A internet tornou-se essencial nas nossas vidas e as redes sociais criaram um espaço infinito na circulação livre de ideias e opiniões e podem ser grandes aliadas se bem utilizadas. A sua importância é inegável pois estão cada vez mais presentes na vida das pessoas de todas as idades, raças e credos. Diz-se que é praticamente um vício coletivo, uma mania universal. E até as empresas tiveram de aderir e mudar a sua postura para “fazer pela vida.
Durante o jantar um conhecido perguntou-me: “Posso ser seu amigo no facebook”? Respondi: “Não, não pode”. E calei-me. Mas para não o deixar a pensar no que não devia, concluí: “Não, porque eu não uso as redes sociais”. Então expliquei que o meu filho mais velho até chegou realmente a “abrir-me uma conta” no facebook, mas nunca acedi a ela e nem quis nem quero saber como o fazer. Diria que tenho uma certa alergia, mas vivo e convivo bem sem elas, apesar de ser questionado de vez em quando por não as usar, como se fosse um extraterrestre.
Provavelmente serei considerado um “troglodita” por me recusar a usar uma ferramenta que é considerada fundamental e indispensável a qualquer cidadão de hoje, mas não me importo de correr esse risco. Nunca postei fosse o que fosse, a que título fosse, sentado no sofá ou diante das Cataratas do Niágara, porque acho ser um absurdo expor a vida pessoal nas redes, quer sejam fotos, suas ou de familiares, nas mais incríveis posições e “figuras”, mostrar a casa, o que se faz, por onde se anda, com quem e como se anda, do que se gosta, onde se foi hoje, se vai logo e amanhã, correndo riscos que nunca se sabe onde começam e muito menos onde acabam. Mas há milhões e milhões de pessoas que o fazem todo o dia como sendo a coisa mais importante das suas vidas (se calhar é), numa dependência que já não controlam. Compreendo a necessidade que as pessoas têm de ser ouvidas, vistas, sentir o “afago psicológico” dos “likes” para os quais muitos vivem e de que sentem falta se os não recebem. De certa forma, é um modo de nos coçarmos uns aos outros ou da satisfação de sermos ouvidos. O ser humano tem a necessidade constante de receber atenção, mesmo que esta venha de desconhecidos, sendo uma das razões do sucesso das redes, que acabam por nos dar uma falsa sensação de que somos importantes para alguém pelas tais visualizações, “likes” e postagens.
O escritor italiano Umberto Eco escreveu: “As redes sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, antes, falavam só no bar depois dum copo de vinho sem causar qualquer dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um vencedor do Prémio Nobel”. Nas poucas vezes que me dei ao trabalho de ler as opiniões dos participantes na discussão de um ou outro tema, é incrível como qualquer ignorante se permite emitir opinião sobre aquilo que desconhece. Se o assunto é sensível, como é o caso especial da política, futebol ou religião, os ânimos exaltam-se, a conversa rapidamente vira insulto e agressão verbal, num “chiqueiro virtual” em que a única coisa que se pode aprender é a ser grosseiro, mal-educado, provocador e estúpido.
A internet e as redes sociais tornaram-se muito importantes, mas, a reboque, aí se instalaram “tribunais instantâneos” onde tão depressa se fazem heróis como afundam reputações, tantas vezes sem nada ter a ver com a realidade. Ali tanto se pode encontrar gente boa, sábia e brilhante, como estúpidos, maldosos, quando não criminosos e o que se toma por inocente pode virar um problema sério, especialmente pelo excesso de exposição pessoal. A exposição exagerada não tem causado só problemas de segurança com golpes, violência, fraudes e até sequestros, como tem gente que, por postar mais do que devia, acabou por perder o emprego, amigos ou foi parar a tribunal.
Um programa televisivo brasileiro montou uma tenda num shopping onde selecionava pessoas para uma consulta com um falso “guru”. A curiosidade fez com que muita gente se inscrevesse, fornecendo os dados de identificação. Enquanto aguardavam pela “consulta” com o “guru”, um grupo de assistentes do programa acedia às redes sociais para pesquisar todos os detalhes sobre a vida pessoal de cada um dos inscritos. Era assim que o falso “guru”, com um pequeno auscultador no ouvido, recebia as informações sobre cada um e desempenhava o papel de “visionário”, deixando-os de boca aberta e perplexos com o grande número de detalhes revelados pelo “guru”, chegando a ficar emocionados. E no final, já informados pela realização do programa que todos os dados sobre as suas vidas haviam sido recolhidos nas redes sociais, ficavam surpresos e assustados pela grande exposição, bem como pela consequente falta de privacidade e segurança.
De forma geral, toda a gente sabe (ou devia saber) que a internet não é o lugar mais saudável do mundo. Através das redes sociais ela criou espaço para comunidades e trocas incríveis, embora em simultâneo tenha dado vazão à intolerância e discurso do ódio. O seu poder é tão grande que consegue a rápida mobilização de pessoas concentradas num determinado evento ou objetivo, seja para o bem ou para o mal. Foi assim com a “Primavera árabe”, como tem sido em muitas outras mobilizações e movimentos cívicos.
Vale a pena refletir um pouco sobre o poema bem-humorado do poeta brasileiro Braulio Bessa:
“Lá nas redes sociais, o mundo é bem diferente. Dá pra ter milhões de amigos e mesmo assim ser carente. Tem like, a tal curtida, tem todo o tipo de vida, pra todo o tipo de gente. Tem gente que é tão feliz, que a vontade é de excluir. Tem gente que você segue, mas nunca te vai seguir. Tem gente que nem disfarça, diz que a vida só tem graça, com mais gente a assistir. Por falar nisso tem gente que esquece de comer, jogando, batendo papo, nem sente a fome bater. Celular virou fogão, pois no toque de um botão, o rango vem pra você. Mudou até a rotina de quem se está alimentando. Se a comida for chique, vai logo fotografando. Porém, repare, meu povo: quando é feijão com ovo não vejo ninguém postando.
Esse mundo virtual, tem feito o povo gastar, dividir rolos de massa, ir prá festa, viajar e, claro, mais importante, que é ter distante, distante, um retrato para postar. Tem gente que vai pró show, do seu artista preferido. No final volta pra casa, sem a nada ter assistido, pois foi lá só pra filmar. Mas pra ver no celular, nem precisava sair.
Lá nas redes sociais, todo o mundo é honesto e contra a corrupção, participa no protesto, porém sem fazer login, não é tão bonito assim. O real é indigesto: Fura fila e não respeita, se o sinal está fechado, pensa corromper o guarda, quando está a ser multado. Depois quando chega a casa, digitando mete brava, criticando o deputado.
Lá nas redes sociais, a tendência é ser juiz e condenar muitas vezes, sem saber nem o que diz. E não é nenhum segredo, que quando se aponta o dedo, voltam-se 3 pró seu nariz. Conversar, por exemplo, conversar pra uma cela, é tão frio, tão esperto, prefiro pessoalmente, pra mim sempre foi o certo. Sou a meio disto, pois junta quem está distante, mas afasta quem está perto.
E os grupos? Tem grupos de todo o tipo, com todo o tipo de conversa, com assuntos importantes, e outros que não interessa. Mas tem uma garantia, de receber durante o dia, um cordel de Braulio Bessa. E se você receber, esse simples cordel, que eu escrevi à mão, num pedaço de papel, que tem um tom de humor, mas no fundo é um clamor e um pedido pra viver: Viva a vida e o real, pois a curtida final, ninguém consegue prever”.