Sou avesso às redes sociais …

A internet tornou-se essencial nas nossas vidas e as redes sociais criaram um espaço infinito na circulação livre de ideias e opiniões e podem ser grandes aliadas se bem utilizadas. A sua importância é inegável pois estão cada vez mais presentes na vida das pessoas de todas as idades, raças e credos. Diz-se que é praticamente um vício coletivo, uma mania universal. E até as empresas tiveram de aderir e mudar a sua postura para “fazer pela vida.

Durante o jantar um conhecido perguntou-me: “Posso ser seu amigo no facebook”? Respondi: “Não, não pode”. E calei-me. Mas para não o deixar a pensar no que não devia, concluí: “Não, porque eu não uso as redes sociais”. Então expliquei que o meu filho mais velho até chegou realmente a “abrir-me uma conta” no facebook, mas nunca acedi a ela e nem quis nem quero saber como o fazer. Diria que tenho uma certa alergia, mas vivo e convivo bem sem elas, apesar de ser questionado de vez em quando por não as usar, como se fosse um extraterrestre.

Provavelmente serei considerado um “troglodita” por me recusar a usar uma ferramenta que é considerada fundamental e indispensável a qualquer cidadão de hoje, mas não me importo de correr esse risco. Nunca postei fosse o que fosse, a que título fosse, sentado no sofá ou diante das Cataratas do Niágara, porque acho ser um absurdo expor a vida pessoal nas redes, quer sejam fotos, suas ou de familiares, nas mais incríveis posições e “figuras”, mostrar a casa, o que se faz, por onde se anda, com quem e como se anda, do que se gosta, onde se foi hoje, se vai logo e amanhã, correndo riscos que nunca se sabe onde começam e muito menos onde acabam. Mas há milhões e milhões de pessoas que o fazem todo o dia como sendo a coisa mais importante das suas vidas (se calhar é), numa dependência que já não controlam. Compreendo a necessidade que as pessoas têm de ser ouvidas, vistas, sentir o “afago psicológico” dos “likes” para os quais muitos vivem e de que sentem falta se os não recebem. De certa forma, é um modo de nos coçarmos uns aos outros ou da satisfação de sermos ouvidos. O ser humano tem a necessidade constante de receber atenção, mesmo que esta venha de desconhecidos, sendo uma das razões do sucesso das redes, que acabam por nos dar uma falsa sensação de que somos importantes para alguém pelas tais visualizações, “likes” e postagens. 

O escritor italiano Umberto Eco escreveu: “As redes sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, antes, falavam só no bar depois dum copo de vinho sem causar qualquer dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um vencedor do Prémio Nobel”. Nas poucas vezes que me dei ao trabalho de ler as opiniões dos participantes na discussão de um ou outro tema, é incrível como qualquer ignorante se permite emitir opinião sobre aquilo que desconhece. Se o assunto é sensível, como é o caso especial da política, futebol ou religião, os ânimos exaltam-se, a conversa rapidamente vira insulto e agressão verbal, num “chiqueiro virtual” em que a única coisa que se pode aprender é a ser grosseiro, mal-educado, provocador e estúpido. 

A internet e as redes sociais tornaram-se muito importantes, mas, a reboque, aí se instalaram “tribunais instantâneos” onde tão depressa se fazem heróis como afundam reputações, tantas vezes sem nada ter a ver com a realidade. Ali tanto se pode encontrar gente boa, sábia e brilhante, como estúpidos, maldosos, quando não criminosos e o que se toma por inocente pode virar um problema sério, especialmente pelo excesso de exposição pessoal. A exposição exagerada não tem causado só problemas de segurança com golpes, violência, fraudes e até sequestros, como tem gente que, por postar mais do que devia, acabou por perder o emprego, amigos ou foi parar a tribunal.

Um programa televisivo brasileiro montou uma tenda num shopping onde selecionava pessoas para uma consulta com um falso “guru”. A curiosidade fez com que muita gente se inscrevesse, fornecendo os dados de identificação. Enquanto aguardavam pela “consulta” com o “guru”, um grupo de assistentes do programa acedia às redes sociais para pesquisar todos os detalhes sobre a vida pessoal de cada um dos inscritos. Era assim que o falso “guru”, com um pequeno auscultador no ouvido, recebia as informações sobre cada um e desempenhava o papel de “visionário”, deixando-os de boca aberta e perplexos com o grande número de detalhes revelados pelo “guru”, chegando a ficar emocionados. E no final, já informados pela realização do programa que todos os dados sobre as suas vidas haviam sido recolhidos nas redes sociais, ficavam surpresos e assustados pela grande exposição, bem como pela consequente falta de privacidade e segurança.

De forma geral, toda a gente sabe (ou devia saber) que a internet não é o lugar mais saudável do mundo. Através das redes sociais ela criou espaço para comunidades e trocas incríveis, embora em simultâneo tenha dado vazão à intolerância e discurso do ódio. O seu poder é tão grande que consegue a rápida mobilização de pessoas concentradas num determinado evento ou objetivo, seja para o bem ou para o mal. Foi assim com a “Primavera árabe”, como tem sido em muitas outras mobilizações e movimentos cívicos. 

Vale a pena refletir um pouco sobre o poema bem-humorado do poeta brasileiro Braulio Bessa:

“Lá nas redes sociais, o mundo é bem diferente. Dá pra ter milhões de amigos e mesmo assim ser carente. Tem like, a tal curtida, tem todo o tipo de vida, pra todo o tipo de gente. Tem gente que é tão feliz, que a vontade é de excluir. Tem gente que você segue, mas nunca te vai seguir. Tem gente que nem disfarça, diz que a vida só tem graça, com mais gente a assistir. Por falar nisso tem gente que esquece de comer, jogando, batendo papo, nem sente a fome bater. Celular virou fogão, pois no toque de um botão, o rango vem pra você. Mudou até a rotina de quem se está alimentando. Se a comida for chique, vai logo fotografando. Porém, repare, meu povo: quando é feijão com ovo não vejo ninguém postando.

Esse mundo virtual, tem feito o povo gastar, dividir rolos de massa, ir prá festa, viajar e, claro, mais importante, que é ter distante, distante, um retrato para postar. Tem gente que vai pró show, do seu artista preferido. No final volta pra casa, sem a nada ter assistido, pois foi lá só pra filmar. Mas pra ver no celular, nem precisava sair.

Lá nas redes sociais, todo o mundo é honesto e contra a corrupção, participa no protesto, porém sem fazer login, não é tão bonito assim. O real é indigesto: Fura fila e não respeita, se o sinal está fechado, pensa corromper o guarda, quando está a ser multado. Depois quando chega a casa, digitando mete brava, criticando o deputado.

Lá nas redes sociais, a tendência é ser juiz e condenar muitas vezes, sem saber nem o que diz. E não é nenhum segredo, que quando se aponta o dedo, voltam-se 3 pró seu nariz. Conversar, por exemplo, conversar pra uma cela, é tão frio, tão esperto, prefiro pessoalmente, pra mim sempre foi o certo. Sou a meio disto, pois junta quem está distante, mas afasta quem está perto.

E os grupos? Tem grupos de todo o tipo, com todo o tipo de conversa, com assuntos importantes, e outros que não interessa. Mas tem uma garantia, de receber durante o dia, um cordel de Braulio Bessa. E se você receber, esse simples cordel, que eu escrevi à mão, num pedaço de papel, que tem um tom de humor, mas no fundo é um clamor e um pedido pra viver: Viva a vida e o real, pois a curtida final, ninguém consegue prever”. 

