A importância do humor, mesmo nas coisas sérias …

Assinalou-se no passado dia 18 de Janeiro o Dia Internacional do Riso – ao que parece, há dias para tudo. Porque, dizem, é preciso chamar a atenção para como é importante rir, pois o riso contribui para o bem-estar do ser humano. As pessoas riem-se das piadas porque o humor incorpora fenómenos de identificação. Mas em Portugal, fazer piadas continua a ser motivo de críticas, de censura e a liberdade de expressão parece estar a perder-se para dar lugar ao politicamente correto. Se há limites para o humor – e há quem os queira impor – também há para a liberdade de pensamento. Se as pessoas se ofendem e isso é suficiente para proibir o humor, então deixa de haver sátira. O humor tem o seu papel na sociedade e esse papel não é só fazer rir. Também pode ser o de consciencializar, alertar e questionar através da sátira.

Sermos capazes de rir de uma piada significa que também somos capazes de identificar o alvo da mesma e assim refletir e pôr em causa o que acontece à nossa volta. Quando se fazem piadas acerca da política, o foco não é a política, mas a piada e se a piada atinge dimensão, a culpa não é do autor. A verdade é que o humor tem a capacidade de ridicularizar as situações e de fazer pensar acerca da realidade.

Quando rimos, libertamos tensão, beneficiamos de um certo alívio, reduzindo, através das gargalhadas, emoções negativas como a raiva e frustração, a tristeza e a dor. É uma forma socialmente aceitável de manifestar as nossas fragilidades, inclusive de ocupar a mente com emoções positivas sem espaço para problemas e medos.

Quase ninguém ficou indiferente ao slogan publicitário do Ikea para a promoção de uma estante, associando à fotografia desta a seguinte frase: “Boa para guardar livros. Ou 75.800 euros”. Espalhados pelo país de norte a sul, os cartazes provocaram reações contraditórias, pois se muitas pessoas acharam o cartaz muito bem-humorado ao aproveitar um facto político do momento, nas redes sociais houve quem acusasse a empresa de fazer declarações partidárias com a campanha num momento de crise política, numa alusão às buscas realizadas à residência oficial do primeiro-ministro, em que as autoridades encontraram no escritório do agora ex-chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária, a quantia de 75.800 euros em dinheiro guardado em envelopes dentro de livros e numa caixa de vinho – locais bem estranhos para guardar dinheiro vivo. No entanto, o Ikea negou “ter qualquer intenção” de contribuir “para o debate partidário e para o atual contexto pré-eleitoral no país”. A verdade é que, em condições normais, ninguém estaria a comentar esta publicidade e, por isso, o truque resultou bem e a intenção da marca foi conseguida. 

A responsável pelo marketing na empresa diz que esta ação pretende retratar o próprio humor com que muitas vezes os portugueses abordam os temas mais sérios e que esta campanha bem-humorada a partir de temas da atualidade, serve para animar e divertir quem por eles passa. Para Rodrigo Freitas, especialista na matéria, a atitude foi corajosa e não afeta a marca. “É um abanar do politicamente correto e uma lufada de ar fresco dentro do espetro da comunicação dos últimos tempos, dominado pelos partidos políticos, não sendo politicamente tendenciosa e que brinca com temos “insistentemente discutidos na opinião pública”.

A publicidade à estante foi tão bem conseguida que logo outras marcas seguiram a ideia. A Moviflor promoveu o seu roupeiro com a frase: “Cabe bem mais que 75.800 euros. Mas pode levá-lo por muito menos”. Outra empresa faz o mesmo com um sofá-cama: “No Gato Preto há um esconderijo melhor”. E até o Clube de Paços de Ferreira anunciou o jogador Afonso Rodrigues como reforço de inverno, com uma frase alusiva: “Bom para a esquerda e direita. Vale mais que 75.800 euros”.

Brincar com assuntos sérios é realmente a verdadeira comédia e é ao público que cabe definir limites: Rir daquilo que acha piada e não rir do que a não tem. Porque as piadas não matam nem fazem mal. Muito pelo contrário. Fazem-nos bem, porque nos fazem rir. E porque nos fazem pensar. Algo que, se fosse dito de outra forma, não o conseguia fazer. É que o humor é a arte de fazer rir e de pensar, envolvendo o pensamento e a imaginação. E o querer condicioná-los impondo limites, a começar por factos do domínio e interesse público, é privar-nos da possibilidade de poder sorrir, rir ou, melhor ainda, soltar fortes gargalhadas tão necessárias em tempos de paz, que são ainda mais imperiosas e necessárias nestes tempos conturbados de guerra e pandemia!