Somos tão estranhos.Nós e o mundo…

Ser estranho é sinónimo de invulgar, excêntrico, fora do comum. Às vezes, insólito. E há coisas realmente muito estranhas. Só que, de tão absorvidos nas nossas vidinhas, nem damos conta do quanto o são. Nalgumas ocasiões, paro, observo o absurdo e chego mesmo a rir-me sozinho pelo insólito. É o caso do Cemitério dos Prazeres. Que raio de nome para um local de onde o “prazer” foi banido. Fica lá para a capital e, ao que dizem, dá “abrigo” a muitas das figuras e figurões mediáticos que vão desde políticos a artistas. Será por ali estarem enterrados alguns dos que eram ouvidos e vistos com prazer? Ou pelo prazer de saber que, afinal, esses também “vão de vela” e estão ali sepultados? Afinal, é tudo uma questão de “prazer” ou melhor, “prazeres”. Também se sabe que naquele cemitério foram a enterrar muitas pessoas da chamada classe alta lisboeta, que usufruíram bem dos prazeres da vida. A ser assim, também pode ser mais uma das razões para a atribuição do nome, sinal de que os “prazeres” da vida foram a enterrar. Mas, até por isso, o nome não está bem adaptado àquela “quinta das tabuletas” pois, tratando-se de um lugar de recolhimento e oração associado à dor da perda, não deveria ser confundido com os risos de alegria do prazer, mesmo com gritos à mistura…

No entanto, as coisas estranhas não se ficam pelo cemitério e chegam às nossas aldeias. Em Castro Daire existe uma chamada “Chiqueiro”. Será que se pode dizer que os seus habitantes são… porcos? É que, que eu saiba, são eles que costumam viver no chiqueiro… Também em Oliveira de Azeméis existe a aldeia dos “Traseiros”. Julgo ser inquestionável que, em todas as aldeias de Portugal onde ainda há população… há “traseiros”. E são tantos quantas as pessoas, pois nunca soube existir por cá alguém com dois ou mais…

Não deixa de ser curioso como duas aldeias, que ficam a distância considerável entre si, têm nomes que sugerem ser uma útil à outra: Enquanto na Lousã uma delas tem o nome de “Terra da Gaja”, a outra, que é pertencente ao concelho de Vila Franca de Xira, dá pelo nome de “Cama Porca”…

Agora sei que há uma terra onde se vende um certo “instrumento”. É em Pedrógão Grande e chama-se “Venda da Gaita”… Já mais a sul, em zona de planície pertencente a Viana do Alentejo, encontra-se o “Vale da Rata”. Não faço comentários, para não ser mal interpretado. Caso contrário, ainda me mandam para Mafra, à “Venda das Pulgas”.

Como será que se chamam os habitantes de uma aldeia de Santo Tirso chamada… Cabrões? Serão mesmo “cabrões”? Presumo que não devem andar por aí a dizer que o são ou… vão ser motivo de grande gozo.

Por esse mundo fora são inúmeros os sinais de que somos estranhos. Mas, não precisamos de ir longe. Basta vermo-nos ao espelho:

Somos incapazes de andar cem metros a pé para levar o filho à escola ou carregar as compras do supermercado, mas depois fazemos caminhadas de quilómetros e levantamos pesos no ginásio, para fazer exercício. Não há aqui uma grande dose de estupidez e contradição? Passamos a vida a cortar árvores para o fabrico de papel e depois usamos o papel para fazer campanha contra o abate das árvores.

Um nosso concidadão comprou no cemitério local onze campas, sem que o motivo fosse por estarem em saldo. Não estavam. Esgotou o “stock” de disponíveis. Não é para fazer negócio enquanto está vivo, porque é proibido, não é para fazer negócio quando estiver morto, pois “está impedido”. Talvez queira espaço para fazer “caminhadas” quando estiver “do lado de lá” ou para receber os amigos. Como será um encontro de ossos? Com tanta “propriedade”, o difícil é escolher…

Até o Dai Lai Lama tem opinião formada sobre o quanto estranho é o ser humano. Diz ele: “O que mais me surpreende na vida, é o homem, pois perde a saúde para ganhar dinheiro e depois perde o dinheiro para recuperar a saúde. Vive pensando ansiosamente o futuro, de tal forma que acaba por não viver o presente, nem o futuro. Vive como se não fosse morrer e morre como se não tivesse vivido”.

Mas somos mesmo estranhos. Se um pobre diabo rouba um pão, todo o mundo o chama de “ladrão”. Mas, se um gestor ou político rouba, ou melhor, “desvia” um ou muitos milhões, então já se diz: “Aquele é que foi fino”. É por isso que o Isaltino Morais não se cansa de apregoar: “Digam o que quiserem. Eu sou a prova viva de que a reinserção social funciona em Portugal!!!”

O próprio papa Francisco, apesar da sua grande tolerância e bondade com os homens, não deixa de pensar também que o ser humano é estranho, porque:

  • “Briga com os vivos, mas leva flores para os mortos;
  • Lança os vivos na sargeta e pede um bom lugar para os mortos;
  • Afasta-se dos vivos e agarra-se desesperado quando estes morrem;
  • Fica anos sem conversar com um vivo, mas tem o dia todo para ir ao velório do morto;
  • Critica, fala mal e ofende o vivo, mas santifica-o quando este morre;
  • Não liga, não abraça, não se importa com os vivos, mas se autoflagela quando estes morrem;
  • Aos olhos cegos do homem, o valor do ser humano está na sua morte e não na sua vida…

É bom pensarmos nisto, enquanto estamos vivos”…

Quem dobrou o seu paraquedas hoje?

Não gosto de fardas. São monocórdicas, embora niveladoras. Prefiro ter a opção de me vestir mal… Sei que muitas vezes são práticas, indispensáveis, importantes e eficazes mas, “não é a minha praia”. Que me lembre, só andei fardado na tropa por não ter alternativa. Mal saía do quartel, “mudava de farda”. Um aluno de psicologia da Universidade de S. Paulo vestiu a farda do “pessoal de limpeza” na própria Universidade e desempenhou o lugar como qualquer outro trabalhador, como parte do estágio de uma das disciplinas do curso. Quando pensava surpreender professores e colegas com essa atitude, ficou profundamente impressionado porque, tanto uns como outros, não o identificaram nem reconheceram. Ignoraram-no sem um cumprimento sequer, como se ele fosse invisível. Nem se apercebiam da sua presença. Mas, o que mais o chocou, foi a sensação de não ter sido ignorado ou desprezado. Muito pior. Foi de “não o verem”, como se não estivesse lá, como se fosse uma coisa. Esta experiência não é caso único e mais pessoas puderam comprovar essa “invisibilidade social” quando se veste uma farda ou assume o papel de profissão socialmente subalternizada.

O mais impressionante é que a maioria de nós nem tem a noção desse marginalizar de gente que é gente como nós. Que desempenha uma tarefa com a mesma dignidade daqueles que os ignoram. Quantas vezes não cometemos esse pecado? Como fomos capazes de passar sem olhar, de olhar sem ver, pessoas de carne e osso iguais a nós? Até parece que as excluímos do nosso campo de visão de forma seletiva.

Há muitos anos, conheci uma senhora que trabalhava na limpeza de sanitários públicos no Porto, com quem gostava de meter conversa, para a fazer falar sobre as “anomalias” que costumava encontrar no exercício da sua profissão. Um dia, desabafou muito sentida: “Sabe que há gente que deve achar que somos lixo. Somos invisíveis aos olhos de muitos daqueles que passam por aqui”.

“Charles Plumb foi um dos muitos pilotos de aviões americanos que fez a guerra do Vietname. Ao fim de muitas missões, o seu avião foi atingido e ele, para se salvar, teve de saltar de paraquedas, tendo sido capturado e preso durante seis anos numa prisão norte-vietnamita. Depois de libertado, quando regressou aos Estados Unidos dedicou o seu tempo às palestras, fazendo destas a sua vida, contando a sua experiência e tudo o que aprendeu enquanto esteve na prisão.