Um estudo dizia que não devemos …

Em criança, nenhuma comida tinha rótulos negativos. Podia-se comer de tudo sem qualquer restrição, desde que houvesse. Carne de porco? Toda, a começar pela “caluba”, carne gorda com cinco centímetros de altura ou mais, salgada e defumada. Uma delícia. Rojões? Os melhores eram os mais gordos, especialmente os “rojões do redenho”. Leite de vaca? Bebia-o em natureza mal saía da teta do animal ainda morno. E as doenças? Nada nos privava de beber ou comer aquilo que era tido por “comestível”. Desde bem cedo todas as crianças bebiam vinho às refeições, sempre que havia. Até as mães para calar os bebés quando choravam muito enfiavam-lhes aguardente na boca numa “boneca” (guardanapo ou um pedaço de pano enrolado a fazer de chupeta em que se punha um pouco de açúcar ou … aguardente), além do “mata-bicho” para os homens ou não, com broa bem regada a aguardente. Em resumo, toda a comida era boa para a saúde, por ser natural!!! Quase sempre só havia um problema: era pouca. E hoje? Todos os dias estamos a ser bombardeados com estudos, ensaios, informações e recomendações técnicas de numerosos e reputados nutricionistas, analistas e estudiosos de todo o tipo, a proibir, condicionar e avisar sobre os malefícios dos mais variados alimentos sólidos e líquidos, deixando-nos entre a “espada e a parede” sem saber se comer ou não ponderados os prós e os contras, como “o tolo no meio da ponte”. Já para não falar nos “estudos encomendados” por empresas com fins muito duvidosos, numa guerra de interesses que se tenta combater com base em “suposta ciência”. Assim se promove os “leites de soja” e outros do género em prejuízo do leite de vaca, a cerveja a desfavor do vinho, as margarinas contra os interesses da manteiga e por aí além, “vendendo-se” teorias a favor de quem paga mais. 

Adaptando o texto de um autor anónimo e parodiando esta moda de que, agora, toda a comida é muito perigosa para a saúde com base em “supostos estudos” de “pseudocientistas”, não posso deixar de sorrir e concordar com ele:

“A semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela!!!” São alimentos processados, fumados, perigosos para a saúde, dizia o estudo duma revista médica. “Esta semana deixei de comer queijo. “Afeta a mesma molécula que as drogas duras”. Eu não quero ter nada a ver com isso, nem ser associado a drogas por muito que goste de queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa” …

“O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro. Passei a beber só tinto que, dizia um estudo, era ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque, entretanto, saiu um estudo a dizer que, afinal, o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é mau. Comecei a reduzir no tinto talvez a pensar no hemorroidal, mas, acho que compreendem bem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Cortei nas azeitonas também, pois o estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas ou lá o que é e não parece nada bom. Andava quase só a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao meio ambiente. E como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar o peixe também, em especial no atum: está cheio de chumbo. E no bacalhau também por causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal, mas, também, acho que compreendem, não quero morrer de qualquer maneira.

Esta semana saiu um estudo a dizer que, afinal, o vinho em geral, faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa: “É sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não porque engorda e saiu um estudo a dizer que implica com uma função mais ou menos delicada. Não é a reprodutora já que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens fazendo crescer as mamas (o raio da soja!) e prejudica todas as funções. Por isso, soja nem pensar.

Leite já me livrei dele há muito. Foi, salvo erro, desde que um estudo veio dizer que o nosso corpo não está preparado para leites doutros animais. E porque a gente pode ganhar intolerância à lactose que há no leite. Por isso, leite não”. Já os sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem a questão dos resíduos de pesticidas e o problema levantado no estudo que apontava para … não sei muito bem para quê, mas não era nada de interesse e, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Carne vermelha, claro, também não. Tem gordura saturada, aumenta o colesterol e ataca o coração, diz o estudo. E é má para o intestino. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que, carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parece óbvio pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco em casa. Não chegasse o que se diz, ainda veio outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição da massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastóideo singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não, mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!

Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que soube da existência de semelhante coisa, parei com tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha, mas também acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu na semana passada dizia. É um rol, senhores, um rol e colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos …. Enfim, é a vida: os ovos, nem vê-los! Tal e qual a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos, mas agora também não se podem comer ovos…. Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom argumento e por isso e nada mais, acabei com a manteiga.

Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente, e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira …. É quando recebo um email com o título Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças. Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, duma garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal”.

Há “ratos” e há alguns Homens …

Chovia muito. As ruas começavam a transformar-se num lamaçal. Havia gente desorientada por todo o lado e um movimento inusitado em direção a Belém. Há tempo que corriam por Lisboa rumores de que a família real estaria a preparar a partida para o Brasil, mas no dia 26 de Novembro de 1807 já não restavam dúvidas a ninguém – a decisão fora, finalmente, tomada no dia anterior numa reunião do Conselho de Estado. Com as primeiras tropas francesas já em Portugal, a família real e grande parte da nobreza corria a Belém e preparava-se para deixar o país. Não eram, a acreditar na descrição feita por Raul Brandão em El-Rei Junot, cenas dignificantes. “Na véspera do embarque [que aconteceu a 27, sendo depois a partida a 29] remexe-se tudo: as roupas, as joias, as inutilidades. Na casa de este, de aquele, do Lavradio, do Angeja, do Cadaval, do Alegrete, há gritos, cólicas, desmaios, uma mixórdia de saque e de grotesco – arcas arrombadas, farrapos, lágrimas, desespero. Aferrolha-se e clama-se: – depressa! Depressa!… – Foge tudo, foge toda a gente de representação e de vergonha: fidalgos, ricos, pregadores, poetas obscenos, a corte, as damas frágeis e inúteis, as figurinhas d’encanto, e as criadas, as pretas, os anões. O drama é idêntico em todas as casas soberbas: enfardela-se, enfardelam-se de mistura objetos indispensáveis, seringas de clisteres, joias, quadros, inutilidades, vergonhas e riquezas. Depressa! Depressa!”. 

O relato de Raul Brandão é, também aqui, bem mais impiedoso, sobretudo para o príncipe regente. “Na quarta-feira à noite juntam-se as riquezas das reais capellas, de Queluz, da Ajuda, da Bemposta e as do palácio real, as preciosidades, os tesouros que tinham celebridade na Europa. É um verdadeiro saque: calcula-se que vão para o Brasil mais de 80 milhões de cruzados.” 

No dia 26, D. João junta-se à família em Queluz, e, mais uma vez, Raul Brandão traça um retrato patético do governante, que na véspera tinha sofrido “um forte ataque de hemorroidal” e que anda pelo palácio, desorientado, “de beiça caída”. O historiador José Acúrcio das Neves (citado por Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa na sua biografia de D. João VI) não o ridiculariza desta forma, mas descreve o seu estado de espírito: “Queria falar e não podia, queria mover-se e, convulso, não acertava a dar um passo: caminhava sobre um abismo e apresentava-se à imaginação um futuro tenebroso e tão incerto como o oceano a que ia entregar-se”. Chegou em seguida a rainha, D. Maria, “a louca”, a quem é atribuída a frase que, na altura, muitos consideraram como a única lúcida: “Não corram tanto, ainda vão pensar que estamos a fugir”.

Às vezes tento imaginar esta “cena pouco edificante”, só comparável ao naufrágio de um navio em que, ao sentir o perigo, “os ratos são os primeiros a abandonar o barco”. E “aqueles ratos”, não se limitaram a abandonar este barco que é Portugal, como ainda “levaram consigo” para lhes “facilitar a vida” até ao final dos seus dias, todo o “queijo” a que puderam deitar a mão e carregar, mesmo na “pressa de se porem na alheta” antes que chegassem os invasores. E o povo? E o país? Que se amanhassem sozinhos, porque o que lhes importava era salvarem a pele. Ou melhor, “o coiro”, além do “oiro”, pois um precisa sempre do outro, como se compreende.

Em contrapartida, o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky, ator e comediante tornado político, aconselhado por americanos e turcos a abandonar Kiev, a capital do seu país, durante o maior ataque das tropas russas, recusou a oferta e preferiu ficar ali com as suas forças, dizendo: “Fico em Kiev. Não me escondo. A luta é aqui”. Acrescentou ainda: “Preciso de munições, não de uma boleia”. Esta extraordinária atitude de permanecer firme no seu posto de comando ainda é mais rara se atendermos que ele é o alvo número um a abater pelos russos (e já fizeram três tentativas), a guerra é extremamente desigual pois os russos têm uma das maiores máquinas de guerra do mundo, para além de que as armas de hoje têm um poder letal muitíssimas vezes superior às armas do tempo do nosso rei D. João VI.

