a vida. Para que alguém se torne verdadeiramente excelente nalguma coisa tem de lhe dedicar muito tempo e energia. E como estes nos são limitados, muito poucos se tornam verdadeiramente excecionais em mais do que uma coisa, se tanto. Pode-se dizer que é improvável que alguém seja extraordinário em todas as áreas da vida ou mesmo em muitas áreas. 

É por isso que os empresários brilhantes têm muitas vezes uma vida pessoal lixada. Atletas extraordinários são muitas vezes frívolos e brutos como calhaus. Celebridades que admiramos estão tantas vezes perdidas quanto as olhamos embasbacados. Gente que conseguiu ganhar fama e muito dinheiro acaba morta por suicídio.  Em geral somos medianos, mas são os extremos que têm toda a publicidade. Por isso, todos os dias somos bombardeados com o verdadeiramente extraordinário. O melhor do melhor ou o pior do pior. As maiores proezas físicas, as piadas mais engraçadas, as façanhas mais incríveis. E também as notícias mais perturbadoras e chocantes, as coisas mais exóticas, aberrantes e imbecis. Porque no negócio da comunicação social é isso que faz arregalar os olhos e os olhos arregalados trazem dinheiro. Ora é isso que interessa. Contudo, a grande maioria da vida é até bastante mediana.                                                                                                                                        Esta onda de informação do extremamente fantástico, excecional e aberrante nos meios de comunicação e redes sociais até nos leva a acreditar que o extraordinário é o “novo normal”. E, porque somos quase todos medianos, ao sermos encharcados com a informação do excecional, pode fazer-nos acreditar que não somos suficientemente bons e que se passa algo de errado connosco. E isso traz problemas sérios à sociedade porque muita gente acha que “também tem esse direito de ser excecional”. Assim, a inundação do excecional faz com que as pessoas, sobretudo jovens, possam ficar mal consigo e fá-las sentir que precisam de ser mais extremas e mais radicais para que reparem nelas ou para ter alguma importância face a esses padrões irrealistas que não conseguem atingir.

Na cultura ocidental tornou-se comum acreditar que estamos todos destinados a fazer algo extraordinário. É isso que dizem os políticos. Também é o que dizem as celebridades, além dos magnatas e gurus. Que todos merecemos a grandeza. E é a pensar nisso que muitos pais levam os filhos para as escolas de futebol e alguns, na ânsia do “tem que ser”, fazem cenas ridículas ao querer a todo o custo que o filho tenha sucesso, talvez para que ele consiga dar-lhe aquilo que ele não conseguiu ter na vida: ser extraordinário. Se pensarmos bem vemos que, se fôssemos todos extraordinários, isso seria a “normalidade” e assim passaríamos a ser “normais”. Em função dessa exaltação do ser “extraordinário”, ser “médio” tornou-se o padrão do fracasso, pois o pior sítio para se estar é no meio do rebanho. Quando o padrão de sucesso é o extraordinário, é preferível estar no extremo mais baixo do que no meio. Pois lá em baixo e pelos piores motivos, continua-se a ser muito especial e a poder merecer atenção, quanto mais não seja da comunicação social. Alguns escolhem a estratégia de provar a toda a gente que são os mais infelizes, os mais oprimidos ou as maiores vítimas. Ou então ser os piores dos piores porque lá estarão os meios de comunicação social para lhes dar tempo de antena como se fossem especiais. E a verdade é que são, mas pelas piores razões …                                                                                                 As raríssimas pessoas que se tornam verdadeiramente excecionais nalguma coisa não o fazem por acreditarem que são excecionais. Pelo contrário, elas tornam-se fantásticas porque estão obcecadas pelo aperfeiçoamento e essa obsessão vem da crença de que ainda não o são, o que os leva a esforçar-se mais e mais, pois sabem que só com o trabalho, esforço e sacrifício é possível ambicionar tal desígnio. Toda esta história de que “toda a gente pode ser extraordinária e atingir grandeza” não é mais do que uma mentira piedosa para fazer cócegas ao ego de cada um, a nova miragem do mundo ocidental.

A receita para a nossa saúde emocional é aceitar verdades correntes como “As tuas ações, na verdade, não contam assim tanto no grande esquema das coisas” ou “A maior parte da tua vida será monótona, de rotina, anónima e sem nada digno de nota e isso não é um problema”. Vai saber muito mal reconhecer que não seremos extraordinários, mas depois seguimos em frente já sem essa pressão constante de ter de ser fantástico. E vem a consciência e aceitação da nossa existência neste mundo, livres para fazer o que desejamos, sem críticas nem as expectativas altas. E pode-se apreciar melhor os prazeres da amizade simples, de criar alguma coisa inclusive os filhos e uma família, de rir com alguém que se ama, de dar tempo aos outros.

