Havíamos chegado a Luanda há alguns dias e, instalados na pensão bem perto do mercado de S. Paulo, conseguira convencer o Zé, meu colega e amigo, a comer o bife que lhe serviram ao jantar porque, como estava habituado à “comida da mamá”, já andava a passar fome desde que saímos do continente. Meteu a primeira garfada à boca e, quando se preparava para cortar mais um bocado de carne, naquela sala onde as moscas eram mais que muitas, duas delas “abraçaram-se” em pleno voo e, incapazes de controlar a aterragem, caíram aos trambolhões dentro do prato dele. E com um ar de desgraçado e de quem não sabe o que fazer, perguntou-me: “E que faço agora”? Sem pensar muito, disse-lhe o que pensava: “Empurra-as para o lado e acaba o bife”. Era um tempo em que não havia lugar ao desperdício …
Como é que um pequeno inseto, seja mosca ou o mosquito, nos pode estragar a refeição ou dar-nos cabo do juízo ao pôr-nos a fazer figura de estúpidos dando “sapatadas” na cara, na cabeça ou no corpo, na tentativa de lhes acertar sem que levemos a melhor na maior parte das vezes? Chega a ser desesperante travar luta tão inglória. Ainda hoje andava cá por casa a “jardinar” e suei bastante. A certa altura, as moscas começaram a voar à minha volta tentando pousar na cabeça, nas orelhas e no nariz, atacando e fugindo logo numa estratégia de “guerrilha” que fazia “moça” pelo incómodo. Uma chatice. Mas o pior foi quando uma delas ficou às voltas dentro da orelha, obrigando-me a dar uma palmada na cara com mais força que a desejada. Raio de mosca. Mas são rápidas, bem mais rápidas do que nós. Dificilmente lhes acertamos. E tudo está nos olhos e na velocidade de perceção das imagens, um sem número de vezes mais rápida do que nós, que lhes permite perceberem o nosso movimento muito cedo, mal o comecemos a fazer e que lhes dá tempo para se “porem ao fresco”. Sempre que vou fazer a minha caminhada matinal atrás da Becas, sim, porque é ela que me leva a reboque, numa parte do percurso é habitual ser atacado por umas moscas pequenitas, mas chatas, que me obrigam a tentar sacudi-las agitando as mãos dos dois lados da cabeça ou abanando com o boné. Ontem, quando ia a chegar ao cimo duma subida a fazer tal figura de parvo, de tão desesperado, ao agitar as mãos acertei nas hastes dos óculos escuros que uso nos dias mais luminosos, indo estes parar ao asfalto da rua com alguma força. Como que de forma automática, fecharam-se e, com as lentes arredondadas voltadas para baixo, começaram a deslizar pelo asfalto ladeira abaixo. De repente, vi-me a correr atrás dos óculos na descida, mas quanto mais corria, mais os óculos aceleravam qual “skate” e não os consegui apanhar senão quando pararam lá no fundo. Se alguém ali ao lado estivesse a ver a cena pensaria que era o programa dos “apanhados”. Claro que as lentes ao deslizarem sobre o asfalto áspero, foram bem “esmeriladas” sem eu pedir. E tudo por culpa de uma mosquinha, a que nem sequer se podia chamar de mosca …
Não gosto de moscas nem de mosquitos por muito ecologista que seja e não espero vir a ser convencido do contrário. Nem mesmo quando nos dizem que a “mosca soldado negra” pode ser uma solução para o problema da alimentação humana. Já há criadores de larvas desta espécie de mosca pois, diz quem sabe, elas conseguem transformar qualquer resíduo orgânico em proteína de altíssima qualidade. Mas nem assim. É que “as moscas tanto pousam no mel como no estrume” e, quando me tentam chatear, nunca sei de “onde é que elas vieram”.
Já decidi que não inicio nenhuma viagem por mais curta que seja com uma mosca “a bordo”. São um perigo à condução porque, quando se poem a voar à nossa volta podem ser tão chatas que nos obrigam a tentar abatê-las o que, para quem vai a conduzir, pode ser um problema sério …
Mas, muito mais incomodativo que a mosca, é a melga. A melga é um mosquito, embora nem todos os mosquitos são melgas. Só as fêmeas, pois os machos não nos picam nem chateiam. Só mesmo elas têm o péssimo hábito de nos darem cabo do juízo e do corpo. Diria que é uma característica inata de “género” … Mas, voltando à melga, para além de duas asas está também munida de uma tromba especializada em picar a pele e sugar sangue. Mas se há alguma coisa de que não gosto (nem ninguém penso eu …) é ser acordado a meio da noite com um “bzzzzzz”, “bzzzzzz” a entrar pelos ouvidos, do tipo berbequim a furar, voando à volta da cabeça num vai e vem sem parar, diminuindo ou aumentando de intensidade conforme se afasta ou aproxima. Quando acordado ao “toque de ataque” desse “inimigo invisível”, sem pensar e de forma instintiva, cubro a cabeça com o lençol e tapo-me todo para impedir que tenha acesso à minha pele. Mas o “bzzzzzz” não para, pois ela sabe que tem sangue fresco ali à mão. Às vezes, quando mais acordado, acendo a luz, mas desaparece como por encanto. Mal apago o candeeiro, o som volta. Só me resta sujeitar-me ao castigo para lhe montar a armadilha. Ponho o braço esquerdo de fora dando-lhe “campo” para ela aterrar e picar. E deixo que enterre a tromba e comece a sugar sangue, para se distrair da palmada que a mão direita tem preparada. Só assim será possível abater esse “inimigo”.
As melgas atacam-nos porque somos como que um “camião cisterna” do alimento necessário para a maturação dos seus ovos: o sangue. E conseguem facilmente descobrir-nos pois emitimos odores especiais que elas detetam, como “letreiro em supermercado”. Já me aconteceu estar com outras pessoas em quem elas não “tocam”. Será que é gente com o sangue envenenado e, se picarem, morrem? Ou terão o sangue estragado e com sabor a ranço? A acreditar nos estudiosos, há alguns humanos que emitem algo parecido com um repelente, que as afasta. Infelizmente, não é o meu caso. Chego a pensar que o meu tem mel …
Já agora que estou a pensar no muito que “fui mordido” ao longo da vida, não há dúvida que as maiores “picadelas” que levei foram dadas por “melgas” bem maiores e que não têm tromba, mas “trombas”. A alguns, bem me apetecia “parti-las”. Verdade seja dita que nunca me acordaram a meio da noite nem tão pouco fizeram “bzzzzzz” à minha volta a avisar que estavam prestes a picar-me. Nisso, as verdadeiras melgas são honestas porque avisam quando vão atacar, ao contrário das “melgas grandes”, que são traiçoeiras e enganadoras.
Há muitas recomendações para afastar as melgas e evitar as picadas dolorosas, desde usar roupa clara, “fazer de morto”, andar com uma ventoinha e outros mais ou menos curiosos. Além disso há os meios técnicos expressos numa grande variedade de aparelhos feitos para matar ou repelir. Para não ser “picado” pelas outras “melgas”, tenho alguma dificuldade em dar conselhos, porque preciso de alguns. Em teoria, é fácil. Para resistir ao “canto da sereia”, lembra-te bem: “nos negócios, não existem amigos, apenas clientes” e “não emprestes dinheiro a um amigo, porque perderás os dois”. Se formos capazes de seguir estes dois princípios, não precisaremos de nenhum outro “repelente” …