Temos mais nomes do que pensamos

Ao longo da vida somos conhecidos por muito mais nomes do que aqueles que podemos imaginar, mas o mais importante é sempre o que descreve e define o nosso carácter. Como é que somos falados e conhecidos entre as pessoas com quem convivemos, sejam familiares ou amigos? E como nos chamam aqueles com quem não mantemos qualquer relação de proximidade? Ao nosso nome acrescentam uma característica positiva ou negativa para nos identificarem quando se querem referir à nossa pessoa?                                                                 Num meio rural como era o nosso, para nos identificarem com mais facilidade ao nome principal associavam um apelido (José da Silva, António Magalhães), uma alcunha (Manuel Pilão, Arnaldo Carcanho), o lugar de nascença (Joaquim da Aldeia, Mário da Estrada) ou até de residência (Ribeiro da Cavadinha, Barbosa do Bacelo), o nome do pai (José do Paulino, Manuel do Carvalho ), da mãe (António da Emilinha, Ana da Albertina), uma profissão (Alberto Espingardeiro, Belmiro Latoeiro), um defeito físico (João Corcunda, Afonso Manco) e uma qualidade moral (Aninhas Bondosa, Armandina da Ajuda), física (Alzira Peituda, Cardoso do Sinal), artística (Manuel Fadista, Carlos Acordeonista) ou outra qualquer.                                                            Ao longo da vida já ouvi chamarem-me muitos nomes variados usando parcialmente um dos 4 que tenho ou juntando 2 de forma aleatória e de me “atirarem” com outros bem menos simpáticos, do calão mais suave ao mais ordinário, a maioria das vezes quando não estava presente. Em criança, associavam ao meu nome o nome da minha mãe. Depois, em adolescente, era o meu pai a emprestar-me o seu apelido. E finalmente, a partir daí, de forma mais consistente, passaram a brindar-me com os apelidos dos dois, numa justa homenagem ao dueto que me trouxe a este mundo.                             Para identificar mais especificamente alguma pessoa, mencionamos às vezes um sinal, um tique, uma característica especial, uma forma de conseguirmos que saibam de quem falamos. Mas entre as pessoas somos também conhecidos quase sempre pelas nossas virtudes como a seriedade, honradez, honestidade e solidariedade ou pelos nossos principais defeitos que nem vale a pena enumerar. E é verdade que, desde que me conheço, o bom nome e a boa reputação valem mais do que qualquer riqueza, se bem que, à medida que a sociedade evoluiu, e com isto não quero dizer que tenha sido para melhor, e os anos foram passando, um nome honrado, prestigiado e brioso é algo de que nem todos se podem gabar. E como ele é importante, tanto para as pessoas como para as próprias empresas …                                            A boa reputação e bom nome, tanto de pessoas como de organizações é um elemento intangível que todos devemos prezar. A verdade é que, num universo cada vez mais competitivo, em que as informações circulam e fluem de forma muito rápida a nível global, faz sentido que a reputação de pessoas e organizações seja um ingrediente essencial. É que, sem uma reputação à prova, que transmita confiança, qualquer pessoa ou organização fica mais exposta e mais vulnerável ao intenso escrutínio dos media, redes sociais e opinião pública, como temos visto nos últimos tempos entre nós, sobretudo na classe política. E vemos também que, se não tiver um bom capital de reputação, tanto o homem mais poderoso pode cair, como a empresa mais sólida do mundo pode ser desmoronada …                                                                     A boa reputação não é algo que se compre. É construída ao longo dos anos, dia a dia, por meio das boas ações e atitudes, seja no ambiente profissional, familiar ou social e quanto mais sólida e baseada no caráter, fazer o bem, no servir o próximo com integridade, menores serão os abalos que sofre. Boa reputação é dignidade, integridade, ética, honestidade e confiança na ação. É um atributo que se ganha com dificuldade e se perde com muita facilidade. Nas empresas, é um valor estratégico que gera valor e evita as crises. Não é uma questão de dinheiro ou fama, mas sim de confiança, credibilidade, respeito e admiração.                                                                                                            Há alguns anos, nos Estados Unidos, ao ser lançada a suspeita de que um medicamento contra a dor que era usado em larga escala causava envenenamento nos doentes, houve pânico geral. Perante tão grande alarme, a empresa farmacêutica fabricante do produto assumiu de imediato a responsabilidade pelo ocorrido e das consequências daí resultantes, tendo gastado elevadas quantias em todo o processo. Os responsáveis da empresa estavam determinados em fazer o que era correto sem pensar nos custos. Embora não fosse esse o objetivo, a reação imediata e assumida da responsabilidade pela empresa viria a trazer resultados positivos no futuro. A integridade com que agiram nessa situação difícil, viria a aumentar-lhes a credibilidade, tendo isso contribuindo para que fosse escolhida como empresa de melhor reputação no país em 2001, por um conceituado jornal americano.    É interessante comparar esta com uma outra empresa de pneus, ela também americana, que passou por uma situação semelhante, mas com pneus defeituosos que causaram numerosos acidentes, alguns deles fatais, até se descobrir a causa. Ao contrário dos dirigentes da empresa atrás referida, os seus diretores preferiram negar de forma categórica a sua responsabilidade e lançaram a culpa disparando em todas as direções, atribuindo-a a todo o mundo menos a si próprios. Depois de processo em cima de processo, de grandes indemnizações e acordos judiciais, a credibilidade da empresa cairia pelas ruas da amargura, um custo suplementar bem alto por não terem assumido e com isso salvaguardo o bom nome. Porque, “aquele que perde a sua reputação pelos negócios, perde os negócios e a reputação”. A nível pessoal todos conhecemos algumas pessoas por quem “podemos pôr a mão no fogo”, gente com um bom nome e merecedora da nossa confiança. Mas também conhecemos “outros”, se calhar em maior número, cujos nomes pelos quais são conhecidos não se limitam aos que têm de batismo …                                                                                          A boa reputação não tem preço. Pode-se passar toda uma carreira e o tempo de uma vida trabalhando para construir uma sólida reputação, um bom nome com credibilidade, honestidade e altruísmo e tudo isso pode ser destruído num instante, numa saída infeliz, na transigência sem ética, numa decisão irracional ou imoral. Warren Buffet dizia que “são necessários 20 anos para construir uma reputação e apenas cinco minutos para a destruir”.                                                                                                        Sendo que, “na tua terra o que conta é a tua reputação e, nas outras, as tuas roupas”, não podemos nem devemos submeter-nos só a uma boa reputação se para isso tivermos de sacrificar a consciência e até o caráter. Será bom lembrar as palavras de John Wooden: “Preocupa-te mais com a tua consciência do que com a tua reputação. Porque a tua consciência é o que tu és e a tua reputação o que os outros pensam de ti. E o que os outros pensam, é um problema deles” …

Quer conhecer as tais 36 perguntas?