Um dia foi saudade num restaurante por um homem que, sorrindo, lhe disse: “Olá, você é Charles Plumb, piloto de um avião abatido no Vietname, não?” “Sim, sou. Como é que sabe isso?”, perguntou Plumb, admirado. “Porque era eu que dobrava o seu paraquedas. Ao que parece, funcionou bem. Não é verdade?”, respondeu o desconhecido. Plumb ficou surpreendido e disse-lhe, agradecido: “Sim, funcionou na perfeição, caso contrário eu não estaria aqui para o contar. Pensando bem, devo a minha vida a si”.

Quando ficou sozinho naquela noite, Plumb não deixava de pensar: “Quantas vezes vi aquele homem no porta aviões e, verdadeiramente, nunca o “vi” e não o cumprimentei. Nem sequer um “Bom dia”. Afinal, eu não passava de um piloto arrogante, ignorando o aprendiz que cuidava da minha segurança”. E pensou nas horas que aquele marinheiro passava a dobrar paraquedas, tendo nas suas mãos a vida de homens que não conhecia…

A partir daí, passou a iniciar as suas palestras sempre com um : “Quem dobrou o seu paraquedas hoje?”

Novos, velhos, ricos, pobres, altos, baixos, bonitos, feios, bem vestidos ou maltrapilhos, todos são importantes porque, independentemente de outras razões, todos são pessoas. Mas, em nome da pressa, do ser distraído, da falta de tempo ou de mil e uma razões mais, a verdade é que ignoramos gente que está à nossa volta e que muitas vezes até faz parte da nossa vida, mas não as chegamos a “ver”, com ou sem intenção, em tantos casos de forma seletiva e automática.

O escritor Eduardo Galeano no seu livro “Os Filhos dos Dias”, conta: “Na manhã (de 12 de Janeiro) do ano de 2007, um violinista dava um concerto numa estação de metro da cidade de Washington. Apoiado na parede, perto de um cesto de lixo, o músico, que mais parecia um rapaz do bairro, tocou obras de Schubert e outros clássicos, durante três quartos de hora. Mil e cem pessoas passaram sem deter seu passo apressado. Sete pararam durante pouco mais que um instante. Ninguém aplaudiu. Houve umas crianças que quiseram ficar, mas foram arrastadas pela mãe. Ninguém sabia que ele era Joshua Bell, um dos virtuosos mais cotados e admirados do mundo. O jornal Washington Post havia organizado aquele concerto”… Será que daquelas mil e cem pessoas nenhuma tinha sensibilidade musical ou só a “ganham” quando num grande auditório com toda a pompa e circunstância, talvez até “ataviados” para a ocasião? Ou todas tinham pressa de chegar a um qualquer lugar ou a lado nenhum? A pressa, essa doença da modernidade…

Um amigo meu tem há muitos anos lugar cativo no estádio onde joga o seu clube do coração. É discreto e simples, mas raramente falha um jogo. No estádio, perto de si, também tem lugar há muito tempo um seu conterrâneo. Como o conhece bem, tentou cumprimentá-lo por diversas vezes, sem resultado. Ele ignorava-o, pura e simplesmente e nunca lhe dirigiu a palavra, nem sequer um aceno de cabeça. Depois de muito tentar, desistiu e fez-lhe o mesmo: Ignorou-o. Mas um dia, para seu espanto, o conterrâneo foi cumprimentá-lo ao lugar como se fossem grandes amigos e, desde aí, mal chegava à bancada, dirigia-se a ele com um “calor inusitado”. O que mudou? Uma coisa simples: O seu vizinho tornara-se candidato a lugar político na autarquia local… E o meu amigo, já passou a ser “visto”. Não como pessoa, mas como “um voto” com pernas… Milagre… O poder que um voto tem!!! Um simples voto!!! Ao que parece, conseguiu transformar arrogância e hipocrisia em boa educação… Mas nunca deixou de ser hipocrisia…

Um meio de limpeza e cultura…

O papel higiénico foi uma criação do século XX. E, se há quem faça do rolo de papel higiénico uma grande “serpentina” para festejar o carnaval ou a vitória do clube do coração, para a maioria não passa de uma longa tira de papel fino destinado à limpeza do “buraco mais importante do homem”, numa zona do corpo que, na gíria popular, é conhecida por padaria, pacote, traseiro, assento, rabo, “sim senhor”, bunda e outros nomes mais ou menos artísticos. Mas, nem sempre as pessoas tiverem o privilégio de terem papel macio para a “limpeza”. Antes, muito antes, os gregos usavam pedras ou argila, na chamada “limpeza mineral”. Os romanos, já utilizavam esponjas embebidas em água, de uso coletivo, enquanto os árabes faziam da mão esquerda (por ser considerada impura) o “material de serviço”. Enfim, por esse mundo fora, quase tudo servia para a “função”: Pedras, folhas de maçarocas e barbas de milho, erva, penas de aves, folhas de diversas plantas e até cascas de mexilhão (também deviam combater a comichão…).

O primeiro “papel higiénico” que conheci na casa dos meus pais não era mais do que pequenos retângulos do jornal O Primeiro de Janeiro que o meu pai comprava todos os dias. Era a alteração do papel como meio de informação para papel como material de limpeza, naquilo a que hoje chamamos reciclagem… Quando a tinta de impressão era de fraca qualidade, o mínimo contacto com a água fazia com que as letras aparecessem reproduzidas no “pacote” do utilizador. Mas não dava para ler…

Terá sido na China que começou a ser usado papel em tal serviço, apesar de serem os americanos a criar o papel higiénico na forma como hoje o conhecemos. Mas há quem discorde da sua utilização com este objetivo. Os indianos dizem que o papel não limpa bem e, por isso, usam a lavagem como método alternativo. Assim, os mais abastados tomam o duche higiénico depois da “descarga”, enquanto os pobres se servem do balde com água e caneco… Os brasileiros copiaram parte deste procedimento pois criaram condições para lavar o traseiro a “jacto de mangueira”, sem terem de sair da sanita.

E dizem os entendidos em hemorroidal, que é uma boa forma de não o irritar…

Nos primeiros rolos, o papel era áspero e mal amanhado. Mais parecia lixa grossa com boa capacidade de “limpeza”, incluindo dos pelos locais… Era a chamada “limpeza total”, hoje tão em voga nos “metrossexuais”. Mas, pouco a pouco, o papel amaciou e tornou-se cada vez mais fino. Tão fino, que era frequente logo na primeira passagem pela “zona de guerra”, um ou dois dedos aparecerem do outro lado da folha de papel, normalmente em estado deplorável… Para eliminar esse “pequeno inconveniente”, as marcas lançaram o papel com duas e até três folhas, embora o povo, mais avisado, já não caía na esparrela. Em vez de utilizar uma só folha, enrolava umas poucas à volta da mão até ter uma camada espessa que aguentasse a pressão dos dedos (esta prática é mais comum quando quem usa não é quem paga…). O que é bom para as marcas…

No entretanto, chegaram os papéis coloridos, às flores, em relevo (talvez para “agarrarem” melhor) e com aroma perfumado. Nunca percebi porquê (Que eu saiba, não temos nenhum nariz nem qualquer outro órgão olfativo no c.). E veio o papel super, ultra, macio e ultra macio e até o papel neve (talvez para arrefecer o “ânimo”). A Renova inovou, conquistando uma boa fatia de mercado com o papel preto. E só lhe posso encontrar uma explicação para esse sucesso: Quando sentados na sanita nós, seres humanos, em algumas ocasiões sofremos imenso a “fazer força”. Porque há coisas “duras” a deitar cá para fora… De tal forma, que não conseguimos impedir as lágrimas de correr pela face… Ora, como as lágrimas podem ser associadas ao luto, o papel preto faz todo o sentido… A verdade é que a Renova transformou um simples produto de limpar m. num artigo de design e desejo, com cores berrantes e chamativas (como se fosse preciso chamar por alguém…).