Parece chato para quem se farta de ouvir falar constantemente nos excecionais e fantásticos, mas já há muito que se confirma a teoria de que a felicidade está nas coisas simples, nas coisas vulgares da vida. Porque, vendo bem, são aquilo que na verdade importa …

Mas não esqueçamos que, a qualquer momento da vida, podemos ser chamados a ser simplesmente extraordinários, se o acaso nos tornar em “cuidador informal” de um filho, esposa, marido, outro familiar ou até amigo. Tal como o são hoje centenas de milhares de portugueses. Quando confrontados com o drama de uma doença incapacitante, de acidente ou deficiência de alguém que lhes é próximo, arregaçaram as mangas e sacrificaram a sua vida pessoal e profissional por amor incondicional ao colocarem os interesses do “outro” à frente dos seus, já que foram esquecidos por quem de direito. Tem um custo? Se tem! Mas vai sentir-se recompensado se o fizer de alma e coração. E então, quem o conhecer vai achá-lo verdadeiramente “extraordinário”.                                                   Faço-lhe um aviso prévio: Não fique à espera de que a comunicação e as redes sociais promovam o seu desempenho porque o consideram extraordinário. Esqueça. Não o vão fazer. Porque para eles isso não vende, não é negócio, não dá dinheiro … 

A “família alargada” e a comunidade

Quando acabei o curso fui fazer o estágio em Angola pois as condições oferecidas pelo estado eram excelentes quando comparadas com o que se pagava por cá, provavelmente com intenção de fixar técnicos naquela “província ultramarina”. Viagens pagas no paquete Infante D. Henrique e com um salário cinco vezes maior do que recebia aqui no “continente”, não exitei e foi uma experiência que me marcou para a vida. Chegado a Angola com mais de uma dezena de colegas, tocou-me fazer o estágio no Instituto do Algodão e tive de passar por Catete, Malange e a Baixa de Cassange, uma região imensa e com aptidões excecionais para a cultura. Viria a acompanhar um grupo de nativos numa experiência onde era atribuída uma parcela de terreno para cultivar algodão a cada um, seguindo as orientações dos técnicos e sendo-lhes fornecidos todos os meios para levarem a cultura da sementeira à colheita e até ao mercado. Quando o algodão estava pronto para ser apanhado, a empresa Cotonang que tinha a concessão exclusiva da compra do algodão na região, instalou na aldeia um ponto de recolha da produção. Cada agricultor levava os fardos de algodão, eram pesados, classificados em função da qualidade (com critérios duvidosos pois só havia aquele comprador) e o seu valor era pago imediatamente ao produtor.                                                                     De repente, um nativo que em geral não tinha nada, via-se na posse de bastante dinheiro. Foi então que eu vi uma coisa espantosa: com o dinheiro na mão, o agricultor era logo rodeado por inúmeros familiares, alguns deles vindos de muito longe, filhos, irmãos, tios ou primos, homens ou mulheres, e dirigiam-se para um largo onde estavam os comerciantes (brancos) com todo o tipo de coisas para vender, desde comida e bebida para celebrar como não podia deixar de ser, a roupa, calçado, relógios, rádios, óculos, tudo o que se possa imaginar nessa época distante. Para as mulheres havia panos coloridos para se enrolarem e as bugigangas do costume. No fim dos festejos, se sobrasse algum dinheiro da colheita era milagre. A família toda usufruía do que o agricultor conseguira, pois, os africanos têm o conceito cultural de “família alargada”. Dizem que há sempre alguém, algum tio ou primo que precisa de dinheiro e têm de ajudar. Nunca chegam a poupar nada. É a velha tradição africana: “divide o que tens com os outros membros da família, do clã, da tribo”. Aquele que viola este princípio autocondena-se ao ostracismo.                                                                                                      Achei esta tradição excecional. O conceito da “família alargada” não é só africano. Existe também na Ásia, Índia e na América Latina. Diz o escritor Gonçalo Cadilhe que “só os ocidentais é que casam tarde, divorciam-se cedo, desaparecem no anonimato das grandes cidades, põem as suas crianças no jardim-de-infância a partir de poucos meses de idade, os seus velhos nas casas de repouso e nos lares e trocam os deveres comunitários pelos prazeres individuais”. O sentimento de família, comunidade e de solidariedade perde-se num individualismo e egoísmo exacerbados, centrados no eu e não no outro.                          