Apesar de ter o curso de direito, nunca exerceu e cedo se dedicou à vida de comediante, tendo mesmo para o efeito desempenhado um papel de presidente da Ucrânia. A sua ascendência ao poder é fruto dos ucranianos terem rejeitado as elites e os políticos, vistos pela população como incapazes de superar as dificuldades económicas e os escândalos de corrupção. E é este homem sem formação política que acaba por se assumir por inteiro como presidente do seu país, mostrando ao mundo que os Homens lutam pelo que é seu, não se evadem e estão preparados para dar a própria vida se a luta o exigir.

Logo ao assumir as funções de presidente disse aos elementos do governo: “Não quero a minha fotografia nos vossos gabinetes, pois o presidente não é um ícone, um ídolo ou um retrato. Ponham as fotos dos vossos filhos e olhem-nos cada vez que tenham de tomar uma decisão”. E, aquando da invasão russa que Putin julgava um passeio ele disse: “Quando nos atacar verá os nossos rostos e não as nossas costas”, numa clara afirmação da resistência firme do seu povo, com ele à frente a indicar o caminho a seguir na luta. Não se podem pedir sacrifícios à população se não se fizer parte da lista de sacrificados.

Zelensky e os ucranianos com a sua enorme vontade de serem donos do seu próprio destino mostram aos russos que recusar a opressão é possível apesar de isto ser um caso raro de David contra Golias, uma guerra julgada impossível, mas a que não viraram a cara, vindo a ficar na História como um inabalável exemplo de resistência deste século contra o poder esmagador de uma autocracia.

Podemos rever a liderança de Zedensky num parágrafo do romance Portões do Inferno, de Steven Pressfield, sobre uma batalha, quando um pequeno número de espartanos e aliados enfrentou o poderoso exército do Império Persa:  

“Um rei não fica dentro de sua tenda quando seus homens sangram e morrem sobre o campo. O rei não janta quando seus homens passam fome, nem dorme quando ficam de vigília sobre as muralhas. Um rei não torna seus homens leais pelo medo, nem compra sua lealdade com dinheiro: ganha seu amor com o suor das próprias costas e com as dores de que padece por sua causa. É nisto que consiste o fardo mais duro: um rei se levanta primeiro e se deita por último. Um rei não pede o serviço daqueles que lidera; em vez disso, presta-lhes o serviço. Ele serve aos seus homens, não os homens a ele.”

Num tempo em que a Humanidade atravessa uma crise séria de bons governantes, ele tornou-se o herói improvável que se agigantou nesta luta desigual contra um autocrata e criminoso para quem a morte de milhares de pessoas inocentes é um pormenor. Zelensky hoje é um símbolo global que mobilizou o seu povo na luta pelo direito de ser livre e viver em democracia e sensibilizou o mundo livre, como se viu

nas imagens duma mulher quando traduzia uma das suas mensagens a um Parlamento ocidental, de voz embargada com lágrimas a correr pela face, mal conseguiu dizer: “Nós sabemos exatamente aquilo que estamos a defender”. 

São mesmo problemas de … (trampa)

Os jovens de hoje é que têm razão: o local certo para se morar é na casa dos pais. E é por isso que cada vez são mais os que querem ficar por lá, até porque os pais na sua eterna vontade de os ter debaixo da asa manifestam uma satisfação enorme em tê-los consigo, se bem que na maior dos casos não possam contar com a sua ajuda para nada no que à casa diz respeito. Gostam de usufruir, mas cortar a relva não é com eles, dar uma ajuda no quintal “era o que mais faltava” e sempre que se tenta descolá-los do computador, telemóvel ou tablet e “deitar a mão” num arranjo qualquer em casa, não estão para aí virados. Ora, viver numa casa onde só se usufrua dela e não se tenha de dar algum contributo ainda é melhor do que viver num hotel. Se calhar, também nunca deveria ter saído da casa dos meus pais. O meu quarto ainda lá está, ainda tenho a mãe (com muita idade) e uma irmã para tomarem conta da “barraca” e não tinha de ser escravo da minha. 

Entrei logo com o pé errado quando a casa começou a ser construída pois saiu-me um empreiteiro “de carregar pela boca” e tive muito mais problemas do que se tivesse sido eu a construí-la (não sendo eu “da arte”, fiz com um jornaleiro que também não o era, a construção dos anexos e que, até à data, ainda não me deram problemas). Já não posso dizer o mesmo da casa. Mas só dei conta disso quando já era tarde e depressa cheguei à conclusão a que muita gente que se mete nessa aventura chega: só devia começar a construí-la quando estava a ficar pronta. Mais ainda nesse tempo em que o conhecimento sobre a matéria e os sistemas construtivos estavam muito aquém dos dias de hoje. 

Não valendo a pena falar sobre a odisseia que passei durante a fase de construção, depois de alguns meses de uso tive o primeiro caso. Pelo Natal juntei aqui quase toda a família, parte dela vinda de longe, numa consoada que também era para lhes mostrar a nova habitação. No dia 25 de Dezembro, quando já estávamos à mesa, alguém detetou um cheiro estranho que vinha da cave e veio chamar-me a avisar do sucedido. Saí da mesa e fui tentar descobrir a causa desse eventual incidente. Mas não foi preciso procurar muito pois o problema estava a meus pés. Quando desci as escadas e entrei na garagem, senti que o pavimento estava inundado. Foi assim que dei de caras com um lago de trampa a sair de uma caixa de visita que o “construtor inteligente” havia deixado no meio da divisão e que, devido ao baixo diâmetro do tubo de esgoto e à fraca qualidade da construção, entupira no curto espaço de poucos meses. Ainda hoje revejo a interrupção do almoço daquele Natal, a meter o nariz num pivete de dar volta ao estômago e, de galochas, a arrancar a tampa da caixa de visita que quase se não via naquele lago de porcaria, para resolver o que se pode dizer com toda a propriedade, ser um “problema de merda” ….

Mas muitos outros foram aparecendo e o primeiro a ser recrutado para “apagar o incêndio” era sempre eu. E, “não sendo de nenhuma das artes”, lá fui “atamancando” quando o problema tinha solução ao nível do meu conhecimento. No caso do meu nível de incompetência ser superior à capacidade de resolução, deixava, e deixo, para os que sabem “da poda”. 

O esgoto da banca de cozinha entupiu e lá fui chamado para resolver o problema. É o costume. Nem a água quente, nem aquele líquido que é apropriado para desentupir foram solução. Então, entrei de serviço. Desmontei o sifão e limpei-o, mas não foi suficiente. Desmontei até à parede o tubo de esgoto, limpei o lodo acumulado em baixo e enfiei um cabo de aço pelo tubo dentro, mas não entrou mais que um metro sem fazer a água correr. Fui ao lado de fora da casa e abri a caixa de visita mais próxima da cozinha e, com a mangueira, meti água à pressão, saindo algum lixo. Usei ainda uma “verguinha” de ferro para desentupir o tubo, mas só conseguia entrar até chegar à parede da casa. Continuava entupido. A minha função como canalizador chegou ao fim e passei a proprietário duma casa com um problema. Telefonei ao picheleiro, que fez o favor de me arranjar alguém para vir a minha casa nesse sábado. Veio um rapaz amigo, o João que, depois de ver o que eu já tinha feito, experimentou uma coisa diferente. Foi à caixa de visita onde eu tinha ido, introduziu a mangueira no tubo de esgoto com a água de pressão como eu o tinha feito, mas fez algo mais, pois embrulhou a mangueira com um pano enrolado, tapando o tubo e evitando o retorno, fazendo com que a água à pressão forçasse o caminho até á banca. E resultou, provocando uma inundação de lodo e água suja na cozinha. Quem sabe, sabe. No final, o comentário do João foi só este: “O esgoto da banca é o que está mais sujeito a lixos, gorduras e todo o tipo de detritos. Por isso, o diâmetro do tubo devia ser, no mínimo, de 90 ou mesmo de 120 para não entupir como foi o caso. Como o normal é colocarem tubo de 50, quando não de 40, isto acontece todos os dias e ninguém aprende. Se soubessem o número de vezes que eu tenho de desentupir estes tubos, aprendiam com certeza”.   