Com o intuito de combater alguns problemas de saúde como o tal hemorroidal, foi lançado o “Hemo-Roll”, papel higiénico triplo que foi embebido numa infusão de ervas, para atenuar o problema. Não sei se é eficiente. Nunca usei…

Mas, o grande avanço chegou agora com o papel higiénico “sudoku”, uma forma de educar, entreter e contribuir para a promoção cultural. Assim, se é dos que estão apanhados por esse passatempo que exercita a mente, tome nota: Use o papel higiénico com os quadrados mágicos, que o vão deixar alapado na sanita. Mas não se entusiasme demasiado, para não ficar com a “padaria” colada à “tampa”. Vai passar horas e horas entretido, pondo os neurónios em ação sem que o chateiem (a não ser que precisem de si para arrumar o lixo).

Dizem os entendidos que, estar sentado na sanita, é tempo morto que não deve ser desperdiçado. Daí este passatempo, que faz com que o seu cérebro “vá ao ginásio” sem sair de casa, enquanto você “faz força”. É a associação perfeita entre o exercício físico e o mental…

Claro que existem os detratores da evolução deste artigo. Dizem eles que, quanto mais características tiver o papel, como cor, tintas e perfumes, mais hipóteses nós temos de apanhar uma alergia no “traseiro. Por isso, se é dos que acreditam nos estudos que servem de base a tais teorias e tem medo de ver o seu rabo às pintas, recuse o papel higiénico e volte a usar pedras e barbas de milho…

Há quem diga que a próxima moda nos vai trazer um livro em cada rolo de papel. Isso mesmo. Enquanto está sentado no “tal assento”, toma nas suas mãos o rolo de cultura e vai lendo. Mas tem que ler suficientemente depressa para que a necessidade de limpeza não seja mais “devoradora” de papel do que a capacidade de leitura. Senão, pode perder alguns capítulos do livro, engolidos pela descarga do autoclismo, que não mais recuperará… E não fica a saber o fim da história.

Mas, branco ou às flores, com aroma ou sudoku, preto ou azul, o papel higiénico é imprescindível na nossa vida. Porém, só sabe isso verdadeiramente, quem alguma vez se deu conta que não tinha papel higiénico muito depois de se ter sentado na sanita e ter o “serviço” adiantado. E, depois de olhar à volta e não encontrar um pedacinho de papel, um só por mais pequeno que fosse, ao ver o canudo vazio e admitir ser esse o único material de recurso, é que se dá conta de como é importante o “papel” do papel higiénico, na limpeza do “cais de descarga do tubo de esgoto”, que carregamos sempre connosco…

Todos, sem exceção…

Por favor, não façam de nós burros

Invocando o interesse público sobre o interesse individual dos cidadãos, os governos tendem a impor cada vez mais regulação pondo cá fora leis atrás de leis, numa “diarreia legislativa” que chega a ser ridícula, muitas das quais são estúpidas e inúteis e cujo destino é o caixote de lixo. Por esse mundo fora multiplicam-se os exemplos, como se tratasse de um concurso de estupidez. Na Suécia, o único sítio onde se podem comprar bebidas alcoólicas é na Systembolaget, uma cadeia de lojas estatal onde o controle de venda é rigoroso e a carga fiscal elevada. Objetivo: Reduzir o consumo de álcool no país. Resultado? Funciona ao contrário: Todos os suecos fabricam bebidas alcoólicas em casa e nunca vi tão grande “bebedeira coletiva” como lá, enquanto no bar só se vendia água e sumos!!! No Reino Unido, já criaram zonas “livres de álcool”, onde é proibido o consumo. Vao dar no mesmo. Nos Estados Unidos, é proibido embebedar… peixes (Ainda se fossem os perus, vá que não vá. Mas, peixes!!!). Noutro estado, não se pode conduzir… de olhos vendados (Esta não lembraria ao diabo…). E também não se pode jogar dominó aos domingos (Claro. As peças do dominó têm direito ao descanso dominical…). Ah, e cada pessoa tem de tomar banho pelo menos… uma vez por ano (Este filme já passou por cá há mais de meio século)… É proibido comer em lugares onde haja… incêndio, tal como as brigas entre cães e… gatos (Será possível?). Já em Israel, não é permitido meter o dedo no nariz… aos sábados (Quer dizer: A limpeza do nariz tem um dia de tréguas). Na Austrália, só os eletricistas podem trocar… lâmpadas (Está visto que é trabalho muito especializado…). Na Inglaterra, as vendedoras podem fazer topless, mas só em lojas de peixes tropicais (Não devem faltar homens a comprar peixinhos…). Em França, não se pode batizar um porco de… Napoleão (O imperador pode-se levantar do túmulo e o caldo fica entornado). Por esse mundo fora, é a estupidez feita lei.

E por cá? Não se chega a tal requinte, mas há uns arremedos de quem não quer ficar para trás…

Vem isto a propósito do anúncio de que “o governo está decidido a impedir a realização de jogos de futebol nos dias de atos eleitorais e a ponderar estender esta medida a todos os espetáculos desportivos, para além do futebol”, tendo a intenção de criar legislação para tal. O porta voz do Conselho de Ministros até argumentou que assim “haverá maior liberdade de tempo e deixarão de haver problemas de trânsito”. O secretário de estado do desporto foi mais longe, dizendo que se “procura reduzir ao mínimo os fatores que distraiam os cidadãos em dia de eleições”.

Com franqueza, não sei se devo rir ou chorar com a pobreza dos argumentos invocados: “Maior liberdade de tempo, acabam os problemas de trânsito e reduzem a distração dos portugueses”!!! Bestial. Vejam só, o que se espera de uma lei… inútil. Era preferível confessar que não sabem o que fazer para combater a elevada abstenção eleitoral. Então, inventam e o resto é conversa para “inglês ver”. Não são capazes de mobilizar os cidadãos para o exercício da cidadania, nem restaurar a credibilidade dos políticos no seio do povo, de quem estão divorciados.

Mas nem precisavam de inventar porque outros países resolveram bem o problema, baixando muito a abstenção. É só copiar. Em vez de proibir espetáculos desportivos ou o que quer que seja, escolheram outro dia e assim, eleições e futebol não coincidem. Difícil? Mas, se querem ser duros, imponham o voto obrigatório. Tenham coragem. E quem não for votar? Vai preso, tem de andar com uma estrela na lapela como os judeus ou obrigado a saber de cor o nome completo de governantes, deputados e autarcas. São homens para isso? Se calhar, vontade não falta, mas precisam de muito mais que isso…

Está claro que, quem quer mesmo votar, vota, ainda que o seu clube jogue nesse dia, que tenha de ir ao centro comercial com a mulher ou com os filhos ao cinema. Mas tem de estar mobilizado para votar e aí é que reside o “busílis” da questão. E metade do povo não está.

O futebol é um fator de distração? Claro que sim. No entanto, que se saiba, até agora foram os políticos que se aproveitaram dessa “distração” para lançar à socapa aumento de impostos, sobretaxas e outras formas de nos irem ao bolso, enquanto estamos distraídos com a bola. “Assim distraídos, não vemos o oportunismo cobarde”. E se a abstenção é grande, não é por haver futebol, mas sim porque é grande a desilusão com políticos e politicas, resultado da corrupção, caciquismo, desvio de fundos, demagogia, clientelismo e arrogância. Fingem que não sabem ou é um jogo de enganos? Por favor, não façam de nós burros.

