Perder a mulher sem saber como …

A maioria das pessoas tem consciência que os homens são diferentes das mulheres e que, quando se quer que ambos se comportem no dia a dia da mesma forma, é um absurdo que pode acabar mal. Conheci o João e a Catarina quando começaram a namorar e cedo assumiram o compromisso de colocarem toda a sua dedicação e empenho para eliminar as diferenças que existiam entre eles e que os incomodava. Enquanto o João era desorganizado, introvertido, estudioso e sério, a Catarina pode-se dizer que era precisamente o inverso. Daí a vontade de mudarem para contentar o outro. Na realidade o que conseguiram foi perceber que cada um tinha a sua individualidade e, com o tempo, ela começou a reclamar cada vez menos dos “defeitos” dele e aceitar a sua “desarrumação organizada”, o não ouvir nada do que ela dizia quando via futebol ou um filme na televisão e não dar conta de tantas coisas que se passavam à sua volta. Da parte dele também se ajustou fazendo “ouvidos de mercador” às resmunguices crónicas dela e, com essa aceitação, casaram anos mais tarde e têm uma excelente relação, se bem que ela nunca deixou de se irritar quando ele deixa as tralhas espalhadas pela casa.

Fingir que homens e mulheres são iguais é não querer ver a realidade e, além de ser injusto, é um mau serviço aos dois. Eu tenho noção que muitas vezes quando estou com a atenção numa coisa não ouço mais nada, mas também não fico tão fora da realidade como o António: 

O médico da Joana prescreveu-lhe uma cintigrafia na última consulta, um exame clínico para conseguir descobrir o problema que a aflige. Para o realizar através do SNS só viria a encontrar na Vila da Feira uma Clínica com acordo. Não sabendo onde ficava a Clínica, pediu à nora que pesquizasse na internet qual o caminho para lá chegar e ela assim fez, dando-lhe como referência o Hotel IBIS da cidade que era mesmo em frente. E foi o marido António que a acompanhou e levou na sua carrinha. Já perto da cidade pediram ajuda a um motorista que estava parado na berma da estrada pois não tinham bem a certeza do rumo a seguir, dando como referência o Hotel. Depois, numa rotunda, o António apercebeu-se de uma placa a indicar o IBIS, parando só um pouco mais adiante. Disse à mulher: “Vi ali atrás uma placa do Hotel e vou ver o que diz”. Saíram os dois da carrinha e, enquanto o António voltou à rotunda ver da placa, a Joana dirigiu-se ao casal que estava a entrar no carro uns metros adiante para pedir a informação. Quando ela os interrogava, estranhou a cara de espanto que os dois fizeram ao olhar na direção da carrinha e só se apercebeu da razão ao voltar- se para regressar à viatura: a carrinha tinha desaparecido. Da viatura e marido, nem sinal. Não se preocupou, pois lembrou-se que o nível de combustível estava a chegar à reserva e ele devia ter ido abastecer ao posto de combustível localizado um pouco mais abaixo. Caminhou nessa direção e quando pôde ver completamente o posto percebeu que a carrinha também não estava lá. “Onde é que aquele homem se meteu”, pensou ela?

Ora quando o senhor António foi junto da placa e viu para onde tinha de seguir, regressou à carrinha, sentou-se ao volante e arrancou de olhos na estrada, indo diretamente ao IBIS que ficava relativamente perto. Chegou, parou e disse: “Já cá estamos junto do Hotel e a Clínica deve ser aquela”. Foi quando se voltou para a mulher, supostamente sentada no assento a seu lado. Qual não foi o seu espanto ao ver que a Joana desaparecera como que por magia, ali mesmo do seu lado! Não querendo acreditar, olhou para a parte de trás da carrinha com a leve esperança dela estar lá metida. Mas também não estava lá. Sem saber o que fazer, acabou por descobrir que tinha de voltar à rotunda, mas estava desorientado e já nem sabia como lá chegar. E foi só depois de algumas transgressões, de atravessar o traço contínuo e quase chocar com outra viatura, que conseguiu chegar à rotunda e reaver a mulher perdida sem saber como – e que teve mais bom senso do que ele ao esperar no local onde a abandonara, sem ele conseguir explicar como tudo acontecera. À distância, concluí que o António, focado na direção a seguir, deixou de ver tudo o resto que estava à sua volta, inclusive a mulher. É o tal problema dos homens: só conseguem fazer uma tarefa de cada vez. E de tão focado na sua tarefa, ela saiu-lhe do radar …

É certo que os homens também são mais distraídos e esquecidos do que elas. Nós não nos damos conta de muitas coisas que se passam à nossa volta e que são motivo para elas se irritarem, porque nada lhes escapa e até acham que nós temos a obrigação de ver tudo aquilo que elas veem. É normal nessas ocasiões “ouvirmos” o que não gostamos e ficamos com cara de parvos a perguntar: “O que é que se passou aqui”? 

Recordo com saudade um conceituado advogado local que um dia foi ao Porto com a esposa e só quando regressou, entrou em casa e perguntou a um dos filhos onde estava a mãe, é que “soube” que se esquecera dela. E ainda quando um dia viajava de carro com ela e os filhos, como uma das portas de trás ia mal fechada um deles abriu-a e bateu-a com alguma força para ficar bem fechada. E ele, agarrado ao volante, perguntou: “Quem foi que entrou”?  

Também quem ia muito atento a conduzir a sua velha motorizada era o João “Tralha”. Saiu de casa com a mulher atrás a caminho de Ribas. Ao aproximar-se de uma curva mais apertada pôs a cabeça de lado e gritou para a mulher poder ouvir: “Agarra-te a mim para não caíres nesta curva”. Mas a curva aproximava-se e ele não sentiu o abraço da mulher. Já ia “barafustar” com ela quando se lembrou de olhar para trás e viu que a mulher desaparecera. “Onde é que se meteu a minha mulher?”, interrogou-se ele. E deu meia-volta, indo encontrá-la a uma boa distância. Tinha caído abaixo da motorizada sem que ele desse por isso quando teve de parar no entroncamento e depois arrancou de repente. Se não fosse aquela curva apertada, chegaria ao destino sem saber como é que a sua mulher se “evaporara” …

Nós homens somos assim e querer que seja diferente é pura ilusão, é esperar o impossível. Quero acreditar que os casos citados não são assim tão comuns, pois não deve haver muita gente por aí a perder a mulher sem saber como nem onde. Imagino que são muitos mais os que as perdem a saber quando, como, onde e porquê …

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