Já deu uma vista de olhos ao rol de 36 perguntas que pode vir a ter de responder se quer conseguir alguma coisa da vida? Se é daqueles que ainda não se deu ao trabalho de as estudar bem para um dia destes ter as respostas na “ponta da língua” e as poder passar à “ponta da caneta”, acorde e “meta mãos à obra” que não é assim tão pesada. Há coisas muito piores e que valem bem menos do que o prémio que pode esperar no final como resultado disso. É que, se for apanhado de surpresa, pode atrapalhar-se, dar a resposta menos conveniente, “meter as mãos pelos pés”, ser mal interpretado, estragar o que pode vir a ser uma vida de sonho e a sua felicidade. Sim, porque a sua felicidade pode estar ao virar da esquina. Mas tem de fazer a parte que lhe toca pois é coisa que os outros não poderão fazer por si. A duração sugerida é de dois a quatro minutos, mas o autor da lista pôs alguma ênfase na sua recomendação: “Dois só é suficiente para ficar apavorado e quatro dá realmente algum resultado”. Mas, se ainda não conhece as perguntas que o poderão fazer feliz e que a imprensa não revelou em pormenor, eu vou revelar-lhas em primeira mão. Anote: “1 – Se pudesse escolher qualquer pessoa do mundo, quem iria querer como convidado para um jantar?

  2 – Gostaria de ser famoso? De que forma?

  3 – Antes de fazer um telefonema, costuma ensaiar o que vai dizer? Porquê?

  4 – O que constitui um dia “perfeito” para si?

  5 – Quando foi a última vez que cantou sozinho? E para outra pessoa”?

Chegado aqui, tenho de parar. Está confuso, pois não era este tipo de perguntas que estava à espera? Mas então, estava à espera de quê? De conhecer as 36 perguntas que o primeiro-ministro e o governo arranjaram para “caçar” alguns futuros governantes, sem mácula e sem “esqueletos no armário”? Nada disso, pois esta é a lista das 36 perguntas do questionário resultado de uma experiência científica do psicólogo Arthur Aron e é um verdadeiro teste à intimidade de um casal ou de duas pessoas que estão interessadas em poder sê-lo, mas que não têm a certeza do sentimento que as une.

Mas se estava a pensar nas “tais perguntas” para se ir preparando no caso de um dia vir a ser convidado a ser governante, ou antes disso, para ver se passa no “teste de honestidade” enquanto candidato a tal, para não correr o risco de entrar pela “porta principal” e ter de sair logo de seguida pela “porta das traseiras” como aconteceu as “uns quantos” nos últimos tempos, eu até lhe poderia disponibilizar todo o rol de perguntas, da primeira à última, mas não me parece boa ideia e digo-lhe porquê: Este inquérito de 36 perguntas, mais do que evitar candidatos sem condições para exercer cargos de governo da coisa pública, só vai afugentar muitos candidatos válidos, pessoas de bem com prestígio e mérito, que não vão querer ver a sua vida, nem a das pessoas que lhe estão próximas, devassadas nem esparramadas em grandes parangonas nos jornais e televisões nacionais. 

Claro que vai sempre haver candidatos disponíveis para esses lugares do poder, aqueles que andam na vida para o ser: os “carreiristas” dos aparelhos partidários, sem mérito ou talento, se é que isso possa ser alguma mais-valia para o lugar. E então vamos continuar a queixar-nos da má qualidade de quem nos governa … 

Mas para lhe satisfazer a curiosidade dessa lista e o submeter a uma pequeníssima amostra, o que pensa se eu o convidar para jantar, mas condicionar o haver jantar ou não àquilo que responder a uma única pergunta das tais (e já nem falo de todas as 36 do inquérito)? Aí vai: “Está insolvente (falido)”? Como resposta e em bom português, era capaz de sentir-se ofendido e me mandar “àquela parte” …

A título de curiosidade e para percebermos as diferenças de postura, nos Estados Unidos, aqueles que têm objetivos políticos e pretendam vir a ocupar qualquer lugar de governação, antes de irem à “luta” e poderem ser eleitos ou escolhidos, mandam fazer uma investigação rigorosa a si próprios, onde a sua vida é espiolhada de alto a baixo na intenção de não deixar nada a descoberto, desde as relações com a família, amigos e institucionais, se descobrem todas as fragilidades da vida pública do candidato como da vida privada, ao ponto de se saber com quem se dá, que tipo de sites vê na internet, se vê pornografia, traiu a mulher ou foi traído, etc., etc.. Ali não ficam à espera que seja o seu partido ou governo a colocá-los perante um questionário de 36 perguntas com a obrigação de o preencher, para além de atestarem da sua veracidade. 

Mas deixemos as 36 perguntas da política e voltemos às 36 perguntas que podem fazer as pessoas se apaixonarem. Este questionário viria a ganhar popularidade em 2015 depois da cronista de um conceituado jornal americano ter recuperado a experiência e posto em prática no encontro com um antigo colega da faculdade. Depois de 36 perguntas fizeram 4 minutos de silêncio a olharem-se nos olhos e o resulto foi: Apaixonaram-se.

Por isso, se a sua preocupação não é o poder ou não vir a ser membro do governo, mas de perceber se a sua relação com alguém tem futuro, arrisque fazer a experiência de Arthur Aron que encontra com muita facilidade na internet. Quando muito, será divertido, mas pode valer a pena e até abrir-lhe a porta da felicidade. Porque não?

De médico e louco, todos temos um pouco …

Dizem os médicos que tenho uma tendinite no ombro e ela de vez em quando faz questão de me lembrar que continua ali para me chatear e fazer gemer. E eu gemo, faço fisioterapia ou tomo um medicamento prescrito pelo médico para a acalmar. Há alguns dias, quando estava num desses momentos de crise a massajar o ombro na tentativa de aliviar a dor, alguém do lado disse-me: “Eu também andava com uma dor no braço e o médico deu-me uns comprimidos que me fizeram desaparecer a dor num instante. Porque é que não tomas já um”?

É vulgar termos ao lado um familiar, amigo ou colega de trabalho que, para um problema de saúde, disponibiliza um medicamento na hora ou, no mínimo, prescreve o que é que devemos tomar porque foi o medicamento que resultou com ele em determinada situação, que até pode não ser igual à nossa. E no caso de recusarmos o conselho ou medicamento, ainda que de forma diplomática, pode ficar amuado, sentindo a rejeição como uma afronta, como se os seus “serviços” não sejam valorizados, quando a intenção era só de ajudar.

