Correr ou andar a passo de boi?

Recordo-me frequentemente do meu amigo Bernardo dizer com ar de entendido na matéria: “Qualidade de vida têm as pessoas que vivem no interior transmontano e que marcam o seu ritmo de vida ao do meio de transporte que usam, isto é, o boi. E fazem tudo à sua cadência, sem pressas, sem correrias, havendo tempo para tudo. Como eu gostaria de viver assim… Na cidade, o ritmo é marcado pelo automóvel. É por isso que todos correm e saltam para se desviarem dos autocarros e outros veículos. Andam apressados mas sempre atrasados. A vida é acelerada”. A verdade é que pautou a sua vida sem esta mania de querermos fazer tudo em pouco tempo, sempre para ontem, como se fossemos capazes de acabar com o trabalho.

Quando me lembro das suas palavras, vem-me à memória a imagem do senhor Virgílio, de Malhadas (Miranda do Douro), seguindo atrás do gado a caminho do lameiro. O seu andamento era claramente “a passo de boi”. Já no lameiro, grande parte do tempo ficava deitado à sombra de um ulmeiro junto ao muro de pedras, a dormir. Era um homem feliz, que gostava de receber bem. E eu que o diga, pois pude usufruir desse bom gosto, à volta da sua lareira…

Há alguns anos, um industrial de confecção cá da região montou uma fábrica bem no interior do país, a pensar nas facilidades de mão de obra, embora alegasse que era para ajudar o povo de lá. Não durou muito a aventura. Viria a desistir encerrando a fábrica, alegando as mesmas razões: “As pessoas de lá não têm ritmo e a produção ressentia-se muito”.

Na última ida aos Açores, entregamo-nos ao senhor Paulo taxista para nos mostrar alguns pontos turísticos da ilha Terceira. É a melhor forma de conhecer os lugares mais emblemáticos… Durante a viagem, foi-nos dizendo que os açorianos apreciam melhor a vida do que os continentais. Não têm pressa para nada. Vivem ao seu ritmo, lento, que não é bem aquele que qualquer empresário do continente pretende para os seus trabalhadores. E isso é tão certo e atual que, recentemente, uma empresa de construção continental que tomou conta e fez uma grande obra na Terceira, só conseguiu concretizar a obra levando todos os trabalhadores do continente porque, “com os trabalhadores de cá não ia a lado nenhum”. E contou isto como uma virtude local, que ele próprio aprecia e defende. Porque, nas suas palavras, “vivemos melhor a vida. Vocês, continentais, não têm tempo para vós”. É verdade que eles não correm, a não ser nas touradas a fugir do touro. Mas nem são muitos os que o fazem pois a maioria limita-se a ver, em local protegido.

O meu amigo Rui em tempos, fez parte de uma sociedade que montou uma fábrica numa das principais ilhas do arquipélago, com o objetivo de trabalhar madeira de criptoméria. Esta madeira é muito bonita e ainda tem a vantagem de ser leve, quase como a madeira de balsa. Na sua qualidade de técnico, participou na montagem da fábrica como dirigiu o fabrico. Mas, bem cedo se apercebeu que não ia resultar. É que ele nunca sabia quantas pessoas iam aparecer para trabalhar. O pessoal ia quando lhe convinha… e queria. Diziam-lhe até com toda a naturalidade: “Vocês no continente têm três velocidades: Parado, a andar e depressa. Nós aqui só temos duas: A andar e parado”. Pouco tempo durou o sonho industrial nos Açores…

Na ilha Terceira há a tradição da “tourada à corda” e, no verão, são diárias. Muitos açorianos largam tudo o que têm a fazer para irem assistir. O Governo Regional teve de publicar uma lei, proibindo as touradas antes das dezassete horas, para evitar a “debandada” dos locais de trabalho…

Será que o corre, corre da vida está certo ou certos estão os açorianos que vivem a vida ao ritmo da natureza? Será que nós seres humanos fomos feitos para andar à velocidade da luz ou a querer chegar lá? A verdade é que de avião não vemos a paisagem e pior será se for de foguetão. Mas, montados num burro ou a passo, temos todo o tempo do mundo para apreciar a paisagem. E o que será melhor para a nossa saúde, física e mental?

O meu primo Nuno, a viver nos Açores (nem de propósito…), enviou-me um e-mail com uma entrevista (polémica) do dr. Paulo Ubiratan, de Porto Alegre (Brasil), em que faz a defesa do contrário do que nos é habitualmente recomendado. Como diz ele, “encontrei o médico de família certo… e não quero outro”!!! Quando perguntaram ao médico se exercícios cardiovasculares prolongam a vida, ele respondeu: “O seu coração foi feito para bater durante uma quantidade de vezes e só… não desperdice essas batidas em exercícios. Eventualmente, tudo se acaba. Acelerar o seu coração não o vai fazer viver mais: isso é como dizer que pode prolongar a vida do seu carro conduzindo mais depressa. Quer viver mais? Faça uma soneca”!!! E à questão se devemos cortar na carne vermelha e comer mais frutas e legumes, a resposta também foi surpreendente: “É preciso entender a logística da eficiência… O que é que a vaca come? Feno e milho. E isso o que é? Vegetais. Então, o bife nada mais é do que uma forma eficiente de adicionar vegetais ao seu sistema. Tem necessidade de grãos? Coma frango”! Quanto o questionaram se chocolate faz mal, foi peremptório: “Está doido? Cacau!!! Outro vegetal!!! É a melhor comida para se ser feliz”!!! E ainda recomendou: “E lembre-se: A vida não deve ser uma viagem para o túmulo com a intenção de chegar lá são e salvo e com um corpo lindo, atraente e bem preservado. O melhor é gozar a vida – cerveja numa mão, petisco na outra! – E possuir um corpo completamente gasto, totalmente usado, gritando: VALEU!!! QUE VIAGEM!!!

Até porque, se caminhar fosse saudável, o carteiro seria imortal! O coelho corre e pula e só vive 15 anos. Mas a tartaruga não corre, não pula, não faz nada e… vive até aos 450 anos”!!! Afinal, quem está certo”?

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