O medo é um “papão” que nos limita

Diz a ciência que o medo funciona como um mecanismo de defesa que nos protege dos perigos e que é essencial na nossa vida. Porém, quando mal-usado, o medo limita-nos no que fazemos. Somos muito condicionados pelo medo das crenças em que vamos acreditando e quantas vezes deixamos de fazer algo que poderia mudar a nossa vida só pelo medo de arriscar. Se formos ver o que está por detrás desse medo, na maior parte das vezes é algo que nos foi dito em criança e que mais tarde acaba por se tornar num limite. Quantos pais não disseram aos filhos pequenos “se não comes, vou chamar o papão” ou algo usado na minha infância “se te portares mal, vem aí o homem do saco e leva-te”, já para não falar dos que a dada altura da vida ouviram: “nunca vais ser ninguém”. Com estas e outras palavras muitas vezes fica no subconsciente um medo que irá condicionar a vida do futuro adulto. E quando temos medos devido à educação que recebemos, maiores serão as dificuldades em tomar consciência do quanto esses medos moram na nossa mente. Ora, o problema é que a maioria de nós nega e não assume os medos que tem, não sendo essa a melhor forma de os ultrapassar.

São muitos os medos que nos assolam, uns que ganhamos em criança e outros ao longo da vida. Daí haver o medo de conduzir, das alturas, de envelhecer, do escuro, de alguns animais, de perder familiares, de descer escadas, de dormir e morrer, de agulhas, de falhar e até dos palhaços. Mas quase sempre temos medo do que desconhecemos. É caso para perguntar quem nunca sentiu fisicamente o medo, seja com a respiração acelerada, enjoos, palpitações do coração, suores frios, tremores e outras alterações físicas?

O grande segredo dos treinadores com maior sucesso em diversas modalidades está em conseguir que os seus atletas se superem ao fazer com que percam o medo de falhar e partam para o jogo com autoconfiança e mentalidade vencedora. Porque aqueles que têm medo de errar, de rematar, de não marcar, estão condenados a não ter sucesso.  

Hoje, mais que nunca, vivemos numa sociedade que fomenta o medo e que nos condiciona a todos, consciente ou inconscientemente, de uma ou outra maneira. Então os últimos dois anos têm sido um maná para todos aqueles que lucram com o negócio do medo. Primeiro, foi a pandemia e agora é a guerra na Ucrânia. Olhando para trás, quais foram as consequências desses noticiários longos onde quase só se falava de Covid-19 com todos os dados sobre infetados, internados em hospital e mortos, qual a evolução de ontem, hoje, a previsão dos dias seguintes da pandemia e as medidas, contramedidas, planos de combate que no dia seguinte já não o eram? Enfim, um verdadeiro massacre que trouxe o medo a grande parte da população, quando não pânico. E com isso comprou-se máscaras, gel desinfetante, álcool, luvas, lixivia e quantos produtos mais para lavar, ensaboar, limpar, desinfetar e proteger. Armazenou-se de tudo, do papel higiénico aos alimentos, sendo que em muitos produtos nem se discutia o preço pois o que era importante “era que houvesse”. O medo do Covid-19 até levou a que um elevado número de casais trocasse a cidade pela aldeia e o apartamento pela moradia.

E a consequência foi consumir-se muita medicação, especialmente ansiolíticos. Já há muito tempo que o medo não era tão bom negócio nem rendia tanto dinheiro. E não foram assim tão poucos os que se aproveitaram da situação.

Ainda nem sequer saímos da pandemia e já chegava um novo medo a ser “vendido” em doses maciças pela imprensa e não só: A guerra na Ucrânia. Depressa passamos a ser bombardeados com os telejornais quase só dedicados ao tema, programas ditos de informação sobre a guerra, além dos diretos a partir da Ucrânia, com doses a triplicar de medo ensacado para ficarmos a remoer durante a noite. Como se não fosse suficiente, impingem-nos alguns comentadores especializados, estrategas de guerra e as antevisões de como esta pode evoluir, quais as baixas dos dois lados (se é que alguém sabe) e das possibilidades de um dia bater à nossa porta. E além disso, as consequências para o nosso bolso com o aumento dos combustíveis (sem que nenhum dos inteligentes explique como foi possível aumentar o preço do produto que foi comprado há três meses atrás ao mesmo preço do que nos era vendido antes de começar a guerra), das matérias-primas que estão a ir pelo mesmo caminho e a consequente subida de tudo que usamos no dia a dia. 

E ao ver a nossa vida andar para trás somos assaltados pelo medo dum amanhã desconhecido (e temos medo de tudo o que não conhecemos). O medo diz-nos para açambarcar produtos porque amanhã serão mais caros e, pior, pode não haver. Há até quem tenha pensado em construir um abrigo subterrâneo para a eventualidade de guerra nuclear, comprando desde já comprimidos de iodo (pouco deve haver já nas farmácias). Alguém ganha muito com o aumento dos preços, a começar pelo estado, que se aproveita para sacar mais dinheiro aos contribuintes. E a estes, que não têm a quem ir buscar o que lhe tiram, só lhes resta gastar um pouco (ou muito) mais nessa medicação específica para quem sofre de medo, stress, depressão e esgotamento e para acalmar as crises de ansiedade.

Nesta era tão imediatista em que vivemos, o medo tem potenciado grande parte das crises emocionais que a nossa sociedade sofre. A informação demasiada sobre algo que nos ameaça, o desconhecido que temos de enfrentar ou não, dá cabo da nossa saúde mental pois injeta-nos o medo diariamente e a toda a hora que, como dizem os brasileiros, “é dose p’ra caramba” … 

Neste tempo de exceção, o bom senso e a nossa sanidade mental recomendam que se desligue a televisão sempre que nos vêm vender mais informações sobre a guerra, pois todos já percebemos que é injusta, imoral e criminosa. Pelo contrário, devemos ter o coração, os braços e a mente abertos para receber e ajudar os ucranianos até ao limite das nossas possibilidades porque são vítimas inocentes duma mente cruel, sem nos deixarmos arrastar para o medo daquilo que não conhecemos e que só nos limitará e fará sofrer. E por tudo aquilo que tenho visto, sinto grande alegria pela vaga de solidariedade que tem percorrido o país de norte a sul. Dessa, sim, não teremos que ter medo, mas sentir um orgulho enorme …   

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