Desde sempre houve esse espírito de entreajuda. Só que, se noutro tempo se limitava a recomendar uma “mezinha”, um chá de cidreira, camomila, limonete ou tília, “talhar o pulso” ou outra parte do corpo, “endireitar a espinhela” e até uma ida ao “bruxo”, nos dias de hoje o desenvolvimento da medicina, muito em particular da farmacologia, para além da vasta informação obtida no “Dr. Google” (onde se sabe tudo de tudo), é frequente encontrar em alguém que nos é próximo um aconselhamento terapêutico ou até assistencial na hora, mesmo que não profissional, com medicação que diz “apropriada” para o nosso caso. As mulheres são as mais “eficientes” pois, para além de se disporem com mais facilidade a ajudar, têm um leque mais vasto de um “suposto conhecimento médico” e são mais prevenidas porque trazem sempre consigo um stock de medicação “muito bem aviado” – para alguma coisa servem as bolsas enormes que trazem às costas – e são elas que “prescrevem” às pessoas em sofrimento o que devem tomar, com base na sua experiência pessoal, numa vontade de ser útil ao próximo e num “Deus queira que dê certo”. É assim ou por decisão própria, que nos automedicamos frequentemente, às vezes correndo riscos sérios sem o saber.

Por alguma razão surgiu o ditado popular que “de médico e louco, todos temos um pouco”. É que temos uma tendência geral para “dar receitas” a toda a hora. Se alguém ao nosso lado diz que está com dor de cabeça, a “receita” é instintiva: “Toma Ben-U-Ron que isso passa”. Mas se a dor é num braço ou na perna, o “médico de serviço” ao lado recomenda um “Brufen” porque além do efeito analgésico (tira a dor) também é anti-inflamatório. Se outrora houvesse alguém a espirrar o diagnóstico era “estás constipado” e a receita um “mete-te já na cama, toma um chá quente com mel e agasalha-te” ou, mais resumidamente, um “abafa-te, avinha-te e abifa-te”. Mas hoje, como já estamos muito “formatados” no receituário farmacológico, não são as mezinhas que aconselhamos, mas antes um “Atarax” que faz parar o pingo do nariz e alivia a respiração. Mais ainda, já somos suficientemente capazes de aconselhar ao nosso vizinho e “paciente” que precisa de ser operado às varizes, tirar as cataratas, arrancar o dente ou meter uma prótese da anca, caso contrário cada vez anda com mais dificuldade e maiores serão as suas dores a caminhar. Pensando bem, esta nossa “veia de médico” deveria dar-nos para aconselhar os “pacientes” a procurar conselhos de quem é realmente responsável, em vez de estarmos a querer impingir receitas baseadas em conhecimentos de “Espírito Santo de orelha”. E há riscos, mesmo em medicamentos de consumo corrente como é o caso do “Paracetamol” (Ben-U-Ron), um dos que é mais vendido (e sugerido por nós, leigos), pois a sua utilização em excesso pode levar a complicações. 

A facilidade de acesso à informação convenceu muito boa gente que basta ler artigos na net e consultar a Wikipédia para ser especialista e estar abalizado a emitir opiniões e prescrever receituário. E já vimos isso de forma assustadora em muitos órgãos de informação durante a crise pandémica, onde toda a gente tinha opinião sobre assuntos que pertencem à esfera médica. Políticos, sociólogos, psicólogos, artistas, jornalistas e muitas outras pessoas cujo contacto com um hospital se limitou a estar sentado numa sala de espera, gente que não percebe patavina do assunto, permitiram-se emitir opiniões sobre as vacinas, defendendo o não à vacinação, fazendo crer que quem nada percebe são os cientistas e estudiosos que as desenvolveram. E os exemplos piores vieram de responsáveis mundiais como Trump, Bolsonaro e outros, ao darem a sua opinião de leigos com estatuto de autoridade médica sobre como controlar a pandemia. Trump chegou a sugerir que se injetasse desinfetante pelos brônquios dos infetados, tendo sido registados muitos casos de intoxicações em gente que seguiu a sua sugestão. Já agora, qualquer um pode ter um blogue com aspeto muito sério e profissional onde ensina a emagrecer numa semana, a fazer exercício para deixar de usar óculos, eliminar a queda do cabelo e outras maleitas humanas. E tudo cientificamente comprovado. Se de médico e louco todos temos um pouco, não se pode confundir a sabedoria popular genuína, baseada na tradição e transmitida de geração em geração com o conhecimento à pressa e sem critério nos média ou em qualquer site da moda.

Bom seria que fôssemos capazes de evoluir na medicina tradicional e desenvolver os conhecimentos milenares, pois é verdade que muitas receitas de raízes, ervas e larvas usadas antigamente na cura das doenças começam a ser aceites na medicina alopática e homeopática. E os banhos de imersão, sangrias e a aplicação de larvas para curar as feridas, além de sanguessugas que voltam a ser usadas como terapia. 

Bom seria que a medicina tradicional encontrasse solução para a dor de cotovelo, a ganância, o egoísmo e a falta de humanidade. Era certo ter clientela garantida …