A lei não vai resultar e o povo continuará a optar pela praia onde há “beldades” para mirar, pelos “shopings”, que tem montras e saldos ou por uma fuga ao Algarve. Mas, se teimarem em aprovar a lei, como o resultado vai ser igual a zero, o que se segue? Fecham teatros, Jardim Zoológico, cinemas e o Oceanário? Museus e discotecas? Esplanadas? Restaurantes e cafés? Vedam as praias para não irmos pôr o cu de molho? Pois eu sou contra. Se o fizerem, não vou votar. Serei mais entre milhões. Quero ter a liberdade de escolher entre ir à bola ou não. Depois de passar metade da semana a ler e ver tudo sobre a jornada e todas as notícias mais estranhas e estúpidas, como me podem tirar o direito de ver o jogo? Não é justo. Nos dias seguintes quero poder discutir os lances polémicos com os amigos e analisar o jogo ao pormenor, ainda que isso pareça demasiado redutor aos intelectuais. Impedir-me disso, é condicionar a minha liberdade. Eu quero que respeitem o meu direito de ir à bola. E não esqueçam que, se aprovarem a lei, será um fiasco total… Vão continuar os problemas de trânsito com filas enormes a caminho do Algarve e do interior, vamos manter-nos distraídos nos copos, a ver um filme ou a gastar a massa no shoping, pois é para isso que eles existem… Ou também nos vão proibir isso?

Ir ao estádio, gritar, chamar “gatuno” ao árbitro e “molengões” aos jogadores, quanto mais não seja para “desopilar”, dá saúde a um homem que não pode desabafar no dia a dia. É melhor do que ir ao psiquiatra ou à bruxa. Por isso, arranjem outro bode expiatório, outro motivo para a abstenção… E deixem-nos em paz, “distraídos” com a bola…

Ah, já agora, ir à bola é um direito e não o quero perder, por questões de princípio… Mas já não vejo jogos de futebol há anos e nem sequer leio jornais desportivos… Então, se não sou afetado? Continuo a defender o direito de poder ir à bola… quando me apetecer. Mesmo em dia de eleições… Mesmo que não vá…

Correr ou andar a passo de boi?

Recordo-me frequentemente do meu amigo Bernardo dizer com ar de entendido na matéria: “Qualidade de vida têm as pessoas que vivem no interior transmontano e que marcam o seu ritmo de vida ao do meio de transporte que usam, isto é, o boi. E fazem tudo à sua cadência, sem pressas, sem correrias, havendo tempo para tudo. Como eu gostaria de viver assim… Na cidade, o ritmo é marcado pelo automóvel. É por isso que todos correm e saltam para se desviarem dos autocarros e outros veículos. Andam apressados mas sempre atrasados. A vida é acelerada”. A verdade é que pautou a sua vida sem esta mania de querermos fazer tudo em pouco tempo, sempre para ontem, como se fossemos capazes de acabar com o trabalho.

Quando me lembro das suas palavras, vem-me à memória a imagem do senhor Virgílio, de Malhadas (Miranda do Douro), seguindo atrás do gado a caminho do lameiro. O seu andamento era claramente “a passo de boi”. Já no lameiro, grande parte do tempo ficava deitado à sombra de um ulmeiro junto ao muro de pedras, a dormir. Era um homem feliz, que gostava de receber bem. E eu que o diga, pois pude usufruir desse bom gosto, à volta da sua lareira…

Há alguns anos, um industrial de confecção cá da região montou uma fábrica bem no interior do país, a pensar nas facilidades de mão de obra, embora alegasse que era para ajudar o povo de lá. Não durou muito a aventura. Viria a desistir encerrando a fábrica, alegando as mesmas razões: “As pessoas de lá não têm ritmo e a produção ressentia-se muito”.

Na última ida aos Açores, entregamo-nos ao senhor Paulo taxista para nos mostrar alguns pontos turísticos da ilha Terceira. É a melhor forma de conhecer os lugares mais emblemáticos… Durante a viagem, foi-nos dizendo que os açorianos apreciam melhor a vida do que os continentais. Não têm pressa para nada. Vivem ao seu ritmo, lento, que não é bem aquele que qualquer empresário do continente pretende para os seus trabalhadores. E isso é tão certo e atual que, recentemente, uma empresa de construção continental que tomou conta e fez uma grande obra na Terceira, só conseguiu concretizar a obra levando todos os trabalhadores do continente porque, “com os trabalhadores de cá não ia a lado nenhum”. E contou isto como uma virtude local, que ele próprio aprecia e defende. Porque, nas suas palavras, “vivemos melhor a vida. Vocês, continentais, não têm tempo para vós”. É verdade que eles não correm, a não ser nas touradas a fugir do touro. Mas nem são muitos os que o fazem pois a maioria limita-se a ver, em local protegido.

O meu amigo Rui em tempos, fez parte de uma sociedade que montou uma fábrica numa das principais ilhas do arquipélago, com o objetivo de trabalhar madeira de criptoméria. Esta madeira é muito bonita e ainda tem a vantagem de ser leve, quase como a madeira de balsa. Na sua qualidade de técnico, participou na montagem da fábrica como dirigiu o fabrico. Mas, bem cedo se apercebeu que não ia resultar. É que ele nunca sabia quantas pessoas iam aparecer para trabalhar. O pessoal ia quando lhe convinha… e queria. Diziam-lhe até com toda a naturalidade: “Vocês no continente têm três velocidades: Parado, a andar e depressa. Nós aqui só temos duas: A andar e parado”. Pouco tempo durou o sonho industrial nos Açores…

Na ilha Terceira há a tradição da “tourada à corda” e, no verão, são diárias. Muitos açorianos largam tudo o que têm a fazer para irem assistir. O Governo Regional teve de publicar uma lei, proibindo as touradas antes das dezassete horas, para evitar a “debandada” dos locais de trabalho…

Será que o corre, corre da vida está certo ou certos estão os açorianos que vivem a vida ao ritmo da natureza? Será que nós seres humanos fomos feitos para andar à velocidade da luz ou a querer chegar lá? A verdade é que de avião não vemos a paisagem e pior será se for de foguetão. Mas, montados num burro ou a passo, temos todo o tempo do mundo para apreciar a paisagem. E o que será melhor para a nossa saúde, física e mental?

O meu primo Nuno, a viver nos Açores (nem de propósito…), enviou-me um e-mail com uma entrevista (polémica) do dr. Paulo Ubiratan, de Porto Alegre (Brasil), em que faz a defesa do contrário do que nos é habitualmente recomendado. Como diz ele, “encontrei o médico de família certo… e não quero outro”!!! Quando perguntaram ao médico se exercícios cardiovasculares prolongam a vida, ele respondeu: “O seu coração foi feito para bater durante uma quantidade de vezes e só… não desperdice essas batidas em exercícios. Eventualmente, tudo se acaba. Acelerar o seu coração não o vai fazer viver mais: isso é como dizer que pode prolongar a vida do seu carro conduzindo mais depressa. Quer viver mais? Faça uma soneca”!!! E à questão se devemos cortar na carne vermelha e comer mais frutas e legumes, a resposta também foi surpreendente: “É preciso entender a logística da eficiência… O que é que a vaca come? Feno e milho. E isso o que é? Vegetais. Então, o bife nada mais é do que uma forma eficiente de adicionar vegetais ao seu sistema. Tem necessidade de grãos? Coma frango”! Quanto o questionaram se chocolate faz mal, foi peremptório: “Está doido? Cacau!!! Outro vegetal!!! É a melhor comida para se ser feliz”!!! E ainda recomendou: “E lembre-se: A vida não deve ser uma viagem para o túmulo com a intenção de chegar lá são e salvo e com um corpo lindo, atraente e bem preservado. O melhor é gozar a vida – cerveja numa mão, petisco na outra! – E possuir um corpo completamente gasto, totalmente usado, gritando: VALEU!!! QUE VIAGEM!!!