À nossa moda, já tivemos o conceito de “família alargada” traduzido na solidariedade das comunidades rurais quase extintas. Mas, pouco a pouco esse espírito comunitário e solidário foi desaparecendo e hoje não passa de uma memória do passado. Ficaram as instituições de solidariedade social para suprir algumas carências e passamos a olhar o estado como uma vaca onde a maioria possa mamar. Venderam-nos a ideia do Estado Providência que a todos tudo provia, mas este faliu e ficou em legado o Estado Social para servir uma sociedade egoísta e centrada em si própria, que exige tudo sem admitir que lhe peçam algo em troca e demasiadas vezes sem consciência de que é cada um daqueles que trabalha no duro que financia o sistema.                                 O que pagamos ou prescindimos de receber deveria servir para ajudar quem precisa e para termos amparo se nos virmos em maus lençóis. Mas essa lógica de precaução e visão de longo prazo sucumbiram ao individualismo, sob o comando de quem vê as funções governativas como uma saída profissional e oportunismo pessoal e não como uma missão nobre de serviço aos outros. Transformaram o meio num fim. Assim, ganhar eleições e manter o poder passou a ser o objetivo final da distribuição massiva de subsídios e o Estado Social foi inchando para tentar dar algo a todos, tornado instrumento para ajudar a ganhar eleições e a criar uma sociedade de dependentes do estado.                                                                                                                   Para os que de facto precisariam de ser apoiados e não tendo a chamada “família alargada” a quem recorrer, vai sobrando cada vez menos, o que aumenta o fosso entre os que têm alternativa e vontade de fazer e os que ficam à espera do que alguém decide que merecem.                                   Entretanto exigimos equilíbrio entre vida pessoal e profissional, mas quase não estamos disponíveis para atender um pedido de ajuda de um colega aflito. Recusamos trabalhar ao fim de semana, mas exige-se que nos levem as compras à porta ao domingo à noite. Queremos que a justiça castigue aqueles que roubam, enganam e prevaricam, mas praticamos e promovemos a cultura do jeitinho, partilhando favores, músicas, filmes, jornais e passwords, e alimentamos uma economia paralela quando arranjamos o carro ou fazemos obras sem fatura. Recusamos aceitar empresas que não promovam a sustentabilidade, mas não queremos pagar mais pela embalagem de vidro ou pelos produtos biológicos. Pregamos a economia circular e a luta contra o desperdício, mas não descansamos enquanto não tivermos o novo iPhone apesar de possuir o modelo anterior ainda novo. Recusamos as roupas, calçado e outros artigos da moda do ano anterior apesar de boas para comprar o que a moda dita, como recusamos quase sempre os restos do jantar da véspera sem olhar ao desperdício contra o qual berramos. Estamos na primeira fila na luta pelo meio ambiente e pela defesa dos recursos naturais, mas desperdiçamos água, eletricidade, alimentos, montanhas de roupas e tantos outros bens como se não houvesse amanhã. Todos queremos viver melhor, com mais conforto e qualidade de vida e por isso exigimos mais direitos, condições de vida e respostas para todos os nossos problemas. Mas poucos estarão dispostos a procurar ser, eles próprios, agentes ativos da mudança, o exemplo daquilo que apregoam com veemência, mas sem coerência. Porque somos muito exigentes com os outros, como se eles fossem os únicos responsáveis e negligenciamos as nossas responsabilidades como se isso não fosse também connosco. Poucos reconhecem que a sua ação, parecendo insignificante, pode ter efeito imediato e reflexo nos outros. E ainda mais escassos os que, sabendo-o, estão dispostos a agir. Sobretudo se o dano não os toca diretamente. Que importa que haja pessoas que cegaram e se tornaram dependentes à espera de uma simples operação às cataratas, se a maioria vê bem? Quem se rala que as novas tabelas do imposto de circulação vá tirar mais dinheiro a quem tem carros antigos, se uns quantos até vão beneficiar no IRS? O que interessa a quem está a receber apoio às rendas que quem recebe pensões de alimentos só tenha direito a uma pequena fração dessa prestação, mesmo que os seus rendimentos reais sejam miseráveis?  Sobra-nos o Estado Social que deveria prover só a quem precisa e não ser “fonte de produção” de dependentes do estado tornando aquele insustentável e injusto. E, por isso mesmo, com “prazo de validade” …