A morte é o nosso maior “tabu” …

A morte tornou-se no maior tabu da nossa sociedade. Nem sexo nem drogas se lhe comparam. Ver, ouvir ou até, simplesmente, falar dela, é algo de que fugimos “como o diabo da cruz”. Se quando eu era criança a maioria das pessoas quase sempre morria em casa, no meio das suas coisas, no seu ambiente e rodeado pela família, pouco a pouco e de forma sub-reptícia começou-se a empurrar esse fenómeno porta fora, a afastá-lo para o mais longe possível ao contrário da vivência desse tempo, de tal forma que agora a maioria das vezes a morte só acontece nos hospitais e lares ou noutras instituições, mas sempre e sempre longe de casa. Começamos por expulsá-la das nossas vidas e depois também, das nossas conversas. Deixou de ser falada, tornou-se invisível. Até deixamos de pronunciar o seu nome como se tivesse peçonha. A morte passou a ser uma estranha para nós e sempre que nos é possível, só estabelecemos algum contacto à distância de uma mensagem de condolências, de um acompanhamento afastado no cortejo fúnebre. E agora passamos a vida a evitá-la, a negá-la e a viver num “faz-de-conta” como se a morte não existisse. E a nem falar nela como se o simples falar a possa atrair. Ora, se ela é uma certeza, uma inevitabilidade, não seria muito mais racional prepararmo-nos para o momento em que nos bater à porta? Mas não é assim e o medo de a encarar com naturalidade, assusta-nos e bloqueia-nos, fazendo com que deixemos sempre tudo para depois. Ora, como é inevitável, não pode ser considerada uma derrota da pessoa e nem uma vitória da doença ou do que quer que seja que a faz acontecer. Nada disso, já que é simplesmente a vida ou o seu fim, de que faz parte integrante.   Desperdiçamos tempo e vivemos como se não fôssemos morrer, nem hoje nem nunca, negando a realidade que nos vai surgir no caminho e trocando as prioridades. E mais tarde vem um “Ah, se eu soubesse o que sei hoje”? Só quando chegam algumas doenças graves, acidentes, epidemias ou pandemias como a provocada pela Covid-19 e ela nos bate à porta sem avisar nem pedir licença, como que saímos da ilusão em que vivemos de que somos mais fortes que ela, na fantasia de que a podemos fintar ou até enganar. E aí a questão não é ser ou não ser mais forte que ela, porque ela faz parte de nós e nós dela e é isso que temos de interiorizar.                                                                                                           Se virmos bem, evitamos dizer a palavra “morrer” ou “morto”, como se as palavras tenham “lepra”. Quase sempre são substituídas por um “falecer” e “falecido”, por “finar-se” e “finado”, quando não o simples “foi-se”, “apagou-se” ou “já não está entre nós”. E para os religiosos, um “está com Deus”.                                                                                             O velório era em casa do morto, por mais humilde que fosse e muitas vezes não tinha um mínimo de condições, a começar pela largura das portas, quase sempre insuficientes para passar o caixão. Era preciso inventar para tirar o caixão de casa com o morto dentro, pois não se podia pedir ao falecido para se levantar, sair de casa pelo seu pé até fazerem sair o caixão de lado e sem a tampa, para voltar a “instalar-se” comodamente e de novo no seu último “fato”. Mas era a sua casa, para a vida e até para a morte. Tantas vezes ficava no “seu” quarto durante uma noite por não haver uma sala, velado pelos familiares, amigos, vizinhos e conterrâneos, que se revezavam durante a noite quase sempre aquecida com uma garrafa de bagaço. E era dali que partia para a sua última cerimónia religiosa na igreja local e depois para o cemitério. Não havia traumas por se ver o caixão e o corpo do morto. Lembro-me de José Barbosa da Mota, um homem que veio do Alto Minho para ganhar a vida entre Macieira e Aveleda, até a morte o levar. Vivia sozinho e logo que juntou algum dinheiro, comprou um caixão que colocou atrás da porta de entrada da casa humilde onde vivia, para garantir que teria um “fato” à medida. Durante anos viveu e conviveu com ele sem qualquer assombramento. Ora, também o tempo acabou por empurrar o velório para fora pois a sociedade foi criando gradualmente espaços externos para se depositar o corpo, as chamadas “capelas” ou “casas mortuárias”, evitando que ao sair do hospital ou Lar tenha de passar por sua casa e “devassar” o espaço que era seu, mas já deixou de ser, como se isso viesse a deixar algum “assombramento” em casa. E todos aderimos a este processo porque mantem o morto à distância, é mais “higiénico” dizem, dá um certo “alívio” por não ter de se viver com ele mais 24 horas seguidas, pelo menos, e torna mais leve todo este processo doloroso que é a perda e separação de um ente querido.                                                                         Enquanto antigamente as crianças vivenciavam e eram inteiradas na realidade da morte, integrando na prática os rituais fúnebres a partir do funeral (e eram sempre muitas as que faziam parte das “cruzadas” e acompanhavam o morto à igreja e depois ao cemitério), hoje foram afastadas e “protegidas” para não sofrerem traumas psicológicos com consequências na sua saúde (ficando em casa agarradas ao telemóvel ou computador que as pode atrofiar bem mais que um funeral), coisa em que ninguém pensava no meu tempo de criança sempre que tive e tivemos de participar em tantos funerais mesmo quando o morto não pertencia à família. Até essa proteção e distanciamento excessivos a que as crianças hoje estão sujeitas acabam por não ser benéficas e nem sequer as ajudar a crescer.                                                              Séneca dizia que “erramos ao ver a morte à nossa frente como um acontecimento futuro, enquanto parte dela já ficou para trás, pois cada hora do nosso passado já pertence à morte”.                       Devemos temer menos a morte e muito mais uma vida insuficiente, inútil ou vivida pela metade. Temos de aprender a viver como deve ser, para saber morrer bem. E de perceber que a morte nos dá uma lição grandiosa: de que tudo é transitório. Porque chegamos aqui nus, ganhamos um mundo de bens, mas, ao partir, voltamos a ir sem nada, completamente nus.                                                                                            E, para além de tudo, seguir o conselho de Freud: “Se queres poder suportar esta vida, tens de estar pronto para aceitar a morte”. Porque se não fizermos a aceitação da morte, não seremos verdadeiramente livres nesta vida …                                              

Este “carro” só pega de “empurrão” … quando “pega …

Vivemos tempos difíceis depois de atravessar a pandemia do Covid-19 de que ainda verdadeiramente não saímos e de sofrer por tabela as consequências da guerra na Ucrânia, com uma inflação galopante que faz mingar o valor do dinheiro no nosso bolso e que dia após dia dá para comprar menos comida para casa. Mas, por mais difícil que tenha sido o ano, por mais confuso e tresloucado que este mundo se encontre, por mais que os pais invistam mais tempo em subir cada vez mais alto na sua profissão relegando para segundo plano o tal investimento na família e por mais que se alimente esta correria louca de todos os dias sem se saber bem para onde, num atropelar do outro sem sentido, durante pelo menos um dia do ano permitimo-nos acreditar no Natal, no milagre da bondade humana em nome de um Deus feito Menino e que no ano seguinte tudo vai ser resolvido. 

Sei que dizemos sempre: “Mas um dia é tão pouco em 365 dias que tem o ano”! Também sou daqueles que dizem o mesmo, mas cada um de nós tem de fazer a sua parte para que o “espírito natalício” que prevalece nos nossos corações nesta época do ano, essa alegria de estar com as pessoas de quem gostamos, esse respeito e amor pelo próximo e essa generosidade que nos enche o coração, se estenda por mais e mais dias até ocupar o ano todo.

Olho ao meu redor na sala cá de casa onde já prevalecem os enfeites dum Natal que desejo em família e penso na simplicidade de Belém, do nascimento de Jesus no seio de uma família como a nossa, que é preciso valorizar por ser quase sempre o porto de abrigo onde todos podemos voltar em momentos difíceis. E deixo-me atrair pela ternura do Menino Jesus, nascido pobre, frágil e perseguido, no meio de nós, para nos dar o seu amor. Ele é o centro do Natal e sem Ele, que Natal seria este? 

É certo que as nossas fragilidades humanas foram aproveitadas para fazer incluir o Natal no calendário comercial do mundo e o marketing e a publicidade encarregaram-se de criar e recriar os mais diversos e sofisticados engodos para nos distrair do essencial, focar o acessório e levar a consumir de forma descontrolada como se fosse obrigação o ter de comprar, trocar prendas tantas vezes inúteis, atraindo a nossa atenção para as luzes dos shoppings e centros comerciais, como que sonâmbulos hipnotizados. E o Menino? Ora, o significado do Natal é uma mensagem de amor e aproximação ao próximo. Se soubermos aprender com ele, crescemos em espírito e como pessoas. Por isso, os cristãos devem estar preocupados pois o nascimento de Jesus está a perder o lugar principal a favor dum consumismo selvagem que o Pai Natal representa. Mas cabe a cada família católica explicar às crianças diante do presépio em casa que o Menino é verdadeiramente símbolo do nosso Natal, muito para além do folclore comercial.    