É verdade, já ouço há muito tempo que das coisas a ter mais cuidado na construção de uma casa deve ser com tudo o que fica enterrado: tubos de água, eletricidade, gás e esgotos. E destes, especialmente a água e, mais ainda, os esgotos, porque cheiram mal. Este caso que me aconteceu há dias foi um exemplo do que não deve ser feito quando da construção de uma casa. Felizmente hoje a capacidade técnica nas especialidades das construções é muito melhor e até o conhecimento para o acompanhamento e fiscalização nada tem a ver com aquele de que me podia valer então. No entanto fica o alerta para quem cai na asneira de deixar o “bem-bom” teimando em deixar a casa dos pais e arriscar construir uma moradia: cuidem-se, para que os problemas que vêm a caminho sejam em menor número. Porque virão sempre …   

Nota – Já esta crónica estava pronta a ser enviada ao jornal quando me chamaram da cozinha: o esgoto da banca voltou a entupir. Tive de entrar de serviço. No entanto aprendi a lição que o João me ensinou e desta vez injetei a água à pressão a partir da caixa de visita, com um velho trapo a ajudar no bloqueio do retorno. Quando senti a pressão no máximo e depois o alívio, ouvi um grito vindo de casa: inundara a cozinha com água suja. O defeito continua e só mesmo a substituição do tubo por um de maior diâmetro como aconselhou o João impedirá que isto volte a repetir-se. E o que tem que ser, tem muita força … 

O medo é um “papão” que nos limita

Diz a ciência que o medo funciona como um mecanismo de defesa que nos protege dos perigos e que é essencial na nossa vida. Porém, quando mal-usado, o medo limita-nos no que fazemos. Somos muito condicionados pelo medo das crenças em que vamos acreditando e quantas vezes deixamos de fazer algo que poderia mudar a nossa vida só pelo medo de arriscar. Se formos ver o que está por detrás desse medo, na maior parte das vezes é algo que nos foi dito em criança e que mais tarde acaba por se tornar num limite. Quantos pais não disseram aos filhos pequenos “se não comes, vou chamar o papão” ou algo usado na minha infância “se te portares mal, vem aí o homem do saco e leva-te”, já para não falar dos que a dada altura da vida ouviram: “nunca vais ser ninguém”. Com estas e outras palavras muitas vezes fica no subconsciente um medo que irá condicionar a vida do futuro adulto. E quando temos medos devido à educação que recebemos, maiores serão as dificuldades em tomar consciência do quanto esses medos moram na nossa mente. Ora, o problema é que a maioria de nós nega e não assume os medos que tem, não sendo essa a melhor forma de os ultrapassar.

São muitos os medos que nos assolam, uns que ganhamos em criança e outros ao longo da vida. Daí haver o medo de conduzir, das alturas, de envelhecer, do escuro, de alguns animais, de perder familiares, de descer escadas, de dormir e morrer, de agulhas, de falhar e até dos palhaços. Mas quase sempre temos medo do que desconhecemos. É caso para perguntar quem nunca sentiu fisicamente o medo, seja com a respiração acelerada, enjoos, palpitações do coração, suores frios, tremores e outras alterações físicas?

O grande segredo dos treinadores com maior sucesso em diversas modalidades está em conseguir que os seus atletas se superem ao fazer com que percam o medo de falhar e partam para o jogo com autoconfiança e mentalidade vencedora. Porque aqueles que têm medo de errar, de rematar, de não marcar, estão condenados a não ter sucesso.  

Hoje, mais que nunca, vivemos numa sociedade que fomenta o medo e que nos condiciona a todos, consciente ou inconscientemente, de uma ou outra maneira. Então os últimos dois anos têm sido um maná para todos aqueles que lucram com o negócio do medo. Primeiro, foi a pandemia e agora é a guerra na Ucrânia. Olhando para trás, quais foram as consequências desses noticiários longos onde quase só se falava de Covid-19 com todos os dados sobre infetados, internados em hospital e mortos, qual a evolução de ontem, hoje, a previsão dos dias seguintes da pandemia e as medidas, contramedidas, planos de combate que no dia seguinte já não o eram? Enfim, um verdadeiro massacre que trouxe o medo a grande parte da população, quando não pânico. E com isso comprou-se máscaras, gel desinfetante, álcool, luvas, lixivia e quantos produtos mais para lavar, ensaboar, limpar, desinfetar e proteger. Armazenou-se de tudo, do papel higiénico aos alimentos, sendo que em muitos produtos nem se discutia o preço pois o que era importante “era que houvesse”. O medo do Covid-19 até levou a que um elevado número de casais trocasse a cidade pela aldeia e o apartamento pela moradia.

E a consequência foi consumir-se muita medicação, especialmente ansiolíticos. Já há muito tempo que o medo não era tão bom negócio nem rendia tanto dinheiro. E não foram assim tão poucos os que se aproveitaram da situação.

Ainda nem sequer saímos da pandemia e já chegava um novo medo a ser “vendido” em doses maciças pela imprensa e não só: A guerra na Ucrânia. Depressa passamos a ser bombardeados com os telejornais quase só dedicados ao tema, programas ditos de informação sobre a guerra, além dos diretos a partir da Ucrânia, com doses a triplicar de medo ensacado para ficarmos a remoer durante a noite. Como se não fosse suficiente, impingem-nos alguns comentadores especializados, estrategas de guerra e as antevisões de como esta pode evoluir, quais as baixas dos dois lados (se é que alguém sabe) e das possibilidades de um dia bater à nossa porta. E além disso, as consequências para o nosso bolso com o aumento dos combustíveis (sem que nenhum dos inteligentes explique como foi possível aumentar o preço do produto que foi comprado há três meses atrás ao mesmo preço do que nos era vendido antes de começar a guerra), das matérias-primas que estão a ir pelo mesmo caminho e a consequente subida de tudo que usamos no dia a dia. 

E ao ver a nossa vida andar para trás somos assaltados pelo medo dum amanhã desconhecido (e temos medo de tudo o que não conhecemos). O medo diz-nos para açambarcar produtos porque amanhã serão mais caros e, pior, pode não haver. Há até quem tenha pensado em construir um abrigo subterrâneo para a eventualidade de guerra nuclear, comprando desde já comprimidos de iodo (pouco deve haver já nas farmácias). Alguém ganha muito com o aumento dos preços, a começar pelo estado, que se aproveita para sacar mais dinheiro aos contribuintes. E a estes, que não têm a quem ir buscar o que lhe tiram, só lhes resta gastar um pouco (ou muito) mais nessa medicação específica para quem sofre de medo, stress, depressão e esgotamento e para acalmar as crises de ansiedade.