Até porque, se caminhar fosse saudável, o carteiro seria imortal! O coelho corre e pula e só vive 15 anos. Mas a tartaruga não corre, não pula, não faz nada e… vive até aos 450 anos”!!! Afinal, quem está certo”?

Morreu um cão…

Morreu um cão. Apesar do profissionalismo da equipa médica que dele tratou, não foi possível debelar o mal intestinal que o consumia e lhe fez perder um terço do peso nos últimos trinta dias. Numa longa conversa, o médico veterinário responsável falou com o dono e informou-o da queda dos valores das análises muito para baixo dos mínimos e do seu significado, desenganando-o e deixando nas suas mãos a decisão sobre o futuro do seu cão. E foi a decisão mais difícil que teve de tomar na sua vida. A sua opção foi de não prolongar mais o sofrimento do animal, um sofrimento inútil e sem sentido. Nem prolongar o seu sofrimento pessoal e o da família. Mas chorou muito, como já há muito tempo não o fazia… E chorou também nos dias seguintes sempre que abria a porta de casa pela manhã e sentia a falta daquela enorme bola de pelos a irromper casa dentro, abanando a cauda de alegria e encostando-lhe o focinho nas pernas, pedindo os acostumados mimos matinais. Ficou-lhe uma saudade imensa desse animal que adoptou de um canil e a quem salvou a vida e recuperou por traumas do passado, mas a quem se afeiçoou tanto. E recebeu dele muito mais do que lhe deu. Sim, porque o seu cão recompensou-o plenamente daquilo que fez por ele.

Foi um companheiro fiel e leal sempre pronto a segui-lo para todo o lado com alegria e entusiasmo. Fazia parte da rotina da sua vida diária e era importante na felicidade quotidiana da família, com a sua presença constante, sem nada pedir em troca. Uma companhia que nunca o criticou nem julgou, ajudando a amenizar o stress do dia a dia. Se no início não era opção entrar dentro de casa, bem cedo se foi insinuando pela ternura e pela docilidade e, pouco a pouco, virou membro pleno da família, com acesso a toda a casa, onde passava a maior parte do tempo. Tornou-se um companheiro inseparável que raramente perdia os donos de vista. Mal o dono pegava na trela, saltava e rodopiava sobre si numa alegria incontida, a comemorar antecipadamente a saída para uma caminhada pelas ruas da terra. E tanto corria no relvado, como passava horas deitado a seus pés quando lia, trabalhava ou via televisão. Mas perdeu-o e só lhe restam as imagens e a saudade, uma imensa saudade.

Agora percebe o porquê de todos os donos de animais de estimação sentirem não ter “autorização” da sociedade para ficarem tristes ou até chorarem pela morte do seu animal. É que a grande maioria da sociedade não considera que uma pessoa “possa estar de luto” e “entristecer” pela simples morte de um animal, mesmo que lhe seja próximo, que lhe esteja ligado afetivamente. É um facto, a sociedade não dá espaço ao luto e tem de se continuar a viver como se nada tivesse acontecido. Normalmente nem se fala com os outros sobre o que se está a sentir, pois parece que são muito poucos os que se sensibilizam quando se diz “o meu cão morreu”. Por isso, a morte de um cão é uma perda, embora não reconhecida como tal. Ouve-se até com frequência: “Era só um cão!!!…”, como quem quer dizer “uma coisa vulgar, sem qualquer valor. Há muitos outros por aí. Se ao menos fosse uma criança?”. Mas ao dono apetece gritar: “Não, não era só um cão. É O MEU CÃO e fazia parte da minha vida”.

Mas, falar do sentimento de perda em relação a um cão é incompreensível para muita gente. E é natural. Quem nunca teve a felicidade de viver com um animal, não faz (nem pode fazer) a mínima ideia do quanto se sofre (nem sequer do quanto se perde) com a sua morte. E nem compreende a importância que ele pode ter tido na vida do seu dono e da família. Essa insensibilidade é extensiva a muitos daqueles que, tendo animais de estimação à sua guarda, nunca os “adoptaram” verdadeiramente, nem integraram no agregado. Muitos, usam-nos para prestar um serviço, seja ele caçar, guardar a propriedade ou como mera “fábrica de produção” de cães para negócio. Quando deixam de servir, desfazem-se deles abandonando-os no meio do monte a duzentos quilómetros de casa, com um tiro na cabeça ou afogando-os. São descartáveis, tal como os seres humanos quando deixam de ser úteis, quando deixam de produzir. Só que os humanos não são abatidos… para já. Mas já faltou mais…

A morte, esse desfecho que encerra a vida de todos, é uma certeza que aprendemos a ignorar no dia a dia, fingindo que não é connosco. Mas ela chega, porque nunca se esquece de nós. E então, ficamos tristes por perder algo que amamos tanto. É por isso que a perda de um parente ou amigo costuma ser devastadora. Ora, os animais de estimação ocupam lugares semelhantes na vida de quem os integrou na família e a dor de perdê-los é igualmente grande. Porque nos dão muito, em lealdade, em amor incondicional, em fidelidade. Como me dizia uma mulher simples da aldeia, “com um cão nunca estamos sós, nem sentimos a solidão. E ao chegar a casa temos sempre alguém à nossa espera, a receber-nos com expressões de alegria impensáveis num ser humano”. E, verdadeiramente, só cada dono é capaz de saber o quanto representa para si. Ninguém mais. Assim, a morte de um cão que esteja integrado na família não é diferente da perda de um ente querido, até porque de um ente querido se trata. E sofre-se com a sua perda, somente porque nos permitimos amar, retribuindo em singelo o que ele nos dá em dobro.

Morreu um cão… Era tido como membro da família que o adoptou, deixando um vazio e uma saudade enormes, um sentimento de perda que não se imaginava e para o qual não se estava preparado.

O cão que morreu tinha oito anos. Era uma fêmea dócil e dava pelo nome de Diana.

E eu sinto-me orgulhoso. Triste, mas orgulhoso, por poder dizer que tive o privilégio e a felicidade de ser seu dono…

Levantar cedo? Que sacrifício…

Nunca fui um “madrugador militante” e só em casos de extrema necessidade ou quando não tenho alternativa me submeto a esse suplício. Sim, porque é uma violência, muito especialmente para quem se deita quase à hora do galo cantar… Definitivamente, estou com os que dizem que só os tolos se levantam cedo. Os tolos e os necessitados. O homem não nasceu para acordar cedo, nasceu para acordar. Em lado nenhum está escrito que tem de ser cedo. Isso é só para os que dormem a correr… A natureza não nos criou com esse “defeito de fabrico”, é uma invenção da era industrial. E então, ter de acordar com o barulho estridente de um despertador enfurecido, é violência psicológica que mais parece uma tortura da Idade Média, deixando qualquer um traumatizado para o resto da vida. Para atenuar tal violência, já se desperta ao som da música preferida… que só o é, até se tornar a música do despertador. Todas as manhãs tenho muita vontade de acordar cedo mas, para ser sincero, a vontade de continuar a dormir é bem maior. Por isso, todos os dias luto comigo mesmo para saltar da cama para fora e, quando consigo, dou comigo a dormir em pé. É natural que, neste tempo em que se vive muito a noite e de noite, toda a gente desperta com uma grande vontade: De continuar a dormir. Até porque, o difícil não é o deitar tarde. Difícil, difícil, é acordar cedo. Quem comanda este mundo louco só devia autorizar o acordar sem ser ao compasso de horários, ao ritmo dos compromissos, dos toques do telefone, campainhas de rua ou de despertadores roufenhos, de ser cedo ou tarde, noite ou dia.