O Natal ensina-nos que há duas formas diferentes de manifestarmos o nosso amor pelos que nos rodeiam, que fazem parte da família, do círculo de amigos ou até de desconhecidos. Uma delas, a mais difícil, é sofrer pela pessoa amada. Foi isso que Jesus fez e nos ensinou através da encarnação. A outra, a mais comum neste tempo de encontro, é o dar presentes, mas sempre que possível que sejam úteis e não fúteis.

Aproveitando o movimento consumista que assola a época de Natal, podemos ser verdadeiros cristão se quisermos entender e viver essa época como um período de agradecimento por tudo o que Cristo é e significa, além do que nos concede. E, aproveitando o papel lúdico do Pai Natal, dos presentes e das expectativas que esse período gera nas crianças, jovens e até nos adultos, devemos entender que, tal como o velhinho das barbas brancas, todos somos e temos de exercer o nosso papel de Pais e Mães Natal não só nesta época, mas também em todas as épocas do ano, dando-se, ajudando e promovendo a dignidade dos mais necessitados. E há exemplos pelo mundo que devemos seguir.

Os Correios do Brasil inteiro lançaram uma campanha de Adoção de Cartas de Natal. Há milhares de crianças que, na esperança de serem atendidas pelo “Bom Velhinho”, enviam cartas endereçadas ao Pai Natal fazendo os mais variados pedidos. Para atendê-los, os Correios lançaram mão da ajuda voluntária de cidadãos. Com o apoio de muita gente que se colocou como padrinhos e ajudantes, ao longo de anos conseguiram realizar o sonho de um milhão de crianças, sonhos que vão desde bicicletas, bonecas e demais desejos de consumo, às mais reais necessidades como material escolar, cabaz alimentar, pedido de emprego para os pais e até cura de doenças. Dizia um funcionário dos Correios, há mais de vinte anos, que “esta época e os pedidos mais diversos, são uma verdadeira dádiva de Deus, uma oportunidade única de vermos que as dificuldades que achamos que temos na vida são muito pequenas diante das muitas necessidades e dos apelos de irmãos com realidades tão diferentes”.

Em Portugal, a Make-A-Wish (satisfazer um desejo) tem por missão conseguir a realização de desejos de crianças e jovens dos 3 aos 17 anos em todo o território nacional, com doenças graves, progressivas, degenerativas e malignas, proporcionando-lhes um momento de força, alegria e esperança. Para uma criança que está gravemente doente, a realização do seu desejo tem o poder de impulsionar a esperança, e a esperança é o valor mais precioso que se lhe pode dar. Todos nós podemos (e devemos) apadrinhar esta nobre causa, ainda que para isso se utilize o consumo para conseguir levar a esperança a quem sofre. Vale a pena apadrinhar este movimento e este tempo de Natal convida a investir na satisfação de uma criança em sofrimento. De uma coisa podemos ter a certeza: de que a prenda é bem aceite, dá uma enorme alegria a quem a recebe e a recompensa de quem dá não é menor. 

Neste Natal, que a alegria de dar tenha um retorno maior para quem recebe, mais ainda para quem busque o verdadeiro sentido do Natal de se fazer presente e de ser presente. E nascer com o Menino todos os dias, para a caridade e o amor ao próximo.

Um Natal de presentes com sentido

Vivemos tempos difíceis depois de atravessar a pandemia do Covid-19 de que ainda verdadeiramente não saímos e de sofrer por tabela as consequências da guerra na Ucrânia, com uma inflação galopante que faz mingar o valor do dinheiro no nosso bolso e que dia após dia dá para comprar menos comida para casa. Mas, por mais difícil que tenha sido o ano, por mais confuso e tresloucado que este mundo se encontre, por mais que os pais invistam mais tempo em subir cada vez mais alto na sua profissão relegando para segundo plano o tal investimento na família e por mais que se alimente esta correria louca de todos os dias sem se saber bem para onde, num atropelar do outro sem sentido, durante pelo menos um dia do ano permitimo-nos acreditar no Natal, no milagre da bondade humana em nome de um Deus feito Menino e que no ano seguinte tudo vai ser resolvido. 

Sei que dizemos sempre: “Mas um dia é tão pouco em 365 dias que tem o ano”! Também sou daqueles que dizem o mesmo, mas cada um de nós tem de fazer a sua parte para que o “espírito natalício” que prevalece nos nossos corações nesta época do ano, essa alegria de estar com as pessoas de quem gostamos, esse respeito e amor pelo próximo e essa generosidade que nos enche o coração, se estenda por mais e mais dias até ocupar o ano todo.

Olho ao meu redor na sala cá de casa onde já prevalecem os enfeites dum Natal que desejo em família e penso na simplicidade de Belém, do nascimento de Jesus no seio de uma família como a nossa, que é preciso valorizar por ser quase sempre o porto de abrigo onde todos podemos voltar em momentos difíceis. E deixo-me atrair pela ternura do Menino Jesus, nascido pobre, frágil e perseguido, no meio de nós, para nos dar o seu amor. Ele é o centro do Natal e sem Ele, que Natal seria este? 

É certo que as nossas fragilidades humanas foram aproveitadas para fazer incluir o Natal no calendário comercial do mundo e o marketing e a publicidade encarregaram-se de criar e recriar os mais diversos e sofisticados engodos para nos distrair do essencial, focar o acessório e levar a consumir de forma descontrolada como se fosse obrigação o ter de comprar, trocar prendas tantas vezes inúteis, atraindo a nossa atenção para as luzes dos shoppings e centros comerciais, como que sonâmbulos hipnotizados. E o Menino? Ora, o significado do Natal é uma mensagem de amor e aproximação ao próximo. Se soubermos aprender com ele, crescemos em espírito e como pessoas. Por isso, os cristãos devem estar preocupados pois o nascimento de Jesus está a perder o lugar principal a favor dum consumismo selvagem que o Pai Natal representa. Mas cabe a cada família católica explicar às crianças diante do presépio em casa que o Menino é verdadeiramente símbolo do nosso Natal, muito para além do folclore comercial.    

O Natal ensina-nos que há duas formas diferentes de manifestarmos o nosso amor pelos que nos rodeiam, que fazem parte da família, do círculo de amigos ou até de desconhecidos. Uma delas, a mais difícil, é sofrer pela pessoa amada. Foi isso que Jesus fez e nos ensinou através da encarnação. A outra, a mais comum neste tempo de encontro, é o dar presentes, mas sempre que possível que sejam úteis e não fúteis.

Aproveitando o movimento consumista que assola a época de Natal, podemos ser verdadeiros cristão se quisermos entender e viver essa época como um período de agradecimento por tudo o que Cristo é e significa, além do que nos concede. E, aproveitando o papel lúdico do Pai Natal, dos presentes e das expectativas que esse período gera nas crianças, jovens e até nos adultos, devemos entender que, tal como o velhinho das barbas brancas, todos somos e temos de exercer o nosso papel de Pais e Mães Natal não só nesta época, mas também em todas as épocas do ano, dando-se, ajudando e promovendo a dignidade dos mais necessitados. E há exemplos pelo mundo que devemos seguir.