Nesta era tão imediatista em que vivemos, o medo tem potenciado grande parte das crises emocionais que a nossa sociedade sofre. A informação demasiada sobre algo que nos ameaça, o desconhecido que temos de enfrentar ou não, dá cabo da nossa saúde mental pois injeta-nos o medo diariamente e a toda a hora que, como dizem os brasileiros, “é dose p’ra caramba” … 

Neste tempo de exceção, o bom senso e a nossa sanidade mental recomendam que se desligue a televisão sempre que nos vêm vender mais informações sobre a guerra, pois todos já percebemos que é injusta, imoral e criminosa. Pelo contrário, devemos ter o coração, os braços e a mente abertos para receber e ajudar os ucranianos até ao limite das nossas possibilidades porque são vítimas inocentes duma mente cruel, sem nos deixarmos arrastar para o medo daquilo que não conhecemos e que só nos limitará e fará sofrer. E por tudo aquilo que tenho visto, sinto grande alegria pela vaga de solidariedade que tem percorrido o país de norte a sul. Dessa, sim, não teremos que ter medo, mas sentir um orgulho enorme …   

Perder a mulher sem saber como …

A maioria das pessoas tem consciência que os homens são diferentes das mulheres e que, quando se quer que ambos se comportem no dia a dia da mesma forma, é um absurdo que pode acabar mal. Conheci o João e a Catarina quando começaram a namorar e cedo assumiram o compromisso de colocarem toda a sua dedicação e empenho para eliminar as diferenças que existiam entre eles e que os incomodava. Enquanto o João era desorganizado, introvertido, estudioso e sério, a Catarina pode-se dizer que era precisamente o inverso. Daí a vontade de mudarem para contentar o outro. Na realidade o que conseguiram foi perceber que cada um tinha a sua individualidade e, com o tempo, ela começou a reclamar cada vez menos dos “defeitos” dele e aceitar a sua “desarrumação organizada”, o não ouvir nada do que ela dizia quando via futebol ou um filme na televisão e não dar conta de tantas coisas que se passavam à sua volta. Da parte dele também se ajustou fazendo “ouvidos de mercador” às resmunguices crónicas dela e, com essa aceitação, casaram anos mais tarde e têm uma excelente relação, se bem que ela nunca deixou de se irritar quando ele deixa as tralhas espalhadas pela casa.

Fingir que homens e mulheres são iguais é não querer ver a realidade e, além de ser injusto, é um mau serviço aos dois. Eu tenho noção que muitas vezes quando estou com a atenção numa coisa não ouço mais nada, mas também não fico tão fora da realidade como o António: 

O médico da Joana prescreveu-lhe uma cintigrafia na última consulta, um exame clínico para conseguir descobrir o problema que a aflige. Para o realizar através do SNS só viria a encontrar na Vila da Feira uma Clínica com acordo. Não sabendo onde ficava a Clínica, pediu à nora que pesquizasse na internet qual o caminho para lá chegar e ela assim fez, dando-lhe como referência o Hotel IBIS da cidade que era mesmo em frente. E foi o marido António que a acompanhou e levou na sua carrinha. Já perto da cidade pediram ajuda a um motorista que estava parado na berma da estrada pois não tinham bem a certeza do rumo a seguir, dando como referência o Hotel. Depois, numa rotunda, o António apercebeu-se de uma placa a indicar o IBIS, parando só um pouco mais adiante. Disse à mulher: “Vi ali atrás uma placa do Hotel e vou ver o que diz”. Saíram os dois da carrinha e, enquanto o António voltou à rotunda ver da placa, a Joana dirigiu-se ao casal que estava a entrar no carro uns metros adiante para pedir a informação. Quando ela os interrogava, estranhou a cara de espanto que os dois fizeram ao olhar na direção da carrinha e só se apercebeu da razão ao voltar- se para regressar à viatura: a carrinha tinha desaparecido. Da viatura e marido, nem sinal. Não se preocupou, pois lembrou-se que o nível de combustível estava a chegar à reserva e ele devia ter ido abastecer ao posto de combustível localizado um pouco mais abaixo. Caminhou nessa direção e quando pôde ver completamente o posto percebeu que a carrinha também não estava lá. “Onde é que aquele homem se meteu”, pensou ela?

Ora quando o senhor António foi junto da placa e viu para onde tinha de seguir, regressou à carrinha, sentou-se ao volante e arrancou de olhos na estrada, indo diretamente ao IBIS que ficava relativamente perto. Chegou, parou e disse: “Já cá estamos junto do Hotel e a Clínica deve ser aquela”. Foi quando se voltou para a mulher, supostamente sentada no assento a seu lado. Qual não foi o seu espanto ao ver que a Joana desaparecera como que por magia, ali mesmo do seu lado! Não querendo acreditar, olhou para a parte de trás da carrinha com a leve esperança dela estar lá metida. Mas também não estava lá. Sem saber o que fazer, acabou por descobrir que tinha de voltar à rotunda, mas estava desorientado e já nem sabia como lá chegar. E foi só depois de algumas transgressões, de atravessar o traço contínuo e quase chocar com outra viatura, que conseguiu chegar à rotunda e reaver a mulher perdida sem saber como – e que teve mais bom senso do que ele ao esperar no local onde a abandonara, sem ele conseguir explicar como tudo acontecera. À distância, concluí que o António, focado na direção a seguir, deixou de ver tudo o resto que estava à sua volta, inclusive a mulher. É o tal problema dos homens: só conseguem fazer uma tarefa de cada vez. E de tão focado na sua tarefa, ela saiu-lhe do radar …

É certo que os homens também são mais distraídos e esquecidos do que elas. Nós não nos damos conta de muitas coisas que se passam à nossa volta e que são motivo para elas se irritarem, porque nada lhes escapa e até acham que nós temos a obrigação de ver tudo aquilo que elas veem. É normal nessas ocasiões “ouvirmos” o que não gostamos e ficamos com cara de parvos a perguntar: “O que é que se passou aqui”? 

Recordo com saudade um conceituado advogado local que um dia foi ao Porto com a esposa e só quando regressou, entrou em casa e perguntou a um dos filhos onde estava a mãe, é que “soube” que se esquecera dela. E ainda quando um dia viajava de carro com ela e os filhos, como uma das portas de trás ia mal fechada um deles abriu-a e bateu-a com alguma força para ficar bem fechada. E ele, agarrado ao volante, perguntou: “Quem foi que entrou”?  

Também quem ia muito atento a conduzir a sua velha motorizada era o João “Tralha”. Saiu de casa com a mulher atrás a caminho de Ribas. Ao aproximar-se de uma curva mais apertada pôs a cabeça de lado e gritou para a mulher poder ouvir: “Agarra-te a mim para não caíres nesta curva”. Mas a curva aproximava-se e ele não sentiu o abraço da mulher. Já ia “barafustar” com ela quando se lembrou de olhar para trás e viu que a mulher desaparecera. “Onde é que se meteu a minha mulher?”, interrogou-se ele. E deu meia-volta, indo encontrá-la a uma boa distância. Tinha caído abaixo da motorizada sem que ele desse por isso quando teve de parar no entroncamento e depois arrancou de repente. Se não fosse aquela curva apertada, chegaria ao destino sem saber como é que a sua mulher se “evaporara” …

Nós homens somos assim e querer que seja diferente é pura ilusão, é esperar o impossível. Quero acreditar que os casos citados não são assim tão comuns, pois não deve haver muita gente por aí a perder a mulher sem saber como nem onde. Imagino que são muitos mais os que as perdem a saber quando, como, onde e porquê …

Sejamos solidários com a Ucrânia …

Nas minhas orações da noite passou a constar o agradecimento por todas as pequenas (ou talvez grandes) coisas de que usufruímos no dia a dia e que não costumamos valorizar porque as consideramos uma espécie de “direitos adquiridos”: o ter um teto para me abrigar, abrir uma torneira e ter água canalizada sem me preocupar de onde vem, tocar no interruptor e jorrar luz como se fosse dia, ter comida no frigorífico e na despensa, poder sair à rua em segurança e sem receio de ser atacado, encontrar a vida da comunidade onde vivo bem organizada e poder comprar tudo o que preciso (ou não), sejam produtos ou todo o tipo de serviços. Mas, sobretudo, viver em paz e segurança. E passei a incluir esse agradecimento a Deus ao pensar no povo da Ucrânia e aquilo por que estarão a sofrer, pois julgo que há algumas semanas atrás também eles estariam convictos que esses seus “direitos adquiridos” lhes pertenciam e eram intocáveis. Só em momentos como os que eles estão a viver devemos perceber como tudo é tão transitório e vulnerável e em como de uma hora para a outra o certo passa a incerto ou inexistente, incluindo o direito à vida. 

