Morreu um cão…

Morreu um cão. Apesar do profissionalismo da equipa médica que dele tratou, não foi possível debelar o mal intestinal que o consumia e lhe fez perder um terço do peso nos últimos trinta dias. Numa longa conversa, o médico veterinário responsável falou com o dono e informou-o da queda dos valores das análises muito para baixo dos mínimos e do seu significado, desenganando-o e deixando nas suas mãos a decisão sobre o futuro do seu cão. E foi a decisão mais difícil que teve de tomar na sua vida. A sua opção foi de não prolongar mais o sofrimento do animal, um sofrimento inútil e sem sentido. Nem prolongar o seu sofrimento pessoal e o da família. Mas chorou muito, como já há muito tempo não o fazia… E chorou também nos dias seguintes sempre que abria a porta de casa pela manhã e sentia a falta daquela enorme bola de pelos a irromper casa dentro, abanando a cauda de alegria e encostando-lhe o focinho nas pernas, pedindo os acostumados mimos matinais. Ficou-lhe uma saudade imensa desse animal que adoptou de um canil e a quem salvou a vida e recuperou por traumas do passado, mas a quem se afeiçoou tanto. E recebeu dele muito mais do que lhe deu. Sim, porque o seu cão recompensou-o plenamente daquilo que fez por ele.

Foi um companheiro fiel e leal sempre pronto a segui-lo para todo o lado com alegria e entusiasmo. Fazia parte da rotina da sua vida diária e era importante na felicidade quotidiana da família, com a sua presença constante, sem nada pedir em troca. Uma companhia que nunca o criticou nem julgou, ajudando a amenizar o stress do dia a dia. Se no início não era opção entrar dentro de casa, bem cedo se foi insinuando pela ternura e pela docilidade e, pouco a pouco, virou membro pleno da família, com acesso a toda a casa, onde passava a maior parte do tempo. Tornou-se um companheiro inseparável que raramente perdia os donos de vista. Mal o dono pegava na trela, saltava e rodopiava sobre si numa alegria incontida, a comemorar antecipadamente a saída para uma caminhada pelas ruas da terra. E tanto corria no relvado, como passava horas deitado a seus pés quando lia, trabalhava ou via televisão. Mas perdeu-o e só lhe restam as imagens e a saudade, uma imensa saudade.

Agora percebe o porquê de todos os donos de animais de estimação sentirem não ter “autorização” da sociedade para ficarem tristes ou até chorarem pela morte do seu animal. É que a grande maioria da sociedade não considera que uma pessoa “possa estar de luto” e “entristecer” pela simples morte de um animal, mesmo que lhe seja próximo, que lhe esteja ligado afetivamente. É um facto, a sociedade não dá espaço ao luto e tem de se continuar a viver como se nada tivesse acontecido. Normalmente nem se fala com os outros sobre o que se está a sentir, pois parece que são muito poucos os que se sensibilizam quando se diz “o meu cão morreu”. Por isso, a morte de um cão é uma perda, embora não reconhecida como tal. Ouve-se até com frequência: “Era só um cão!!!…”, como quem quer dizer “uma coisa vulgar, sem qualquer valor. Há muitos outros por aí. Se ao menos fosse uma criança?”. Mas ao dono apetece gritar: “Não, não era só um cão. É O MEU CÃO e fazia parte da minha vida”.

Mas, falar do sentimento de perda em relação a um cão é incompreensível para muita gente. E é natural. Quem nunca teve a felicidade de viver com um animal, não faz (nem pode fazer) a mínima ideia do quanto se sofre (nem sequer do quanto se perde) com a sua morte. E nem compreende a importância que ele pode ter tido na vida do seu dono e da família. Essa insensibilidade é extensiva a muitos daqueles que, tendo animais de estimação à sua guarda, nunca os “adoptaram” verdadeiramente, nem integraram no agregado. Muitos, usam-nos para prestar um serviço, seja ele caçar, guardar a propriedade ou como mera “fábrica de produção” de cães para negócio. Quando deixam de servir, desfazem-se deles abandonando-os no meio do monte a duzentos quilómetros de casa, com um tiro na cabeça ou afogando-os. São descartáveis, tal como os seres humanos quando deixam de ser úteis, quando deixam de produzir. Só que os humanos não são abatidos… para já. Mas já faltou mais…

A morte, esse desfecho que encerra a vida de todos, é uma certeza que aprendemos a ignorar no dia a dia, fingindo que não é connosco. Mas ela chega, porque nunca se esquece de nós. E então, ficamos tristes por perder algo que amamos tanto. É por isso que a perda de um parente ou amigo costuma ser devastadora. Ora, os animais de estimação ocupam lugares semelhantes na vida de quem os integrou na família e a dor de perdê-los é igualmente grande. Porque nos dão muito, em lealdade, em amor incondicional, em fidelidade. Como me dizia uma mulher simples da aldeia, “com um cão nunca estamos sós, nem sentimos a solidão. E ao chegar a casa temos sempre alguém à nossa espera, a receber-nos com expressões de alegria impensáveis num ser humano”. E, verdadeiramente, só cada dono é capaz de saber o quanto representa para si. Ninguém mais. Assim, a morte de um cão que esteja integrado na família não é diferente da perda de um ente querido, até porque de um ente querido se trata. E sofre-se com a sua perda, somente porque nos permitimos amar, retribuindo em singelo o que ele nos dá em dobro.

Morreu um cão… Era tido como membro da família que o adoptou, deixando um vazio e uma saudade enormes, um sentimento de perda que não se imaginava e para o qual não se estava preparado.

O cão que morreu tinha oito anos. Era uma fêmea dócil e dava pelo nome de Diana.

E eu sinto-me orgulhoso. Triste, mas orgulhoso, por poder dizer que tive o privilégio e a felicidade de ser seu dono…

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