Os Correios do Brasil inteiro lançaram uma campanha de Adoção de Cartas de Natal. Há milhares de crianças que, na esperança de serem atendidas pelo “Bom Velhinho”, enviam cartas endereçadas ao Pai Natal fazendo os mais variados pedidos. Para atendê-los, os Correios lançaram mão da ajuda voluntária de cidadãos. Com o apoio de muita gente que se colocou como padrinhos e ajudantes, ao longo de anos conseguiram realizar o sonho de um milhão de crianças, sonhos que vão desde bicicletas, bonecas e demais desejos de consumo, às mais reais necessidades como material escolar, cabaz alimentar, pedido de emprego para os pais e até cura de doenças. Dizia um funcionário dos Correios, há mais de vinte anos, que “esta época e os pedidos mais diversos, são uma verdadeira dádiva de Deus, uma oportunidade única de vermos que as dificuldades que achamos que temos na vida são muito pequenas diante das muitas necessidades e dos apelos de irmãos com realidades tão diferentes”.

Em Portugal, a Make-A-Wish (satisfazer um desejo) tem por missão conseguir a realização de desejos de crianças e jovens dos 3 aos 17 anos em todo o território nacional, com doenças graves, progressivas, degenerativas e malignas, proporcionando-lhes um momento de força, alegria e esperança. Para uma criança que está gravemente doente, a realização do seu desejo tem o poder de impulsionar a esperança, e a esperança é o valor mais precioso que se lhe pode dar. Todos nós podemos (e devemos) apadrinhar esta nobre causa, ainda que para isso se utilize o consumo para conseguir levar a esperança a quem sofre. Vale a pena apadrinhar este movimento e este tempo de Natal convida a investir na satisfação de uma criança em sofrimento. De uma coisa podemos ter a certeza: de que a prenda é bem aceite, dá uma enorme alegria a quem a recebe e a recompensa de quem dá não é menor. 

Neste Natal, que a alegria de dar tenha um retorno maior para quem recebe, mais ainda para quem busque o verdadeiro sentido do Natal de se fazer presente e de ser presente. E nascer com o Menino todos os dias, para a caridade e o amor ao próximo.

Este mundo de hipocrisia e inveja …

Ora agora que eu tinha tomado a decisão de ir assistir ao primeiro jogo de Portugal contra no Qatar a contar para o Campeonato do Mundo de Futebol, contra o Gana, quando já mandara fazer reserva da viagem de avião, além de me sujeitar a ter de dormir num hotel de Mascate, em Omã, por falta de capacidade hoteleira no Qatar, é que “soube” não ser país recomendável e ninguém de um país “civilizado” como o nosso deve viajar para lá, muito menos para assistir a jogos de futebol em estádios construídos com mão de obra de migrantes, especialmente asiáticos e africanos, a  trabalhar em condições sub-humanas. Como é que só soube isto a tão poucos dias do embarque? Claro que, mal me inteirei do que os “catarianos” fizeram, fui logo a correr à agência de viagens e desisti das reservas que fizera para ver se ia a tempo de não pagar nada da viagem e hotel, caso contrário ia ter de me ver e desejar para reaver o meu rico dinheirinho como já me aconteceu num passado recente. E ainda bem que a imprensa e os nossos políticos estavam bem atentos e descobriram a tempo estas coisas …

Se eu andasse neste mundo a “ver passar os comboios” até me podia ter acontecido algo parecido com isto que escrevi, mas não é o caso. A verdade é que, logo que em 2 de Dezembro de 2012 se soube que a Rússia organizava o Campeonato do Mundo de Futebol em 2018 e o Qatar em 2022, algumas vozes denunciaram a eventualidade de ter havido corrupção para o Qatar ter conseguido algo de impensável, dado ser um pequeno país, sem peso no mundo do futebol e onde os direitos humanos são letra morta. E nessa altura não se viu nenhum movimento sério para contrariar tal decisão e muito menos se falou nem contestou a Rússia que iria organizar a edição de 2018. Ora, que se saiba e sabia já nesse tempo, a Rússia não é nenhum país modelo no que toca a direitos humanos, o que veio a ser comprovado muito recentemente com os crimes cometidos na Ucrânia. Mas, o Qatar e a Rússia não mudaram (aliás, esta mudou para muito pior) e não se viu ninguém com responsabilidades a promover campanha de rejeição à participação tanto num país como no outro, como se isso fosse uma forma de validar o regime ou qualquer política de discriminação.

Já se sabia então que nos tribunais do Qatar o testemunho de uma mulher vale metade do de um homem ou nem sequer o aceitam. Que nesse país a poligamia é permitida e a flagelação é usada nos castigos de quem consome álcool ou tem relações sexuais ilícitas. O adultério é castigado com chibatadas e as relações homossexuais com a pena de morte. Que os trabalhadores estrangeiros de mão de obra pouco qualificada são muitas vezes explorados e quiçá remetidos à condição de escravatura com espancamentos, retenção de pagamento, confisco de passaporte, cobranças indevidas, restrições à liberdade, ameaças e agressões sexuais além de prisões arbitrárias. E como se isso não lhes bastasse, muitos deles são explorados por engajadores no seu país a quem têm de pagar taxas exorbitantes. E cá entre nós, se pensarmos bem, não ouvimos já falar de algumas coisas parecidas em Portugal?

Claro que, mediante o coro inicial de contestação, o regime do Qatar prometeu fazer mudanças em todas as questões relativas a direitos humanos, para garantir a organização do Mundial de Futebol naquele país do Médio Oriente (que veio a conseguir através de meios pouco ortodoxos e lícitos) e que levariam à demissão de altos dirigentes do mundo do futebol. Mas, o certo é que o evento foi atribuído ao Qatar e não se viu no mundo civilizado nenhuma tentativa de boicote quando tal era possível e justo. Por isso, “quando a noiva está no altar” e nós somos “convidados” de pleno direito e aceitamos, esperando apanhar o “ramo de flores” com que os portugueses sonham, hoje mais do que nunca, não faz sentido que, agora, se levantem “virgens ofendidas” e moralistas de meia-tigela a gritar “aqui d’el rei” e a apontar o dedo, e quando já validaram coisas piores. E que moral temos para falar de “exploração de migrantes” se fechamos os olhos ao que fizemos aos emigrantes de Ourique e outras “paragens” nacionais onde é precisa mão de obra barata? Quantos anos andamos a assobiar para o lado? E até já nos esquecemos que milhares deles continuam por cá, muitos em situação que “valha-nos Deus”! Nem de propósito, hoje foi notícia mais um caso no Alentejo …

O Mundial do Qatar foi decidido em 2010 por uma quadrilha de gente corrupta, afastada (de bolsos cheios) por indecente e má figura, mas tem sido essa a realidade do mundo do futebol. Só os ingénuos creem no Pai Natal, mas mesmo assim esperam receber prendas! Sendo ele jogado no deserto, na areia, faria mais sentido ser futebol de praia e já a contestação não teria o mesmo mediatismo. O maior problema é que, debaixo dos oito estádios existe um enorme barril de petróleo e gás natural que dá para fazer o Campeonato mais caro da história e sobra uma riqueza imensa mesmo depois de umas quantas “prendas” que muitos mais gostariam de ter recebido. Não sei se é hipocrisia ou inveja o que meio mundo político anda a fazer chafurdando na lama, ma sem querer sujar-se.