Tenho tentado imaginar como será se num instante assim a minha segurança, da família e do meu mundo, que eu dou por adquirida, se perder por completo no meio de uma guerra saída do nada e passar a viver entre tiroteios, explosões, carros de assalto, comboios militares, bombardeiros, misseis e dezenas ou centenas de milhares de homens armados e preparados para matar a troco de nada. Que fazer no meio de um pandemónio desses, sujeito a ver a minha casa desfazer-se na explosão de um míssil e não ter sequer água, eletricidade, alimentos, combustível nem condições básicas de vida, quando o importante é salvar a pele escondido numa cave, fugir para onde a loucura ainda não ande à solta? Ao olhar as imagens e ouvir os relatos do que se passa na Ucrânia fico incrédulo. Nunca acreditei ver a possibilidade de uma guerra destas rebentar na Europa, por agora a milhares de quilómetros de distância, mas que facilmente se pode tornar perto. E tudo pela mente perversa de um ditador, violando todos os acordos de paz e tratados de amizade, papeis que só lhe devem servir para limpar o traseiro.

Neste momento, o meu pensamento vai para o povo ucraniano que não é mais do que a vítima escolhida pelos russos para alcançar os objetivos que se sabe onde começaram, mas não se sabe ainda onde vão acabar …

No século passado a Europa deixou morrer mais de 90 milhões de pessoas em guerras, com o desgaste natural da economia. Parece que Putin tem vontade de retomar o caminho da morte quando o destino devia ser precisamente o contrário. E hoje, com os instrumentos de guerra mais sofisticados, além da destruição e morte, o principal produto das guerras passou a ser um grande número de refugiados, como já estamos a ver neste conflito. 

Dum homem que só sei que fala castelhano: “Nenhuma guerra tem a honestidade de confessar “eu mato para roubar”. As guerras invocam sempre motivos nobres, matam em nome da paz, em nome de Deus, em nome da civilização, em nome do progresso e até da democracia. E se, por via das dúvidas, se nenhuma dessas mentiras for suficiente, aí estão os grandes meios de comunicação dispostos a inventar novos inimigos imaginários para justificar a conversão do mundo no grande manicómio e num imenso matadouro.

Na peça Rei Lear, Shakespeare escreveu que, neste mundo, os loucos guiam os cegos e, quatro séculos mais tarde, os senhores do mundo são loucos apaixonados pela morte, que tem transformado o mundo num lugar onde a cada minuto morrem de fome ou doença curável dez crianças e a cada minuto se gastam três milhões de dólares na indústria militar que é uma fábrica de morte. Ora, as armas exigem guerras e as guerras exigem armas e os cinco países que gerenciam as Nações Unidas e têm o poder de veto nas Nações Unidas, acabam por ser também os cinco principais fabricantes mundiais de armas. Alguém se pergunta: “Até quando”? Até quando a paz mundial estará nas mãos daqueles que fazem o negócio da guerra? Até quando nós vamos continuar a acreditar que nascemos para o extermínio mútuo e que o extermínio mútuo é o nosso destino? Até quando?”

Efetivamente, já não é compreensível que no século XXI o fabrico de armas de guerra continue a ser um negócio multimilionário e que se esteja a investir permanentemente em novas armas, cada vez mais letais, cada vez mais sofisticadas. Para quê? Para alimentar guerras e matar pessoas que tantas vezes nada têm a ver com a guerra ou para onde foram atiradas como carne para canhão, enquanto tudo corre bem para o negócio. Tal como o agente funerário diz, “não quero que ninguém morra, mas quero que a minha vida corra”.

Hoje, milhões de ucranianos foram transformados em refugiados em poucos dias tendo de fugir e abandonar a vida que julgavam segura e pacífica, deixando para trás todos os frutos do seu trabalho, só para salvar a sua vida e dos seus, porque um louco acordou a sonhar que havia de reconquistar todos os pedaços do império russo e da União Soviética, invadindo a Ucrânia e ameaçando o mundo ocidental com o seu poderio nuclear. Por isso, não podemos pensar que isto nada tem a ver connosco. Pode ter a ver muito, mas só o sentiremos quando for tarde. E aí vamos interrogar-nos, como o fizeram os ucranianos que não acreditavam que a Rússia fosse capaz de invadir o seu belo país: “E agora”?

O dramaturgo Bertolt Brecht escreveu: “Primeiro levaram os negros. Mas eu não me importei com isso. Eu não era negro. Em seguida eles levaram alguns operários. Mas não me importei com isso. Eu não era operário. Depois prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso porque eu não sou miserável. Depois levaram os desempregados, mas como tenho o meu emprego, também não me importei. E agora, estão a levar-me. Mas já é muito tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”.

Devemos ter orgulho e ser dignos deles …

Apesar de todo o “ruído” que se tem feito ouvir, tenho orgulho em ser português, orgulho na minha nação e, muito especialmente, nessa epopeia fabulosa e feitos dos meus antepassados, algo de que todos os portugueses se deviam sentir honrados. E não me escondo para o afirmar, embora corra o risco de me chamarem colonialista, racista, extremista e, se calhar, nazi. Mais ainda, não compreendo que certa “manada” de políticos hoje ande por aí a pedir perdão e a “baixar as calças” em nome de Portugal por possíveis desmandos de outrora sem se situarem nas regras desse tempo, em vez de se penitenciarem pelos que eles próprios têm feito aos portugueses num tempo em que tinham a obrigação de saber o que é ética, honestidade, demagogia e moral. Mas não sabem, porque só aprenderam o que não deviam …

Enquanto portugueses podemos não ter muito dinheiro, não ter mil coisas de que nos orgulhar, mas seguramente os descobrimentos são o maior motivo de orgulho de nós enquanto povo.

Fernando d’Oliveira Neves escreveu um artigo relatando o ocorrido no almoço de despedida que ele, na altura secretário de estado e em substituição do ministro, ofereceu ao embaixador de Cabo Verde que estava de partida, Onésimo da Silveira. Conta ele que no final fez um brinde dizendo “as banalidades usuais” e que o embaixador retribuiu começando por dizer “eu amo a portugalidade”, seguindo-se depois um discurso sobre o tema que o deixou de “cara à banda”. O episódio “ficou-lhe atravessado”, levando-o a debruçar-se sobre o tema, “agora que tantos dislates se ouvem sobre a expansão portuguesa, esse valor que mais alto se alevantou e calou as musas”. Vale a pena trazer aqui uma parte desse texto sobre a portugalidade, uma questão que quase todos nós ignoramos e da qual, obrigatoriamente, nos deveríamos orgulhar.

“É claro que o Império Português foi colonialista e racista e mais outras práticas condenáveis de todas as sociedades humanas. Apesar de tudo, parece avisado olhar para cada época em função dos valores então prevalecentes. Vivi o bastante para ver valores considerados vitais desaparecerem e, felizmente, ver surgir novos que nunca me tinham passado pela cabeça. Mas todas as sociedades, por mais opressoras que sejam, têm vida para além dessas dimensões. A expansão portuguesa foi muito mais que isso. Foi uma das epopeias que mais mudaram a História, dando aos homens uma nova e real dimensão do mundo em que viviam. Até pelo limitado número de portugueses que a fizeram, provocou uma convivência secular sem precedentes de pessoas de todas as partes que, no quotidiano, se misturaram, fizeram amizades, riram em conjunto, beberam e comeram, ao pôr-do-sol nos cantos do mundo por onde andamos e onde muitos ficaram, trocaram experiências e puderam constatar a relatividade das suas verdades, crenças, medos e até ambições.

Não é fácil definir portugalidade. Talvez o resultado positivo desse intercâmbio seja a criação e perpetuação de laços afetivos, amizade e familiares entre gentes das mais diversas partes do mundo. As amas índias da Casa Grande poderão ser exemplo. Ou talvez não passe de uma amarga saudade doce, de uma utopia que, por vezes e alguns instantes, se transforma em realidade. Talvez seja mais simples dar exemplos concretos de gentes das mais diversas Portugalidade como estar na antecâmara do chefe do Governo de Malaca a conversar com um chinês e, de repente, ouvir este dizer: “Mas o Senhor é português? Eu também. Sou da freguesia de S. Pedro, em Singapura, e nos dias 13 de cada mês fazemos a procissão de Nossa Senhora de Fátima”. Portugalidade é chegar a Jacarta ao fim de 25 anos de hostilidade em torno de Timor, ser levado a jantar no centro histórico da cidade pelo embaixador do Brasil, amante da presença portuguesa na Indonésia, e ouvi-lo dizer que o canhão que está no meio da praça é um canhão português onde as noivas se vão fotografar no dia do casamento, porque é o símbolo da fertilidade.