À medida que os anos passam, as coisas ficam mais complicadas para mim. Deito-me para recuperar forças e acordar renovado e fresco mas, na realidade, quando me levanto tenho o corpo moído, como se tivesse sido atropelado por um comboio. O que está errado? Só o facto de me ter levantado. Nada mais. Aliás, o meu corpo reage sempre negativamente a isso, pela manhã. Sem mais nem para quê, mal saio da cama desato a espirrar e só paro muito para além da meia dúzia de “Atchins”. Constipação? Nada disso. Trata-se de alergia pura e só pode ser ao “levantar”. Ou, quando muito, à “manhã”. Sim, alergia matinal, aos primeiros raios de sol, à luz do dia e tudo o mais que possa acontecer a essa hora.

Já foi tempo em que o Tónio Silva, vizinho dos meus pais e pedreiro de profissão, se levantava às cinco da manhã para ir a pé para o trabalho a quilómetros de distância, onde tinha de “pegar” ao nascer do sol. E só “arriava” depois do sol posto… para regressar a casa a pé. Aí, a “ditadura da miséria” impunha leis contra natura, como essa de ter de levantar cedo, quando o corpo pedia descanso. Como não havia televisão, o povo “deitava-se com as galinhas e, antes de adormecer, entretinha-se a fazer filhos. Era uma “ocupação” boa? Tão boa como outra qualquer. Daí haver “ninhadas grandes”…

Agora, não há nada disso. Vivemos (quase) todos agarrados à televisão que transmite toda a noite em “trezentos canais” diferentes, não deixando tempo para essa “outra distração”, pois até o cidadão mais enfezado tem de fazer uma ginástica do caraças com a mão para dominar o comando da TV, saltando de canal em canal. Claro que, assim, só pode ir para a cama às tantas da manhã, já sem físico nem paciência para “cambalhotas”. E depois, faz algum sentido ter de aguentar um despertador qualquer aos berros às sete ou antes? Não faltava mais nada.

Cá em casa já parti os despertadores todos à marretada, para não ficar qualquer fiozinho ligado, por mais pequeno que seja, que ainda permita chatearem-me a horas inconvenientes. Já não me conformo ao ser acordado por um despertador desafinado, quando não roufenho. Nem sequer pela Rádio Comercial… É que é muito difícil viver quando a gente se deita para dormir e, minutos depois, já é dia e hora de pôr o coirão fora da cama. Que culpa temos dos ponteiros do relógio andarem a grande velocidade quando estamos a dormir? Por isso, nas muitas vezes que acordamos de madrugada com vontade de fazer xixi, mantemo-nos no aconchego dos lençóis a lutar contra o “vou ou não vou” à casa de banho. E vamos aguentando na cama, divididos entre a “vontade” do xixi que não deixa dormir e o sono que não nos deixa sair da cama. Faz falta o velho “penico”…

Ninguém compreende os que defendem que nos devemos levantar cedo. Só se for para castigar o corpo ou para termos tempo de voltar para a cama… Esta coisa do sono é coisa séria. Um dia num Lar de Idosos (agora chamados de seniores ou “sessenta mais”), uma mulher gritava desalmadamente: “Ai, ai, ai…”. Aqueles gritos incomodavam qualquer um e a minha mulher, no seu habitual espírito de tentar ajudar, perguntou-lhe: “A senhora tem dores”? E a utente respondeu prontamente: “Tenho, tenho muitas dores”… “ E de que se queixa”, insistiu? E ela respondeu-lhe logo: “São dores de sono”…

O mundo evoluiu, há que reconhecê-lo. Se foi para melhor ou pior, não sei. Antigamente deitávamo-nos “com as galinhas” (isto é, cedo) e cedo nos levantávamos. Mas isso era antes… Agora, tiramos cursos de morcego, fazendo noitadas até às tantas da matina. E depois, ainda querem que se acordemos cedo… Mas o que é isso de “acordar cedo”? Às sete… da tarde? Ou tem de ser às cinco?

A Simone de Oliveira dizia numa entrevista que a pior coisa que lhe podia acontecer era ter de acordar e, quando se levantava de manhã (e para ela “manhã” era a partir do meio dia), sentia que “tinha cem anos ou mais”. Mas, à medida que o dia ia avançando, revivificava e rejuvenescia hora a hora, a tal ponto que, quando chegava à meia noite, era como se tivesse quarenta anos ou menos.

Nos últimos tempos a Luísa acorda quase sempre entre as sete e as oito horas da manhã e diz logo: “Quero ir embora”, que é como quem diz, “Quero levantar-me”. Bem enterro a cabeça na almofada, finjo que estou a ressonar ou digo que ainda não é dia, mas nada adianta. Tenho de a ajudar a levantar-se, com tudo o que isso implica… Mas pareço um zombie. E ela, apesar dos seus problemas de saúde, todos os dias se apercebe desse meu estado. E enquanto a estou a ajudar, no seu espírito solidário, diz-me sempre: “Estás cheio de sono. Vai dormir que eu levanto-me sozinha”… Vejam isto, até ela é a primeira a reconhecer que são horas impróprias para eu acordar. Por isso, meus amigos, deem-me uma ajuda e nunca me telefonem… antes do pôr do sol. Posso estar a dormir…

Uma época de pura felicidade…

Está a chegar ao fim o período de maior felicidade de uma mulher: A época de saldos, se bem que agora “já é Natal (quase) todo o ano”… Fazer compras, faz bem a qualquer mulher. Oh se faz… Por isso, após uma ida às compras, toda a mulher se sente alegre e volta para casa mais animada, revigorada. É que, se está deprimida, se lhe dói a cabeça, se não sabe o que fazer ou sem razão nenhuma especial, nada como uma ida ao shoping. É remédio santo para todos os males. Mulher às compras irradia felicidade, está no seu mundo. E quanto maior é o tamanho e o número dos sacos de compras à saída da loja, maior é a dimensão dessa felicidade. Até quando só experimenta um centena de sapatos na loja, sem comprar sequer um par, diz: “Depois eu volto”. Já o homem odeia essa viagem, detesta acompanhar a mulher numa ida ao shoping. Basta olhar para os sofás e bancos espalhados pelos corredores dos centros comerciais a abarrotar de homens com a mesmas “trombas” e olhar triste, à espera pela mulher que anda às compras… Têm todos o mesmo ar de desgraçados. E, vá lá, vá lá. Pior é para aqueles que têm de as seguir loja dentro e ser assistentes no programa completo delas, a experimentarem roupa ou calçado: “Este está apertado… aquele faz-me gorda… a cor desta não liga bem com o casaco…” E ver o ar infeliz por debaixo do sorriso profissional das empregadas, ao tirar e pôr artigos atrás de artigos das caixas e cabides, a dobrar roupa e voltar a arrumar a loja de alto a baixo. O homem sente-se envergonhado. Afasta-se e finge olhar uma coisa qualquer, para não ser tido por cúmplice no virar a loja de pernas para o ar.

Pois é, meu caro companheiro de desdita. Aqui estou eu a manifestar-lhe a minha solidariedade e dizer-lhe: “Não se sinta só. Há milhões de homens que odeiam ir às compras com a mulher… mas têm de ir. Conte com a sua solidariedade, com o mesmo sofrimento, porque é no sofrimento que as pessoas mais se aproximam. E todos nós sabemos que, acompanhar a mulher numa ida ao centro comercial, é tarefa pesada, muito pesada. E cara… É o chamado “frete supremo”… Eu sei com que cara fica quando está à entrada da loja à espera dela, fingindo ver montras ou ver as mensagens no telemóvel. A sua cara não engana e nem consegue esconder esse mal estar: Está desolado… Mas tem de estar por perto quando ela o chama… para pagar e carregar a mercadoria. Mas, do mal o menos. Ao ficar fora da loja livrou-se de “ser consultado” quando ela veste ou calça qualquer artigo: “Achas que me fica bem”? “Não é muito escuro”? “ Liga bem com os sapatos”? “Não me faz mais velha”?