O Qatar é um país pequeno, sem expressão, mas onde há dinheiro de sobra para querer o Mundial. E tem esse direito de se pôr em “bicos de pé” para ser visto por todo o mundo e a ter as regras e normas de vida que entendem. Perceberam que o futebol é uma boa montra, daí a aposta ter sido muito alta. Daí terem apostado forte nas estruturas, como apostaram na FIFA e nas pessoas que a serviam e decidiram a escolha do organizador, sabendo da sua fragilidade: recetividade à corrupção. E como dinheiro não era problema … 

O certo é que nenhum país impediu a sua seleção de participar, que se saiba nenhum jogador se recusou a estar presente por ser naquele país, os governantes apesar de mandarem uns bitaites, lá vão parar a título de dar força à sua seleção e as poucas manifestações são muito envergonhadas e discretas para não ser posto em causa o direito de jogar ou até assistir, coisa que ninguém quer. Esse ruído deveria ter sido muito forte e atempado sobre a FIFA e os representantes das Federações nacionais, os únicos responsáveis por o Mundial se estar a realizar ali. Porque os governantes do Qatar fizeram o seu papel. E quem não gostar de ir lá, que fique em casa, mas seguramente vai ver a seleção do seu país, ainda que pela televisão.

No entanto, o barulho provocado por milhares de vozes ao gritar golo e os cânticos dum estádio inteiro a incentivar a sua seleção abafarão o “ruído” fora de tempo à volta do país que acolhe o Mundial, calam as promessas de Marcelo em ir falar lá sobre direitos humanos, como nos farão esquecer “misérias” internas que nos deviam envergonhar.

Mas que não fiquem dúvidas: Eu sou dos que invejo e muito todos os cerca de 313.000 cidadãos do Qatar, porque gostaria de usufruir do mesmo privilégio que eles têm. Não, não é o facto de terem o Mundial em 8 estádios espetaculares, nem de poderem ver os jogos ao vivo. Só os invejo por serem dos poucos habitantes deste planeta que não têm de pagar impostos … 

O sucesso de uma sociedade: Educação

Tive de parar o carro perto da porta de entrada duma escola e dei comigo a observar o caos provocado pelo enorme movimento de carros, de pais e mães a recolherem os filhos para o regresso a casa. E pensei no quanto mudamos em relação à minha infância e de como somos agora tão diferentes dos japoneses onde os pais não levam os filhos à escola. São as crianças que começam desde os 6 anos de idade a ir sozinhas ou em grupo, quando muito acompanhadas por alunos mais adiantados. É assim que aprendem a ser responsáveis. Quando era criança também era a pé, sozinho ou na companhia dum vizinho que ia para a escola, em liberdade e com alguma responsabilidade.  

O sistema de educação japonês é reconhecido mundialmente e o povo é famoso pela sua inteligência, saúde, educação e bem-estar. Mas o que é que torna essa nação tão diferente do resto do mundo? Uma das razões está no sistema de ensino, que é diferente e interessante. Defendem eles que as crianças devem aprender boas maneiras antes de conhecimentos. Assim, a escola nos 3 primeiros anos não as julga pelos seus conhecimentos, mas procura incutir-lhes as boas maneiras e desenvolver-lhes o caráter, sendo ensinadas a respeitar as outras pessoas e ser gentis com os animais e a natureza. Aprendem ainda o que é a generosidade, coragem, justiça, compaixão, autocontrole e empatia. Para eles, de nada serve o conhecimento se um ser humano não cultiva a generosidade e os valores morais antes de tudo mais. Não me parece que estas sejam as preocupações principais do nosso ensino básico nos 3 primeiros anos, nem sequer nos anos seguintes. Mas que fazem muita falta às nossas crianças e futuros adultos, não restam dúvidas! E só não vemos se não quisermos …

No Japão, antes de começar o ano letivo cada estudante recebe um calendário escolar com todas as atividades e se algum professor faltar, a aula não será suspensa e não haverá “furo” pois qualquer aluno está capacitado para a dar graças ao facto de ter o programa consigo. Em quase todas as escolas não existe equipa de limpeza. No Japão e noutros países asiáticos. Desde muito pequenos, eles são ensinados a trabalhar em equipa e a ajudar-se mutuamente. É por isso que, tanto professores como alunos, têm a responsabilidade de limpar a escola. Sempre! E é assim que o tempo e esforço gastos nas tarefas de limpeza faz com que as crianças respeitem o seu trabalho e o dos outros. Ponho-me a imaginar o que diriam ou até o que fariam alguns “papás” cá do burgo ao saber que os seus adorados filhinhos faziam a limpeza da escola! Coitados dos professores. Se mesmo sem isso já “levam no focinho” de alguns pais imbecis e destravados …

A educação começa em casa. Os pais ensinam seus filhos e dão ênfase ao respeito pelas pessoas da terceira idade. Fazem-no principalmente para honrar a sua experiência e sua sabedoria. Nesta cultura, o valor familiar é fundamental. Eles valorizam a família sobre todas as coisas. O amor, a confiança e o carinho, devem permanecer entre as diversas gerações, desde os pais aos bisavós. Além dos assuntos tradicionais, os estudantes japoneses ainda aprendem caligrafia japonesa e poesia. As duas classes ensinam as crianças a respeitar a sua própria cultura e as tradições seculares. Pelo contrário, cá entre nós, a “malta” acha que as tradições são “coisas de velhos” e não interessam a ninguém!

Quase todas as escolas japonesas exigem que os seus alunos usem uniforme, com o objetivo de eliminar barreiras sociais entre eles e promover um sentido de comunidade entre estudantes. E é curiosa a taxa de presença escolar: 99,9%!!! É que os estudantes japoneses não costumam faltar às aulas. Quem mais se pode orgulhar disso? Já para não falar na quase nula taxa de analfabetismo …

Quanto aos professores, são as pessoas mais respeitadas e admiradas da sociedade e por isso chamados de “senseis” (mestres), pois além de terem a responsabilidade de passar seus conhecimentos às novas gerações, têm ainda a difícil tarefa de ajudar a formar o caráter dos jovens. O governo assume que são de importância crucial e por isso capacita-os regularmente e paga-lhes excelentes salários. Diz-se até que são os únicos que não têm de fazer vénia ao imperador. Ora, se virmos bem, cá em Portugal os professores estão “muito melhor” que os seus congéneres japoneses. Ó se estão! O estado pede-lhes sempre muito, mas dá-lhes sempre pouco e assim fica equilibrado. Os pais dos alunos de vez em quando presenteiam-nos com alguns “mimos” com que eles não contam, mas que deviam estar à espera. Os alunos, sempre que chamados à atenção, prometem-lhes a “atenção” dos “papás”! Quanto à sociedade em geral, preocupa-se mais quando falta o picheleiro ou o eletricista (com todo o respeito que eles merecem)!

