O sucesso depende da altura da fasquia …

O general americano Colin L. Power disse: “Não há nenhum segredo para o sucesso, pois é o resultado da preparação, trabalho duro e de aprender com o fracasso”. Mas o “ter sucesso”, também depende da “bitola” pela qual nos regemos para poder dizer que a alcançamos ou não. Para a maioria dos portugueses da minha geração, conseguir ter uma família, um trabalho estável, um automóvel e uma casa com boas condições de habitabilidade, já era sinónimo de sucesso. No entanto, para quem se pautou por um nível de exigência que implicava viver num palácio, andar de Ferrari e ser milionário, o mais provável terá sido considerar-se um falhado ainda que tenha vivido bastante bem.

Em 1983, um jovem e talentoso guitarrista foi expulso da sua banda e da pior maneira. A banda acabara de assinar um contrato com uma editora e estava prestes a começar a gravar o seu primeiro álbum. No entanto, poucos dias antes de iniciar as gravações, a banda mandou o guitarrista embora, sem aviso, sem discussões, sem grandes dramas. Enfim, só o recambiaram, oferecendo-lhe um bilhete de autocarro de regresso a casa. Sentado no autocarro que o levava de Nova Iorque de volta a Los Angeles, o guitarrista não parava de se interrogar: Como foi que isto aconteceu? Que fiz de errado? Agora, que vou fazer? Teria perdido a única oportunidade da sua vida?

Porém, quando o autocarro chegou a Los Angeles, jurou fundar uma nova banda, ultrapassando a pena de si próprio. E decidiu que essa banda teria tanto sucesso, que os parceiros da antiga lamentariam para sempre a sua decisão. Tornar-se-ia tão famoso que eles iriam vê-lo na televisão, ouvi-lo na rádio, ver os seus cartazes nas ruas e as suas fotografias nas revistas durante décadas, além de estar a tocar rock em grandes estádios com transmissão direta pela TV. E assim, o guitarrista trabalhou como ninguém, passando meses a recrutar os melhores músicos que encontrou, muito melhores que os colegas da antiga banda. Escreveu muitas canções e praticou, praticou. A cólera aumentou-lhe a ambição e a vingança passou a ser a sua musa. E foi assim que cerca de dois anos depois a banda assinou contrato com uma editora e um ano depois o seu primeiro disco tornou-se disco de ouro. O nome do guitarrista é Dave Mustaine e o seu novo grupo era a lendária banda de heavy metal Megadeth.

Os Megadeth venderiam mais de vinte e cinco milhões de álbuns e dariam várias voltas ao mundo em digressão, sendo Dave Mustaine considerado hoje um dos músicos mais brilhantes e influentes da história do heavy metal. No entanto, numa rara entrevista intimista em 2003, um choroso Mustaine confessou que não podia deixar de se considerar um fracassado. É que, a banda da qual fora expulso era os Metallica, que venderam mais de cento e oitenta milhões de álbuns em todo o mundo, sendo considerados por muitos como uma das melhores bandas de rock de todos os tempos. E, apesar dos mais de vinte e cinco milhões de álbuns vendidos e das muitas digressões que os levaram a todos os cantos do mundo com espetáculos esgotados e das receitas fabulosas que fizeram dele um homem muito rico, Dave Mustaine sentia que não tivera sucesso e era um fracassado. Seria caso para qualquer um de nós desatar a rir, mas é verdade. O erro dele foi colocar a sua “fasquia” do sucesso acima daquilo que os seus antigos companheiros iriam alcançar. E teve azar. O que mais não era que um desejo de vingança, impediu-o de colher os louros do sucesso alcançado, mas que, para ele, não passava de um fracasso.

Somos macacos. Pensamos que somos muito sofisticados nos nossos carros topo de gama e sapatos de design, mas não passamos de um bando de macacos aperaltados. E, sendo macacos, comparamo-nos instintivamente com os outros macacos e ambicionamos estatuto. Mas a questão também não é se nos comparamos com os outros, mas “qual o padrão que usamos para nos avaliar a nós mesmos”. Dave Mustaine, quer se apercebesse disso, quer não, escolheu avaliar-se por comparação com o sucesso e a popularidade dos Metallica. Apesar de, partindo de uma ocorrência horrível na sua vida ter feito algo muito positivo como os Megadeth, a decisão de se agarrar ao sucesso dos Metallica como critério para definir o sucesso da sua vida continuou a magoá-lo décadas depois. Apesar de todo o dinheiro, dos fãs e dos elogios de todo o mundo, ainda se considerava um fracasso.

Vem isto a propósito de uma longa conversa com um jovem de pouco mais de 30 anos que conheço há muito e sonhava que um dia seria futebolista de sucesso a jogar num dos clubes grandes de Portugal. Foi subindo de escalão em escalão, mas nunca veio a ser requisitado por nenhum deles, terminando a carreira desiludido. Ele e o pai, o mais frenético crente de que o seu rapaz haveria de atingir o topo, ficaram desiludidos, apesar de ele ter chegado ao segundo escalão nacional. Mas consideram isso uma derrota, apesar das suas boas prestações. O seu erro (e do pai), foi impor à partida que teria de chegar lá acima, em vez de ir sonhando passo a passo sem colocar a fasquia demasiado alta. E a pressão que o pai colocou sobre ele não ajudou. 

É bom ser ambicioso e fazer questão de lutar pelos seus objetivos, mas há que ter os pés no chão e perceber que há uma legião enorme na base da montanha, mas só alguns, poucos, chegarão lá acima, ao ponto mais alto, sem que isso deva ser um trauma. É que, conjugar talento com trabalho, oportunidade e, quiçá, alguma sorte, só será para alguns em todos os aspetos da vida, se bem que todos temos a obrigação de tentar e dar o nosso melhor. E isso, só por si, já é merecedor de respeito …