Um estudo dizia que não devemos …

Em criança, nenhuma comida tinha rótulos negativos. Podia-se comer de tudo sem qualquer restrição, desde que houvesse. Carne de porco? Toda, a começar pela “caluba”, carne gorda com cinco centímetros de altura ou mais, salgada e defumada. Uma delícia. Rojões? Os melhores eram os mais gordos, especialmente os “rojões do redenho”. Leite de vaca? Bebia-o em natureza mal saía da teta do animal ainda morno. E as doenças? Nada nos privava de beber ou comer aquilo que era tido por “comestível”. Desde bem cedo todas as crianças bebiam vinho às refeições, sempre que havia. Até as mães para calar os bebés quando choravam muito enfiavam-lhes aguardente na boca numa “boneca” (guardanapo ou um pedaço de pano enrolado a fazer de chupeta em que se punha um pouco de açúcar ou … aguardente), além do “mata-bicho” para os homens ou não, com broa bem regada a aguardente. Em resumo, toda a comida era boa para a saúde, por ser natural!!! Quase sempre só havia um problema: era pouca. E hoje? Todos os dias estamos a ser bombardeados com estudos, ensaios, informações e recomendações técnicas de numerosos e reputados nutricionistas, analistas e estudiosos de todo o tipo, a proibir, condicionar e avisar sobre os malefícios dos mais variados alimentos sólidos e líquidos, deixando-nos entre a “espada e a parede” sem saber se comer ou não ponderados os prós e os contras, como “o tolo no meio da ponte”. Já para não falar nos “estudos encomendados” por empresas com fins muito duvidosos, numa guerra de interesses que se tenta combater com base em “suposta ciência”. Assim se promove os “leites de soja” e outros do género em prejuízo do leite de vaca, a cerveja a desfavor do vinho, as margarinas contra os interesses da manteiga e por aí além, “vendendo-se” teorias a favor de quem paga mais. 

Adaptando o texto de um autor anónimo e parodiando esta moda de que, agora, toda a comida é muito perigosa para a saúde com base em “supostos estudos” de “pseudocientistas”, não posso deixar de sorrir e concordar com ele:

“A semana passada deixei de comer chouriços. E presunto. E fiambre. E mortadela!!!” São alimentos processados, fumados, perigosos para a saúde, dizia o estudo duma revista médica. “Esta semana deixei de comer queijo. “Afeta a mesma molécula que as drogas duras”. Eu não quero ter nada a ver com isso, nem ser associado a drogas por muito que goste de queijo. Acabou-se com o queijo cá em casa” …

“O mês passado deixei de beber vinho branco. Um estudo dizia que fazia mal a não sei quê. Se calhar era cancro. Passei a beber só tinto que, dizia um estudo, era ideal para uma série de coisas. Esta semana voltei a beber branco porque, entretanto, saiu um estudo a dizer que, afinal, o branco até tem propriedades que fazem bem e muito tinto é mau. Comecei a reduzir no tinto talvez a pensar no hemorroidal, mas, acho que compreendem bem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Cortei nas azeitonas também, pois o estudo dizia que têm demasiada gordura, são muito insaturadas ou lá o que é e não parece nada bom. Andava quase só a peixe até perceber que os portugueses comem peixe a mais e são, por isso, prejudiciais ao meio ambiente. E como eu não quero ser acusado de inimigo do ambiente, ando a cortar o peixe também, em especial no atum: está cheio de chumbo. E no bacalhau também por causa daquele estudo que saiu sobre a quantidade de sal, mas, também, acho que compreendem, não quero morrer de qualquer maneira.

Esta semana saiu um estudo a dizer que, afinal, o vinho em geral, faz mal. Fiquei devastado. Há dois meses foram as couves roxas. Vi até um especialista na televisão dizer que não devíamos comer nada cuja cor seja roxa: “É sinal que não é para comer”, dizia. Arroz também quase não porque engorda e saiu um estudo a dizer que implica com uma função mais ou menos delicada. Não é a reprodutora já que essa é com a soja. Dá hormonas femininas aos homens fazendo crescer as mamas (o raio da soja!) e prejudica todas as funções. Por isso, soja nem pensar.

Leite já me livrei dele há muito. Foi, salvo erro, desde que um estudo veio dizer que o nosso corpo não está preparado para leites doutros animais. E porque a gente pode ganhar intolerância à lactose que há no leite. Por isso, leite não”. Já os sumos de frutas também dispenso enquanto não resolverem a questão dos resíduos de pesticidas e o problema levantado no estudo que apontava para … não sei muito bem para quê, mas não era nada de interesse e, também, acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Carne vermelha, claro, também não. Tem gordura saturada, aumenta o colesterol e ataca o coração, diz o estudo. E é má para o intestino. Galinha nem sonhar porque umas estão cheias de gripe e as outras encharcadas de antibióticos. Além de que, carne de galinha a mais, como dizia outro estudo, impacta com o desenvolvimento dental, o que até parece óbvio pois as galinhas não desenvolvem dentes. Cortei a galinha há muito tempo. Porco? Só a brincar. É óbvio que não há cá porco em casa. Não chegasse o que se diz, ainda veio outro estudo, ou ainda não leu? Pois então, diz que o excesso de carne de porco pode provocar uma diminuição da massa cinzenta e o aumento dos ciclos atópicos do mastóideo singular. Ninguém quer passar por isso! Você quer? Eu não, mas, também, acho que compreende, não quero morrer assim de qualquer maneira. Esqueça-se a carne de porco, pelo amor da santa!

Já me esquecia do glúten! Glúten, também não. É que nem pensar! Durante muitos anos nem sabia que existia, mas desde que soube da existência de semelhante coisa, parei com tudo o que tivesse glúten. Deixa-me pouca escolha, mas também acho que compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira.

Ovos! Claro que também não como ovos. Primeiro porque não sou nenhum ovíparo e depois por causa das quantidades de coisas que aquele estudo que saiu na semana passada dizia. É um rol, senhores, um rol e colesterol! Vão ver e admirem-se! Os ovos! Quem diria os ovos …. Enfim, é a vida: os ovos, nem vê-los! Tal e qual a manteiga: é só gordura! Desde que acabei com o pão e com o queijo, a manteiga também, por assim dizer, deixou de fazer falta. Ainda a usava para fritar ovos, mas agora também não se podem comer ovos…. Pois, a manteiga, dizia o estudo, é só gordura animal e animais não devem comer a gordura uns dos outros. Pareceu-me um bom argumento e por isso e nada mais, acabei com a manteiga.

Ia fazer uma salada. Sem muito azeite, claro, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira, sem sal, naturalmente, e vinagre só do orgânico, porque, compreendem, não quero morrer assim de qualquer maneira …. É quando recebo um email com o título Novo Estudo Aconselha a Ingestão Moderada de Saladas e Hortaliças. Enchi um copo de água, filtrada, naturalmente, duma garrafa de vidro e sorvi um golo ávido. Espero que não me faça mal”.

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