Mas, preste bem atenção, para o caso de ter de funcionar como “consultor de moda”. Se ainda lhe resta uma pontinha de juízo, não responda. Abane com a cabeça como os burros, que bate certo com aquilo que ela quer, e não diga nada. Porque tudo o que disser, joga contra si. Se diz que fica bem, ouve logo: “Não vês que me faz gorda?”… Se diz o contrário, vai ter de ouvir: “Pois é, o que tu queres é que eu não gaste dinheiro”… E, mesmo quando sabe de antemão que não vai comprar nada, ela experimenta a loja toda… Como é possível? Não é para nós homens entendermos. Para elas, são “momentos de pura felicidade” à borla.

Um dos argumentos mais usados pela mulher para ir às compras é invocar a necessidade dele: “Estás a precisar de comprar calças. As que tens estão velhas”. “Tens de comprar camisas. As tuas estão puídas no colarinho”. “Andas sempre com a mesma roupa, precisas de ir às compras”… E ele, numa tentativa de evitar o “desastre”, argumenta: “Ora, ora. Tenho o armário cheio de roupa que não uso há muito tempo”… Mas, nada adianta. Ao outro dia o desgraçado lá vai atrás dela, arrastado e contra a vontade, a pensar para si próprio: “Que seja para desconto dos meus pecados”… No final, sem ter voto na matéria, sai carregado de sacos e caixas, que já não tem mãos que chegue. E a ele tocou-lhe um par de calças de marca que lhe custaram os olhos da cara, quando ficava bem servido com aquelas calças azuis que estavam no quinto saldo… É que assim, ela tem argumento para lhe dizer: “A tua roupa está muito cara”…

Se mulher adora fazer compras e de ficar horas numa loja, homem odeia. Enquanto ela anda feliz da vida, saltando de loja em loja, ele só é capaz de entrar se vir algo na montra de que goste. Nesse caso entra, aponta para o artigo da montra, pergunta se tem o seu tamanho, experimenta e, se servir, compra e sai. Dez minutos já é tempo demais para permanecer numa loja. Detesta experimentar artigos e não quer incomodar as empregadas. Só o indispensável. E até pede desculpa pelo incómodo…

Telefonou-me um amigo. Eram quase sete horas da tarde e ainda se encontrava num “outlet” lá para os lados de Vila do Conde, para onde tinha ido às três da tarde. Carregado de embrulhos, seguia a mulher de loja em loja, pois ela exigia a sua presença e a sua “opinião”, que é como quem diz, “não ter voto na matéria”. Estava cansado e farto mas não tinha “autorização” para o manifestar. Queria desabafar mas, além de o ouvir pacientemente, só lhe pude manifestar a minha solidariedade…

Na China, o problema é semelhante. Por isso, alguns centros comerciais resolveram o incómodo criando um “berçário” para homens, uma sala com poltronas para relaxar, ver televisão ou dormir, onde as mulheres que “não necessitam dos seus serviços” os largam, para felicidade deles. Mas não se esquecem de lhes levar o cartão de crédito…

Um artista que é “um espetáculo”…

Participei recentemente num congresso durante dois dias, ouvindo alguns palestrantes com prazer, enquanto outros só me conseguiram embalar, até me porem a dormir. Valeram-me os companheiros de jornada, já avisados: Quando ressonava mais forte, davam-me uma cotovelada, suficiente para acalmar o ronco e evitar com isso que os outros “acordassem”. Nesses dois dias havia um homem no auditório vestido de jeans e t-shirt, que carregava cadeiras e mesas, regulava microfones, organizava o palco, uma espécie de “faz tudo”, humilde e discreto naquela multidão de gente engravatada. No segundo dia, à noite, o programa deu-nos um espetáculo nesse auditório. Talvez por já ter dormido o suficiente com a intervenção de alguns palestrantes, alinhei no sarau. De início tocaram dois grupos locais, que ouvi com muito agrado e depois entrou o “arrumador” com uma viola regional e a mesma roupa com que andara vestido durante o dia. Regulou o microfone e pensei que deveria estar a prepará-lo para o artista seguinte. Mas não. Sentou-se, pegou na viola, chegou o microfone para junto de si e anunciou: “Agora vai tocar o porteiro”. E daquela viola regional a que chamam “viola da terra” e que noutras regiões do país apelidam de “braguesa”, “dois corações” ou “campaniça”, retirou uma música dedilhada com um virtuosismo impressionante, que deixou toda a plateia extasiada. Só tocou três músicas, entremeadas por conversa bem humorada e inteligente, que arrancou enormes gargalhadas à plateia. Quando terminou, foi aplaudido de pé, com o pedido para continuar. Mas ele pediu desculpa e não tocou mais, porque o espetáculo tinha de prosseguir com o programa previsto, de que ele era o responsável.

No dia seguinte procurei-o. Andava a preparar o auditório para a sessão de encerramento, com a mesma simplicidade, ficando até surpreendido por o abordar. Conversamos um bocado e, se já a sua música e a veia humorística me tinham impressionado no dia anterior, a sua humildade e modéstia despidas de qualquer sombra de vedetismo, deixaram-me rendido ao homem e ao artista.

Luís Gil Bettencourt é o seu nome. Músico, compositor e produtor musical, que mantem uma atividade na organização de eventos culturais, é natural da Terceira, nos Açores. Descendente de família de músicos, começou aos seis anos a tocar e cantar para os militares americanos da base das Lajes. Viveu a adolescência nos Estados Unidos com os pais e nove irmãos, a maioria deles músicos e fez parte de uma banda que atingiu grande prestígio. Mas deixou a terra do tio Sam para regressar ao seu país e aos Açores e “puxar” pela cultura das ilhas que são a sua casa. E fez disso a sua missão.

Na sequência da nossa conversa e de contactos posteriores, atuou recentemente no Auditório de Lousada. E, se dúvidas houvesse sobre as suas reais capacidades, dissiparam-se por completo ao longo dum espetáculo que o público (onde me incluía) não queria que acabasse. Desde o momento da apresentação até à última canção, transportou os espectadores numa viagem musical que começou nas ilhas e atravessou o país, tendo ele sido o cicerone e o guia, levando-os do riso às lágrimas, do silêncio ao coro geral da sala, com mestria e inteligência, na simplicidade e humildade de um grande artista.

Para introduzir uma canção de embalar, falou da sua mãe e de como ela lha cantava quando era pequeno. “Nós somos dez irmãos, quase todos ligados à música. E temos a sorte de nos darmos muito bem, de estarmos juntos muitas vezes. A minha mãe morreu nos Estados Unidos. Nos últimos dias, já era a máquina que lhe suportava a vida. Não havendo mais esperança, a família reuniu-se e deliberou que a máquina devia ser desligada. Coube-me a mim essa honra. Então, com os filhos à volta da cama, no momento em que eu desligava a máquina, todos em coro cantamos-lhe esta canção de embalar”. Neste momento a maioria dos espectadores estava com um lágrima no canto do olho. E ele, imediatamente e para quebrar esse momento carregado de emoção, acrescentou: “E ainda hoje não sabemos se a minha mãe morreu por eu lhe ter desligado a máquina ou se foi por cantarmos tão desafinados”… E as pessoas passaram das lágrimas ao riso, levadas por um artista completo, senhor do palco e do público com quem interagiu plenamente.

O seu irmão mais novo a quem ensinou os primeiros acordes da viola, é já há alguns anos considerado um dos maiores guitarristas do mundo e dá pelo nome de Nuno Bettencourt. E ele, que teve tudo para ser consagrado também no mundo da música, abdicou de uma carreira para se dar aos Açores, mantendo laços de amizade com muitas estrelas mundiais da música, algumas das quais faz questão de levar à sua terra em dois mil e dezanove, num festival invulgar na Lagoa das Sete Cidades.