Portugalidade é ser-nos dito, no Barém e no Kuwait, que os únicos edifícios de pedra que ali existem anteriores ao século XX são os fortes portugueses que ainda continuam a resistir.

Portugalidade é ouvir Samora Machel a olhar o Índico e dizer do seu orgulho quando se lembra que Vasco da Gama ali passou e, logo a seguir, afirmar num tom meio agastado, “nós é que descobrimos o Brasil e agora têm um presidente que se chama Geisel”.

Portugalidade é ouvir um goês a manifestar o seu orgulho num seu remoto antepassado agraciado com a Cruz de Cristo pela Rainha D. Maria II e outro a lembrar que o trisavô fora Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

Portugalidade é jantar no International Hotel do Barém onde estava a decorrer a semana gastronómica do Texas e chegar à mesa um empregado indiano vestido à cowboy, que nos diz em bom português, “boa noite” e tem na farda um dístico onde se lê o nome: Bragança.

Portugalidade é verificar que os católicos de diversos países da Indochina falam um português arcaico a que chamam “christian”, que é para eles sinónimo de português e por isso se dizem portugueses.

Portugalidade é ir ao Portuguese Setllement de Malaca e encontrar uma mistura inédita de raças, malaios, chineses, indianos e ouvi-los a cantar e a dançar o Tia Anica de Loulé, em trajes minhotos e falar um português compreensível.

Portugalidade é um liurai timorense desenterrar e entregar-nos uma bandeira portuguesa e dizer que o pai dele a enterrou quando Timor foi invadido pela Indonésia e lhe disse para a dar aos portugueses quando (não se) eles voltassem.

Portugalidade é ir ao CCB assistir a uma sessão das comemorações dos 500 anos da Descoberta do Brasil e ouvir o embaixador brasileiro Sinésio Goes, ele também historiador e cultor da portugalidade, a apresentar o chefe da maior tribo de índios do Brasil, os índios Tupi e vermos entrar um senhor com um ar jovial, envergando o casaco de tweed e um maravilhoso cocado que lhe caía pelas costas até aos calcanhares e ouvi-lo dizer com ostensivo júbilo e orgulho: “O meu nome é António Cardoso e o meu avô era de Trás-os-Montes”.

Acabou o Império colonial português e a opressão de uma nação sobre as outras. Fica na História um admirável património universal, físico e afetivo. Este último, símbolo notável de humanismo, será a portugalidade. Que Onésimo da Silveira me ensinou a amar”.

Será que cada um de nós, descendente desses heróis na sua maioria anónimos de que a história nunca falará, não devia conhecer bem a dimensão extraordinária do que eles fizeram ao aventurar-se num mundo desconhecido cheio de monstros e mitos imaginários? E mais ainda, sentirmo-nos orgulhosos e honrados por eles, esses mesmos, serem nossos antepassados, gente que qualquer povo gostaria muito de dizer que eram dos seus? Em vez de andar a diminuir a grandeza de quem foi verdadeiramente grande, saibamos ser dignos do seu exemplo e da sua herança … 

O Dia que eles não podem esquecer …

Segundo reza a história no ano 270 o imperador romano Cláudio II, achando que os homens solteiros lutavam melhor do que os casados (e vá-se lá saber porquê …), proibiu que os jovens se casassem. São Valentim, bispo da Igreja Católica, costumava realizar os casamentos e, discordando dessa decisão, desrespeitou a ordem do imperador e continuou a casar os jovens às escondidas. A solidariedade com esses casais viria a custar-lhe a vida, tendo sido decapitado no dia 14 de Fevereiro, motivo pelo qual essa data ficou para o futuro como Dia de São Valentim em sua homenagem e, por analogia, também como Dia dos Namorados por quem ele deu a vida. Ora, com o aproximar do dia doze, importante para os casais mais e menos novos, o frenesim já começou há algum tempo. Era necessário fazer planos e reservas quer fosse para o jantar romântico, dançar ou ficar instalados fora de casa (em casa basta no dia a dia), além de conseguirem as prendas desejadas. Claro que as ofertas de presentes específicos ou não para este dia são mais que muitas, desde as flores às joias, dos perfumes e cremes a roupas, de chocolates a jantares românticos e estadias por uma noite. As montras são profusamente engalanadas com corações de papel colorido, exibindo uma variedade grande de prendas para oferecer. É o isco para atrair clientes porque já está aí à porta aquele que é conhecido (ou tido) por ser o dia mais romântico do ano – O Dia dos Namorados. 

E ninguém quer ficar em casa, especialmente as mulheres. Claro que os homens têm de ir na onda quer queiram quer não, embora tantas vezes sem vontade nenhuma. E mais: coitado daquele que se atreva a esquecer esse dia tão especial: “Está feito ao bife”. É que elas exigem do seu par, namorado, marido ou conhecido de ocasião (ou mesmo que nunca se tenham visto uma única vez) que o Dia dos Namorados seja comemorado “à maneira”, uma ocasião para os casais trocarem mensagens, presentes, votos e fazerem as mais diversas surpresas, uma forma de comemorar o amor, o desejo de o alcançar ou de o usar como motivo para uma noite divertida. Vendo bem, é a altura certa para o homem sair com a namorada, ainda que a sua mulher tenha de ficar em casa e vá jantar com as amigas. É que não pode haver lugar a confusões pois uma coisa é “entretenimento” e a outra é “trabalho” e, como diz o ditado, “trabalho é trabalho e conhaque é conhaque” …

Duas mulheres ainda jovens estavam paradas diante duma montra decorada com artigos alusivos a esse Dia. Enquanto uma delas se deleitava a ver a gama de perfumes e peças diversas de joalharia, a outra, muito mais realista, criticava o aproveitamento comercial e o facto de ser mais um motivo para o negócio, criando “tradições de oferta”, artigos especiais do Dia, como se fossem uma necessidade imperiosa. Dizia mesmo que tanto para ela como para o namorado, aquele era um dia normal e recusavam-se a aderir a essa tradição consumista. “Onde é que tu e o Afonso vão no Dia dos Namorados”, perguntava a mais realista? E a outra, de sorriso aberto respondeu-lhe: “Ele ainda não me disse, mas eu já sei que vamos jantar e passar a noite num hotel no Porto. Para ele não se esquecer deste dia eu pedi a uma amiga comum que lhe “avivasse a memória” a tempo das reservas e foi na hora certa”. 

