Mas, o que é que eu ia fazer?

Estava no quarto quando me lembrei de telefonar a um amigo. Fui à sala, levantei o auscultador e… fiquei a dar voltas à cabeça. Não sabia a quem ia telefonar. Regressei ao quarto (por vezes resulta voltar ao “local do crime”) mas, nada. Já há muito deixei de me irritar e estou convencido que esquecimentos e lapsos de memória acontecem com toda a gente: “O que é que eu ia fazer?” “O que é que eu estava a dizer?” “Como é que aquele se chama?”

Comecei cedo a “treinar”, mas vem-se agravando com a idade. Tinha dezoito anos e estudava na Escola Agrícola onde passava o trimestre sem vir a casa, sem telefonar e em que a única comunicação com a família era uma carta ocasional para dar sinal de vida. Quando tiramos uma fotografia da turma e tive direito a uma (coisa rara à época), entendi que a devia enviar aos meus pais. Escrevi-lhes uma carta a acompanhar e meti-a no correio. Quando fui ao quarto, encontrei a fotografia em cima da cama. Chateado, escrevi nova carta que fui a correr colocar no marco do correio mas, ao voltar ao quarto, vi que a fotografia permanecia em cima do travesseiro, teimosamente. Enfim, só a consegui enviar à terceira tentativa…

A memória é uma espécie de “armazém” onde guardamos coisas. Quando precisamos delas, vamos à procura mas, por variadíssimas razões, ou não as encontramos ou nos escapam em segundos. Estudiosos brasileiros dizem que os esquecimentos têm a ver com a gravidez (não me recordo de ter estado “grávido”), com a menopausa (devem estar a gozar comigo…), por não comer carne suficiente (será que terei de ser carnívoro como um leão?) ou por estar a fazer uma viagem de longa duração – no meu caso deve ser isso, pois estou “em viagem” há mais de sete décadas… Alguns neurologistas afirmam que acima dos sessenta anos os lapsos de memória aumentam de frequência pois a memória vai-se escapando, tal como a massa muscular. Daí ser necessário fazer exercícios para a melhorar. E o que recomendam? Aprender coisas novas como pintura, línguas, música, habilidades, isto é, mais coisas para… esquecermos. Dizem até que devemos ficar atentos ao que é importante… para esquecer o resto. Combater o stress e a ansiedade – por acaso, não seria melhor esquecê-los? Fazer exercícios mentais e físicos, quando tudo nos pede para ficarmos a dormir. E, dormir bem. Quem não quer?

A publicidade quer vender-nos medicamentos para ficar com… memória de elefante. Se calhar, só nos lembraremos do preço do produto… A Teresa tem uma técnica pessoal para não se esquecer de algo que se lhe peça: Faz uma cruz nas costas da mão com a esferográfica. Mas, já me disse que muitas vezes olha para a cruz… mas não sabe o que significa. Acontece a todos, até a um ilustre e conceituado advogado de Lousada quando foi ao Porto com a esposa. Ao fim da tarde regressou a casa e, só quando perguntou aos filhos onde estava a mãe, é que se apercebeu que se esquecera dela na cidade invicta…

Eu, confesso, sofro de “esquecimentos” crónicos, “refinados” com a idade. Perdoem-me as pessoas que tenho deixado “penduradas” à espera, por esquecimentos de que não sou culpado. Bem tento evitar que isso aconteça e até uso uma agenda e papelinhos como “auxiliares de memória”. O problema é que me esqueço também de os ler… E os “papelinhos”? Também acabam por ficar “esquecidos” por aí… Assim, como é que me consigo lembrar? Há ocasiões em que saio para me encontrar com alguém mas, uma simples chamada ou uma paragem para um recado são suficientes para “apagar” o que ia fazer, desviando-me para algo bem diferente. Imagino o que esse alguém deve ficar a pensar de mim… Nalguns casos, é um “apagão” total, que só vem ao de cima tempos depois, ao encontrar o ofendido…

Existem esquecimentos “Convenientes”, que dão muito jeito para resolver situações, os “Perigosos”, que temos de evitar a todo o custo pelas consequências, à cabeça dos quais coloco o “aniversário da mulher”. Um enorme perigo… Os “Esfarrapados”, que não passam de “desculpas de mau pagador” – e consigo lembrar-me dos “amigos” que se “esquecem” de pagar o que lhes emprestamos e outros caloteiros que se “esquecem” sempre do livro de cheques.

Porque será que as coisas que eu gostaria de esquecer são aquelas que mais vezes me veem à “mona” e as outras, que quero lembrar, são precisamente as que esqueci? Será que as “arquivei” no “sítio” errado?

Dizem que os “lapsos de memória” se devem à redução do número de neurónios, mas isso só me facilita a vida: São menos, é mais fácil geri-los… Por isso, podem-me contar um segredo à vontade que fica bem guardado. Nunca mais me lembro do que me disseram… Aliás, contaram-me alguma coisa?

Ter uma memória péssima e esquecer, dá-nos o grande privilégio de nos divertirmos sempre com as mesmas coisas, como se fosse a primeira vez. Como me esqueço do que contei ontem aos amigos, amanhã posso voltar a repetir-lhes as mesmas histórias, as mesmas piadas, pois são sempre novas… E eles acham graça… até porque também as esqueceram…

Ora, é precisamente o que acontece com os políticos que nos prometeram um país melhor, uma vida melhor, um mundo melhor. Muitos já estiveram no “poleiro” e “esqueceram-se” do que haviam prometido por várias vezes, como eu me esqueço das histórias que contei aos amigos. Por isso, voltam sempre a “jurar” dar-nos tudo, como se fosse a primeira vez, com o mesmo “entusiasmo”, com o mesmo “desplante”, com a mesma “cara sem vergonha”, seguidos pelo mesmo séquito de “lambe-botas”, pela mesma cáfila, pelas mesmas “moscas” pousadas na… E até se convencem do que dizem, “esquecendo” o país e as pessoas que cá vivem na ânsia do poder.

Será que “prometer” estraga a memória do “computador”?

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