Uma lição que vem da Madeira…

Há dias, ao entrar no escritório, fui recebido pelo ladrar defensivo de uma cadelita que, “colada” à Teresa, parecia querer proteger o seu “território” e a sua “dona”. De raça pequena, pelo muito preto e brilhante, tinha duas manchas castanhas sobre os olhos o que lhe conferia uma beleza original. Percebi que era mais um “protegido” da Teresa e por isso aproximei-me daquela “dez reis” de cão, baixei-me e acariciei-lhe a cabeça, fazendo com que os latidos se transformassem num abanar da cauda em manifestação de alegria. Soube então que, quando a Teresa regressava ao trabalho após o almoço, viu-a a cambalear pela estrada. Apercebendo-se logo que algo não estava bem, e ao contrário do que seria habitual num cidadão comum, parou e fez com que os carros que vinham atrás de si parassem também, para socorrer o animal e evitar que fosse novamente atropelado. Pegou-lhe com cuidado e colocou-a no carro, seguindo para o trabalho. Quando a levava ao colo para o escritório, viu que estava ferida e “zonza”, sem saber se seria de fraqueza ou como consequência do atropelamento. Deitou-a junto à sua secretária, deu-lhe de comer e cuidou-a, fazendo com que acabasse por adormecer de cansaço.

Por isso, ao ver-me entrar, a pequenota “avisou-me” para não interferir no seu sossego (recém adquirido), provavelmente depois de ter escapado ao inferno que é o abandono de animais. E isso vir-se-ia a confirmar porque, para esclarecer a dúvida se teria dono ou se era mais um caso de abandono, depois de a fazer tratar por um veterinário, a Teresa deu-se ao cuidado de percorrer os lugares próximos do local onde a encontrou indagando os moradores, mas os resultados foram nulos, tudo indicando que alguém “despejara” o animal da sua vida.

Ali agachado junto da cadelita, acariciando-lhe o dorso e a cabeça, ela “disse-me” muitas coisas que nós, “ditos” seres humanos, precisamos de ouvir repetidamente. Porque é que a abandonaram depois de ser atropelada? Se há condutores que fogem quando atropelam pessoas, o que podia ela, animal insignificante para muitos humanos, esperar de quem trata assim os seus semelhantes? Achava até que a culpa seria sua por andar distraída, na sua ansiedade de querer encontrar o dono que tanto amava. Sim, ela e qualquer cão, entregam o seu coração ao dono, a quem são fieis e leais até à morte, independentemente da forma como são tratados. Se ele lhes dá de comer ou fome, se acaricia ou bate, se afaga ou dá pontapés, eles aceitam, porque é essa “a natureza” do ser humano (como é da natureza o lacrau picar quem o ajude). E continuava à procura do dono porque acredita que foi “distração” dele quando a atirou janela fora ou a fez sair do carro longe de casa e arrancou à pressa. “Que vai ser dele sem mim? Quem o vai receber ao portão? Quem o leva a passear? Quem lhe faz carícias e se deixa acariciar por ele sem pedir nada em troca?”

Ainda combalida, confessou que já tinha falado com um “passador” para fugir, pois aqui corria risco de vida. O cão que está a tratar disso não “cobra” nada como fazem esses “passadores” humanos lá para a Síria e outros bandas (cá também os há…), traficantes que “roubam” quem precisa de fugir para salvar a vida. Se ela continuasse na rua, seria chamada de “cão vadio”, como os vagabundos das grandes cidades que a sociedade quer retirar da rua (há quem até os queira “erradicar”, tal como aos velhos, para não consumirem recursos, deixarem de estorvar e não darem “mau aspeto” aos locais por onde andam). Ora, a sociedade dos homens também não aceita os “cães vadios” por razões que ela não entende e, por isso, os querem recolher em “hotéis” chamados Canis Municipais, alguns que não passam de “pensões” rascas. Mas os animais sabem o que os espera e fogem, pois desde cachorros estão informados que o Canil é comparado aos campos de extermínio nazi, para onde se era levado à força, enfiado em camaratas (jaulas) apinhadas e sem condições de higiene e sanidade. Ali se ficava a sofrer, a lamuriar (ladrar), com falsas promessas quando, afinal, se acabava nas câmaras de extermínio, gaseados e mortos. E, tirando aqueles poucos que algum humano caridoso decide adoptar, o extermínio também acontece no Canil ao fim de uma semana ou duas, conforme o prazo previsto no seu Regulamento, uma espécie de “prazo de validade” atribuído por alguns homens. Só que não lhe chamam extermínio mas sim “abate”!!!…

A pequena cadela confessou-me que, durante a noite, grandes grupos de cães e outros animais de estimação ditos vadios, estão a fugir para o litoral, acompanhados dos tais “passadores”, gente que conhece os caminhos mais seguros para não serem apanhados pela “ramona” dos animais. O objetivo é embarcá-los clandestinamente no porão de barcos e aviões para chegarem à “Terra Prometida”, neste caso à… ilha da Madeira. É verdade, ali estarão a salvo porque naquela região, está escrito em letra de lei, que É PROIBIDO O ABATE DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO.

Nestas histórias, duas coisas são reais: A recolha da pequena cadela pela Teresa e a proibição do abate de animais de estimação na Madeira, um triunfo da civilização sobre a barbárie.

Dizia Gandhi que “a grandeza de uma nação e o seu progresso moral podem ser medidos pelo modo como os seus animais são tratados” ….

Será que neste país só os madeirenses são capazes de atingir essa grandeza e essa dimensão moral? E nós, continentais e açorianos, não somos capazes de dar esse passo, de deixarmos de exterminar animais que foram companheiros fieis e leais a muitos de nós? Saibamos seguir o exemplo…

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