A solidão, esse mal do nosso século…

O senhor António foi visitar um velho médico, colega de trabalho que já não via há muitos anos. Estava no jardim e, quando o viu, veio à porta recebê-lo esboçando um sorriso e arrastando uma das pernas com alguma dificuldade. Um abraço selou o reencontro e depois de um desfiar de velhas recordações, disse-lhe o amigo: “Venha ver a minha mulher que está pior do que eu”. E estava. Mas o desabafo do amigo que mais o preocupou veio depois: “Que Deus nos leve aos dois”. O senhor António confortou-o e tentou incutir-lhe ânimo dizendo-lhe que haviam de melhorar, era só uma questão de tempo. “Não, meu amigo, não é a doença que nos mata. O que nos mata é a solidão”, respondeu-lhe ele.

A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido nestes tempos de transformações profundas da sociedade, tão cheios de liberdade, de independência e… do nosso próprio egoísmo. Há quem a considere o grande mal do século e não tem só a ver com a presença ou ausência de pessoas, pois pode sentir-se solidão no meio de muita gente. Tem muito mais a ver com falta de compreensão, com aquele sentimento de abandono, rejeição, inutilidade, ressentimento e falta de esperança.

A decadência da família tradicional, a perda de solidariedade e de outros valores, leva a que, cada vez seja maior o número de pessoas a viverem sozinhas. Dessas, os idosos são os mais afetados por esse mal, especialmente quando são tidos pelos filhos e outros familiares como inúteis, um estorvo, alguém que só dá trabalho e de quem se desejam libertar o mais rapidamente possível.

Isso é visível em todos os sectores da sociedade. Até os hospitais estão a viver esse problema, com o abandono de idosos, pois muito frequentemente ali vão deixá-los mas depois “esquecem-se” de os reclamar, dando muitas vezes moradas falsas para não serem incomodados com telefonemas chatos para irem “recolher os velhos”, como se de lixo se tratasse.

O senhor Alberto vai todos os domingos visitar a irmã mais velha ao Lar onde vive há algum tempo. Quando se atrasa, ela fica inquieta, queixa-se de dores de cabeça ou de qualquer outro mal estar, sempre indisposta. Mas, mal chega, volta a alegria e as dores desaparecem como que por encanto.

Se as pessoas soubessem como é importante uma simples visita aos idosos que vivem sós ou em Lares… E o importante não é dar-lhes alguma coisa mas “dar-se”, concedendo-lhes tempo, ouvindo-os, prestando-lhes atenção, porque eles precisam de falar, querem ser úteis, ter quem os escute. Como é bom dar tempo a quem o tempo escasseia…

O que é que pensará alguém ao ver e sentir que os filhos não têm ( e não querem ter) tempo para ele? Ao sentir que passou a ser um inútil, alguém que está a mais na sua própria casa? Ao aperceber-se que se tornou invisível aos olhos da sociedade, vendo passar por si a multidão que não o “vê”?

Ao ver-se só, esquecido pela família, sem os amigos que já partiram ou estão distantes, ignorado pela comunidade, deixa-se dominar por esse terrível sentimento de solidão, de inutilidade, e as coisas inúteis são descartáveis, vão parar ao caixote do lixo.

Anselmo (nome fictício de alguém bem real) já só anda apoiado numa bengala e vivia na companhia da mulher, acamada e sem mobilidade. Apesar de perto morarem três filhos casados, somente uma das noras ia lá a casa preparar-lhe uma sopa quando ele pedia ajuda mas… cobrando uma certa quantia em dinheiro pelo serviço prestado. Os filhos também o visitavam… na noite de Natal e pouco mais. No entanto, todos eles viviam em casas que eram pertença dos pais, livres do “incómodo” de pagar renda… Até que se cansou de estar sozinho, sem o apoio de quem tinha esse dever…

A solidão pode ser um bom local para se visitar mas, seguramente, nunca será um bom lugar para lá se viver até porque é deprimente e, o solitário, um deprimido, um pobre coitado. Há quem a veja como uma condenação, uma consequência inevitável do abandono pelo outro à sua própria sorte, “condenado” a viver só. Diz-se que é o pavor de muitos e o alívio de poucos.

Todos nós acreditamos que somos alguém até ao dia em que, de repente e num momento de solidão, começamos a perceber que as coisas não são como pensávamos. E isso dá medo. Medo da ausência, de não ter com quem dividir, com quem partilhar o sofá, a cama, as alegrias e as tristezas, a vida…

Ninguém quer ficar sozinho, todos querem pertencer à multidão. Mas a solidão é uma consequência destes tempos. E o absurdo é que, tendo à nossa disposição tecnologia, meios de comunicação e informação como em nenhuma outra época, mesmo assim somos solitários. Aliás, vimos a este mundo sozinhos e, no final, morremos sós.

Nada sabemos (ou queremos saber) de solidão, de estar só e abandonado, como um velho no jardim procurando captar a atenção de alguém mas, os que passam, ficam indiferentes e viram a cara para o lado, como que fugindo do velho, como que fugindo da velhice, como se assim a pudessem rejeitar um dia. Mas ela chegará… e pode vir carregada de solidão, daquela que se não quis ver no velho…

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