Para vermos como é importante para muitas mulheres comemorar ou aproveitar este dia (ou noite) para uma boa farra, devo referir o caso da senhora Ana Catarina. Não tendo companheiro, namorado, marido ou um simples conhecido disponível para servir de ama seca, publicou um anúncio no “facebook”, muito explícito e revelador das suas “necessidades” urgentes e imperiosas para o 12/2, o único dia do ano em que nenhuma mulher pode ficar só e em casa. Dizia o seu anúncio: “PROCURA-SE NAMORADO PARA DIA DE SÃO VALENTIM”. E até “postou” que o seu estado de espírito é de “divertida”. Presumo bem que sim, até porque Ana Catarina só tem um pouquinho mais de sessenta anos de idade, mas conserva todas as suas “necessidades” românticas, fisiológicas, de sociabilização, intercâmbio ou o que quer que se lhes chame, inteiramente intactas … Os potenciais candidatos e leitores da sua publicação foram-na avisando: “Põe-te a pau que vão fazer fila” e “não te vão faltar pretendentes”. Ainda a aconselharam a concorrer ao “carro do amor”, se bem que alguém lhe sugeriu que se o “carro do amor” não resultasse, podia tentar no “OLX” …

Enquanto em casa me contavam a história da publicação da senhora Ana no “facebook” e as reações que obteve, a Luísa parecia não estar a escutar. Mas, às tantas, saiu do silêncio e disse uma das suas: “Para apagar o fogo, o melhor é ela ir aos bombeiros” …

Enquanto em Portugal o presente mais oferecido às namoradas é um ramo de rosas vermelhas, na Alemanha a tradição manda oferecer um … porco! Sim, o “porco da sorte”. Já os brasileiros comemoram o Dia dos Namorados em Junho, véspera de S. João. E passaram a fazê-lo nesse dia porque um publicitário apercebendo-se que esse mês era muito fraco para o comércio, propôs aos responsáveis locais mudar o Dia dos Namorados para o mês de Junho, sendo o objetivo comercial conseguido. Do publicitário ficou célebre a sua frase promocional da comemoração: “Não é com beijos que se prova o amor”, além de uma outra com o mesmo sentido: “Não se esqueçam, amor com amor se paga”. Afinal uma intenção comercial que está sempre bem presente nestes “dias” de festa e que nos leva a consumir, consumir, consumir. 

Pensando bem, acho que os governantes podiam aproveitar a ideia e replicar o Dia dos Namorados por forma a que se comemorasse de quinze em quinze dias, pois seriam muitas as vantagens: Promovia-se a restauração e o alojamento dando um forte contributo ao turismo interno para compensar a falta de turistas estrangeiros; fomentava-se os relacionamentos numa altura em que o número de casamentos cai de ano para ano; e à “boleia”, talvez um bom número de casais no “entusiasmo” do momento e com os calores do álcool, pudesse vir a “fabricar” alguma criança, intencionalmente, “por acidente” ou até “por tropeção”, o que seria um contributo importante para aumentar a natalidade que tem andado pelas ruas da amargura. E uma ajudinha destas vinha a calhar, para compensar a falta de mão de obra …

Nem as pequenas coisas mudamos …

A “Joana” sofre de um problema renal hereditário que a obriga a ir com certa regularidade a consultas da especialidade no Hospital de S. João, no Porto, onde anda a ser acompanhada, além de ter de ali fazer também análises e outros exames. Dizia-me ela hoje que na próxima semana vai ao Porto de propósito só para marcar o dia em que vai efetuar as próximas análises de rotina. “E não pode fazer a marcação pelo telefone para evitar uma viagem de Lousada ao Porto e volta”, perguntei eu armado em fino como se tivesse descoberto a pólvora? “Já tentei por diversas vezes, mas lá ninguém atende o telefone. Já cheguei a passar horas a tentar e não adiantou nada”, respondeu-me desalentada. Como achava que tinha soluções para tanto absurdo, eu não desarmei: “E já experimentou enviar um e-mail a pedir que lhe façam a marcação. Se não tiverem tempo de lhe responder durante as horas mais movimentadas, no final do dia têm a obrigação de lhe dar resposta”. Mas ela enterrou as minhas ilusões: “Eu também já tentei fazer a marcação por e-mail e nem sequer se dignaram responder-me a nenhum deles. 

E pior, já lá fui várias vezes a consultas marcadas e só quando cheguei ao balcão para ser atendido é que me informaram que não iria haver consulta por uma razão qualquer, sem nunca se preocuparem em telefonar antes avisando para não ir e evitar ter de fazer estes quilómetros todos. Vamos nós daqui para o Porto e, além de perder uma manhã ou tarde, ainda temos as despesas da viagem por nossa conta! Ninguém se preocupa connosco, se podemos ou não pagar viagens para lá e para cá sem utilidade que nos obrigam a fazer quando parte delas podiam ser evitadas com uma simples chamada ou e-mail. Não têm respeito nenhum pelo cidadão anónimo. Somos só números na máquina trituradora que só se preocupa com estatísticas bonitas para os políticos nos atirarem à cara em época de eleições”.

Fiquei sem mais “truques na manga” das minhas ilusões. Na realidade há tanta coisa que não faz sentido com o que sucede a esta e todas as outras “Joanas”, a começar por alguém ser capaz de pôr os meios de comunicação dos serviços públicos a funcionar em benefício de todos nós e o mesmo é dizer, do país. Porque quando o estado nos obriga a fazer quilómetros só para “queimar combustível e pneus”, poluir por incompetência, alguma coisa vai mal. Na era digital não se percebe como é que o estado tem esses meios “bloqueados”, claramente por falta de organização sem se conseguir mudar – e parece mesmo que nem estão preocupados com isso. Estamos condenados a ficar mais próximos dos africanos e mais afastados da Europa com que tantos políticos enchem a boca, mas que só a vemos “por um canudo”, na televisão ou se formos para “fora de portas”.

Agora tenta-se justificar o que se passa em muitos serviços públicos com a pandemia, o “bode expiatório” para a incompetência. Porque, das duas uma: ou os telefones estão avariados há mais de um ano ou quem está por lá é … “surdo”. E ser “surdo” pode não querer dizer que ouve mal …

Portugal é um país pequeno, com cerca de dez milhões de habitantes, mas com uma grande parte da sociedade habituada a viver à sombra do estado. Por isso, quando os políticos nos querem vender reformas da administração pública, temos de desconfiar já que as reformas em geral afetam direta ou indiretamente grande parte do eleitorado, o que provoca desconforto nos cidadãos que vivem à conta do dinheiro público. Assim, as reformas não são boas para eleições: o país pode ganhar, mas os políticos facilmente perdem eleitores e eleições. Isso nenhum político quer …

Os bloqueios funcionais do setor público são demasiados e alguns não lembram ao diabo, mas também não há quem os queira alterar por mais simples que isso seja. Lembro-me do que se passa com a Instituição onde colaboro. Como a Instituição tem vários protocolos com a Segurança Social, de vez em quando sou notificado para, na qualidade de seu responsável, ir ao Centro Regional no Porto assinar um novo protocolo ou a renovação de outro. E o que acontece comigo acontece com dezenas de responsáveis doutras instituições. Se antes da pandemia nos juntavam em rebanho numa das salas do organismo e, depois de uma pequena preleção para vender “a banha da cobra do costume”, chamavam um a um para assinar o nome na última página do documento e, eventualmente, rabiscar uma rúbrica nas outras, o covid-19 fez com que agora sejamos convocados de 5 em 5 minutos para manter o distanciamento, como nas provas de contrarrelógio no ciclismo, colocam-nos o protocolo à frente, assinamos e está feito. Só falta o “pode ir embora”. Como acho uma enorme estupidez fazer que dúzias de pessoas se tenham de deslocar ao Porto idos de mais longe ou mais perto a troco de uma assinatura, por diversas vezes tenho manifestado a minha discordância por este desperdício de tempo e dinheiro, dizendo aos mais ou menos responsáveis da Segurança Social que lhes bastava enviar o documento pelo correio que seria devolvido na volta assinado. Ou ainda melhor, a “assinatura digital” seria a solução ideal, pois é usada, válida e segura para documentos bem mais importantes. 

E nem este tempo de pandemia que obriga ao distanciamento social e à redução de contactos faz com que se acenda a “luzinha da compreensão” naquelas cabeças e percebam de uma vez por todas que é necessária mais eficiência, mais produtividade e cortar no desperdício. Para um país onde a produtividade anda “pelas ruas da amargura”, os governantes já se deviam ter apercebido que o estado, nos seus diversos níveis, é sem dúvida dos maiores bloqueios à sua melhoria. E só quem tem de percorrer muitas dessas “capelas” se apercebe que em muitas delas existem “pequenos ditadores” para quem as coisas têm de ser como eles querem e estão habituados a ser e não como é mais funcional e sirva melhor o interesse dos cidadãos, “esses chatos” que só reclamam e nunca estão satisfeitos com nada, embora não passem de “refilões”. Até ao dia em que se cansem de ser “só refilões” …