E venha o diabo e escolha…

Um dia aterrei em Oslo, rumo à Suécia, com o Paulo Sérgio, o meu parceiro de viagem ao serviço do desporto automóvel. À nossa espera estava uma carrinha enviada pelos organizadores da prova sueca de ralicrosse, o Clube de Fineskoga, para nos levar a Holjes, duzentos quilómetros para o interior.

Já lá estavam mais comissários de outros países, com os quais enchemos uma viatura de nove lugares. Antes de partirmos, o belga Guy perguntou-me: “Trazes garrafa de whisky?” – “Para quê” perguntei. Meteu a mão no bolso das calças e tirou uma pequena garrafa, dizendo: “Lá, se tens garrafa, tens mulher”. Não valorizei a afirmação e pouco depois partimos rumo à terra dos Abba.

Entramos na floresta, passamos da Noruega para a Suécia mas, quilómetros adiante da fronteira e no meio do nada, uma brigada da polícia fez-nos paragem. Razão? Controlar a entrada de álcool, pelo que a carrinha foi revistada. Não encontraram nada e seguimos.

Estranhei, nunca vira isso em Portugal. Fiz perguntas e então soube que havia um controle apertado ao ponto dum piloto sueco no seu regresso de Portugal, da prova de Lousada, ter sido apanhado com algumas garrafas de whisky no carro, que lhe valeram meses de cadeia. Pensei que já não havia disso desde o tempo da “lei seca” na América. Lembrei-me então que o Eric e o Leif, diretores do clube de Fineskoga e nossos convidados, enquanto estiveram entre nós “molharam os pés” dia sim, dia sim.

Chegamos a Holjes, uma povoação de duzentos habitantes no meio da floresta e longe de tudo, que nessa semana tinha uma população flutuante de quinze mil pessoas, a viver em tendas e caravanas. Dormimos numa pousada na montanha e só nos encontramos com o Eric no dia seguinte. Quando nos viu, recebeu-nos com um abraço e disse meio em surdina: “Logo, tenho uma coisa especial para vós”. Eu e o Paulo ficamos a matutar no que seria. Na Suécia, só conhecíamos uma coisa boa…

Ao longo do dia sempre que nos encontrava repetia a promessa, o que nos fez aguçar a curiosidade. Até que, ao escurecer, uma carrinha Volvo parou junto de nós. Ao volante, a mulher do Eric e ele ao lado. “Entrem, é agora”. E entramos, arrancando de imediato. Então, o Eric abriu o porta luvas e retirou de lá uma garrafa. “Bebam, que este é feito por mim”, disse ele. Não queríamos acreditar… Álcool de fabrico artesanal, tido por ele como “uma coisa boa”. Por amor de Deus!!! Para não demonstrar a desilusão, levei a garrafa à boca e fingi que bebi, tendo o Paulo feito o mesmo. Prometeu ainda que, no dia seguinte, teria algo mais especial: Uma garrafa de whisky…

Nessa noite, cinco ou seis mil pessoas dançavam ao ritmo de uma banda instalada sobre um camião no centro da povoação. Um bar alimentava com dificuldade as necessidades de bebidas daquela multidão, vendendo águas e refrigerantes. Quando nos aproximamos, apercebi-me que algo estava errado, e perguntei a um comissário alemão nosso amigo. “Bernd, no bar só vendem água e refrigerantes, mas estão todos bêbedos. O que é que se passa?” – “É simples. Olha aquele par. Leva a coca-cola na mão mas vai ao carro beber da garrafa de álcool que traz. Fazem todos o mesmo”. Assim era. Meia dúzia de milhares de pessoas embalavam-se ao ritmo da música, “bêbados como cachos”, segurando-se uns aos outros para se não estatelarem no chão, com uma lata de refrigerante na mão, a fingir, e a boca na garrafa de álcool escondida no carro. Só visto. Nunca imaginei encontrar aquilo na Suécia, onde julgava só haver coisas boas… Era uma espécie de “grande sala de chuto de álcool” ao ar livre. Ah, e o Guy lá andava, provando que a sua teoria estava certa…

Com o controle apertado sobre o álcool, as pessoas furavam o esquema, produziam e bebiam até cair, sempre que podiam. E ali podia-se. Disse-me ainda que, na Alemanha, onde vivia, juntavam-se grupos de rapazes e grupos de raparigas ao fim de semana, em separado, a beber, e era “de caixão à cova”. “Contai que um dia destes isto também acontecerá em Portugal. É só uma questão de tempo. A coisa ruim espalha-se como o cancro…”

Duas décadas volvidas, já não tenho por cá o Bernd (nem o Paulo Sérgio) para lhe dizer que a sua previsão estava certa. Longe vai o tempo em que, com álcool, quase só tínhamos vinho para beber. Mas, hoje não faltam bebidas em quantidade e variedade, fracas e fortes, tornando-se um problema muito sério a ter em conta.

Já se parte rumo à noite com tal objetivo. Começa-se por “aquecer os motores” com alguns “shots” e depois “é sempre a abrir”, com cerveja e todo o tipo de bebidas, até à “pedrada” final. Tal como na Suécia e na Alemanha de décadas atrás, assistimos a bebedeiras coletivas do género das que vi, um espetáculo deprimente que nos dá que pensar. E vamos ver isso dentro de dias nas Festas Grandes de Lousada, como se fosse desenvolvimento, moderno, evolução…

E as consequências? Todos as conhecemos: Comas alcoólicos, acidentes de viação às tantas da manhã, perda de vidas jovens e menos jovens, gente agarrada à cadeira de rodas…

Num tempo em que vai crescendo o movimento para a liberalização do consumo da marijuana eu, que nunca vi qualquer droga com bons olhos, começo a questionar-me sobre o que será pior, se o álcool se a droga. Enquanto o álcool dá euforia, pedalada a mais e apetência para os excessos e a violência, já a marijuana põe o pessoal “numa boa”, numa de “não se passa nada”.

E porque será que a marijuana é proibida e o álcool não? Afinal, qual dos dois provoca mais estragos na sociedade?

Não é que, comparando-os, a marijuana até já nem me parece assim tão má???!!! C’os diabos, ao que eu cheguei, para colocar uma droga ao nível do álcool… Mas, afinal, qual é pior?

É por isso que, cá por mim, entre o álcool e a marijuana,… “venha o diabo e escolha”…

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