Voltou a Lousada como amigo. Quando lhe disse que os UHF iam atuar à noite e estavam nos testes de som, quis dar um abraço ao vocalista António Ribeiro, seu amigo pessoal. Fui com ele junto do palco no centro da Vila mas só lá estava o pessoal auxiliar a testar o som. Músicos, nenhum. Então foi junto do controle do som e tentou falar com um membro da equipa. Muito educadamente, perguntou pelos músicos mas só recebeu indiferença e má educação, de alguém que se julga “importante” por trabalhar com os UHF. Mas ele, com humildade, disse-lhe que gostava de cumprimentar o vocalista. A indiferença e cara de poucos amigos do “manager” continuou a ser a mesma. Ao fim de alguns minutos, quando viu que nada havia a fazer ali, pediu-lhe: “Já agora, faça-me um favor. Diga ao António Ribeiro que o Luís Bettencourt esteve cá e lhe deixa um abraço”. O homem que permanecera sentado e indiferente durante a conversa, levantou-se como que impelido por uma mola e deu um grito de surpresa: “Luís Bettencourt? Oh que grande honra vê-lo aqui”… E desfez-se em amabilidades, cumprimentos e elogios, numa manifestação de imbecilidade e subserviência, a contrastar com a arrogância e indiferença de momentos atrás.

Como a conversa já vai longa e para concluir, um primeiro conselho: Se encontrarem um imbecil como este, armado em gente importante, ignorem-no. E um outro, que nunca devem esquecer: Se tiverem a oportunidade de ir a um concerto do Luís Gil Bettencourt, agarrem-na com unhas e dentes, porque ele é excepcional, como músico e humorista. E como homem. Como diria o Fernando Mendes, irão ver “um artista que é um espetáculo”…

Identificado o animal mais perigoso…

Só a criança ingénua e pura que havia em mim, me fez acreditar que o ser humano era como o vinho do Porto: Ficaria melhor com os anos. Acreditava mesmo que, geração após geração, numa aprendizagem constante, libertava-se dos aspetos negativos e evoluiria, tornando-se mais “humano”. Santa ingenuidade… À medida que os anos passaram e me foi dado conhecer os factos do dia a dia, desapareceu tal ilusão, deixando em seu lugar a certeza de um ser humano que é capaz do melhor e do pior, embora mais instruído, dotado de mais e melhores meios. Nem as guerras entre países, nem as lutas entre vizinhos e famílias, lhe serviram de lição para amaciar o bárbaro e cruel que tem dentro de si e que se vai manifestando aqui e ali, não só na sua relação com os outros seres humanos, como com os animais e o meio ambiente de que é parte integrante mas se julga dono. Quando na crónica anterior escrevi sobre a entrada em vigor da lei onde são reconhecidos os direitos dos animais de companhia ou estimação, não imaginava ter de voltar a este assunto uma semana depois, para manifestar indignação e revolta pelo comportamento de alguns seres humanos. O conhecimento de nova barbaridade pública sobre um cão pacífico, mostra a indiferença pela nova lei por alguns e aos direitos ali consagrados, à sombra da impunidade a que estão habituados. Quando a Teresa me mostrou as fotografias do estado em que a Lady foi encontrada pela Ana e seu pai, senti as lágrimas nos olhos e uma raiva tremenda contra o “animal” que fez tamanha crueldade sobre um ser pacífico e indefeso. Lembrei-me então do que disse a Silvana Lance: “Se os homens fossem um pouquinho mais animais, seriam mais gente”. Na página da Associação Lousada Animal de que é voluntária, a Ana Coelho publicou a notícia:

“Neste momento gostávamos de dizer várias coisas sobre este caso mas, infelizmente, não nos é permitido dizer tudo o que pensamos. Mas uma coisa podemos dizer: Desejamos que a pessoa que fez isto a este pobre animal tenha exatamente as mesmas dores que ela teve. Exatamente o mesmo desespero, exatamente a mesma fome e sede que ela teve durante a semana que esteve naquele buraco.

Esta é a Lady.

A Lady era uma cadela de rua, que tinha muito medo das pessoas. Dá-se muito bem com outros animais mas não com as pessoas. Sempre que um humano se aproximava dela, desatava a fugir sem olhar para trás. E, pelos vistos, sempre teve motivos para não confiar nos seres humanos.

A Lady foi deitada para um buraco no meio de uma quinta para morrer. Foi encontrada com um fio de cabo de aço amarrado ao pescoço e a outra ponta amarrada a umas silvas que lá se encontravam. Esteve naquele buraco durante uma semana ou, se calhar, mais. No momento em que reparamos no estado em que ela estava, caiu-nos o mundo aos pés. A Lady estava muito assustada, muito magra, cheia de fome e sede e, pior que tudo, estava com o pescoço completamente cortado. O desespero da Lady para sair daquele buraco foi tanto, mas tanto, que o fio acabou por dilacerar toda a camada muscular existente na zona do pescoço. E assim, ali ficou a Lady à espera da morte. Da sua morte, lenta e dolorosa…”

A Lady é uma cadela de rua que fazia duma quinta o seu mundo. Estava referenciada e era apoiada pela Ana, tal como a ninhada que tem. E foi nesse apoio continuado que a Ana se apercebeu de que algo de anormal lhe teria acontecido, para desaparecer de repente quando ainda tinha os filhotes a seu cargo. Durante dias procuraram-na por todo o lado sem lhe encontrarem o rasto, para além de um gemido leve que não conseguiam localizar. Só ao fim de uma semana a iriam encontrar naquele buraco, num estado deplorável de que as imagens publicadas na página da Associação dão uma ideia, bem longe do sofrimento a que o pobre animal esteve sujeito. E a Ana continuou:

“Agora a nossa guerreira está bem. Encontra-se internada no Breed – Hospital Veterinário de Paredes, mas terá alta em breve. A zona do pescoço tem uma infeção e terá de fazer pensos diariamente. Mas, tirando isso, a saúde dela está muito bem, o que é de admirar.” E faz um apelo: “Neste momento iremos precisar imenso da vossa ajuda. Iremos precisar de ração, iremos precisar de donativos e, o mais importante, iremos precisar de uma boa família que queira adoptar a nossa Lady quando estiver recuperada”…

Aqui relembro que a Associação Lousada Animal sobrevive à custa do trabalho dos voluntários e dos donativos e contributos destes e de alguns beneméritos, pois não recebe qualquer subsídio público. Não dispõe de canil próprio mas tem “famílias de acolhimento. E já salvou e entregou para adopção muitos animais… Um (pequeno) grande contributo para que tenhamos uma sociedade melhor. Pois, já Gandhi dizia: “A grandeza de uma nação e o seu progresso moral, podem ser avaliados pela forma como trata os seus animais”.

E a Ana acrescentou ainda, num apelo final:

“ESTAS SITUAÇÕES DE PURA MALDADE, TÊM DE ACABAR. As pessoas têm de perceber que os animais sentem dor, fome, medo, tal e qual como os humanos. É inadmissível em pleno século XXI ainda existir todos os dias casos destes.

AJUDE-NOS A FAZER JUSTIÇA, POR TODAS AS LADYS QUE SOFREM TODOS OS DIAS NAS MÃOS DOS HUMANOS!!!”

Cabe a cada um de nós denunciar os “animais” que cometem tais atrocidades porque, “o animal mais perigoso… é o homem”.

E seja solidário. Vá ao multibanco e dê um pouco de si, por muito pouco que seja, para ajudar a salvar a Lady e outras Ladys deste “mundo cão”…

Deposite o donativo no IBAN: PT50 0045 1325 40272039328 93