Por tudo isto podemos perceber porque é que o Japão, apesar de não ser um país com a dimensão da Rússia ou do Brasil, apesar de ter no seu território mais de 200 vulcões com 100 deles ativos, apesar de ter saído da Segunda Guerra Mundial derrotado e devastado com a sua economia no fundo, tem hoje um PIB (Produto Interno Bruto) que é 20 vezes maior que o nosso e que faz dele a terceira maior economia mundial, somente atrás dos Estados Unidos e da China. E tudo se deve à grande aposta que este país fez na educação, a causa principal do seu sucesso e do milagre económico.   

A grande lição que o Japão nos dá é de que devemos começar sempre pela educação. É a base fundamental de qualquer sociedade e um dos seus grandes pilares. Assim o entenderam e puseram em prática os japoneses com o sucesso que lhes é reconhecido. Talvez devêssemos meditar sobre os seus méritos e, quiçá, aprender com eles, a começar por essa coisa de se ensinar “boas maneiras” às nossas crianças além de valores morais antes mesmo das ciências e da matemática, para no futuro termos uma sociedade de “boas pessoas”, cidadãos educados, responsáveis e solidários, se é que achamos que isso pode interessar ao nosso futuro comum …

A lei do “menor esforço” e a fatura que aí vem …

Os investigadores justificam a existência da “lei do menor esforço” através das orientações que o nosso cérebro dá ao organismo para economizar energia, isto é, atividade física. E na realidade, a vida dos seres humanos foi sendo feita no sentido de reduzir o esforço físico em todos os trabalhos fazendo-se substituir pelas máquinas. Assisti a esse “filme” desde a minha infância, num tempo em que a maioria das profissões exigia das pessoas muito esforço, sacrifício e sofrimento. 

Há setenta anos atrás não existiam máquinas e todo o trabalho era manual. Quando muito, tendo o auxílio de algum animal, como o boi e o cavalo. O braço e a sua força eram o motor, se bem que todo o corpo era esforçado, em muitos casos ao máximo. Para se ter uma noção do que isso significava basta dizer que o adubo era embalado em sacos de … 100 kgs, transportado por via-férrea em vagões carregados de sacos até ao teto e descarregados do vagão para o armazém, às vezes a dezenas de metros de distância, às costas de meia dúzia de homens, carregando cada um o seu saco, um atrás do outro até o vagão ficar vazio. E havia épocas em que era saco a seguir a saco e vagão a seguir a vagão. E o que acontecia com o adubo acontecia com muitos outros produtos embalados em sacos de 100 quilos …

Os pedreiros construíam as casas com grandes pedras de granito a pesar centenas de quilos cada, fazendo-as subir aos trambolhões sobre vigas de madeira à força de braço até ao seu lugar em cima da parede. Só quando esta chegava à altura dum homem se utilizava a engenhoca rudimentar feita com um sarilho e dois eucaliptos em V invertido com uma roldana no vértice para levar as pedras ao cimo da parede em construção.

Ora, o trabalho era duro e sujo, tanto para o carregador, como para o pedreiro, lavrador, carpinteiro, ferreiro ou jornaleiro. Ainda tenho viva a imagem do senhor Moura, jornaleiro de profissão, a “saibrar” uma mata. Cavou o terreno todo com um metro de profundidade e, enquanto cavava, ia enterrando mato para o aligeirar e enriquecer de matéria orgânica. Eram vidas suadas, esforçadas, sofridas, apesar de mal alimentadas.

Mas o engenho humano foi capaz de criar todo o tipo de mecanismos para o aliviar das tarefas pesadas, pelo que hoje já (quase) ninguém carrega grandes pesos, a não ser no ginásio. O senhor Ricardo chegou no furgão, estacionou e tirou a botija de oxigénio que colocou num carrinho de transporte apropriado. Com toda a facilidade levou-a até casa e só demorou o necessário para trocar as botijas, regressando com a vazia também colocada no carrinho. Quando lhe perguntei se era fácil, respondeu: “Hoje isto é um luxo. Mas já trabalho há muitos anos na empresa e no princípio às vezes era muito duro. Tinha um cliente que vivia no 12º. andar, mas os elevadores não funcionavam porque lhe roubaram os cabos. Eu tinha de carregar a botija às costas pelas escadas, para cima e para baixo. Era duro”. Já o António saiu do camião, agarrou num comando e fez baixar uma plataforma traseira para onde se passou voltando a fazê-la subir ao nível da carga. E aí, com um porta-paletes manual, passou duas cargas para a plataforma que fez baixar com o comando até ao chão sem qualquer esforço. 

Apesar das décadas de evolução em que o espírito inventivo do ser humano e a necessidade e vontade de fazer mais em menos tempo fizeram com que surgissem as máquinas e acessórios mais diversos para ajudar o homem nas suas tarefas, quando não a substituí-lo, de já quase nada se carregar às costas, mas em mecanismos diversos e de uma máquina rasgar mais metros de estrada numa hora que um batalhão de homens escavava num dia, de se reduzir o peso de quase todas as embalagens (os sacos de adubo passaram de 100 quilos para 50 e depois para 20, havendo já embalagens de 10, de 5 e 1 quilo), a verdade é que algumas profissões continuam a ser de trabalho braçal e sujo, um estigma que afasta os jovens de hoje. É verdade que essas ninguém quer. Pelo facto de se ter o 12º ano, que mais não é que a antiga quarta classe, e sem experiência profissional, já se exige “um emprego limpinho”, algo como serviços administrativos, trabalho de receção, fiel de armazém. Enfim, uma rejeição liminar de empregos que exijam um pouco mais de esforço físico e não seja necessário ter de “pôr as mãos na massa”. Daí ser um drama e uma impossibilidade, conseguir um jovem para trabalhar na construção civil, seja pedreiro, trolha, serralheiro, carpinteiro ou outra do gênero. Um empresário da construção dizia que já não tem um “moço de massa” há mais de vinte anos e o dono de uma serralharia, que já lá vão oito anos sem que lhe entre porta dentro alguém que queira ser aprendiz.

É uma atividade onde a falta de mão de obra só poderá ser resolvida com a entrada de emigrantes e onde os valores salariais dum artista podem ultrapassar os de muitos licenciados. E ao dizer isto recordo a conversa que há mais de trinta anos tive com um grupo de franceses. Já nessa altura em França ganhava mais um operário da construção do que uma grande parte das pessoas licenciadas pois os franceses só queriam os “empregos limpinhos”, rejeitando as profissões “braçais” tidas por “menores”. Essas ficavam para os emigrantes. E muitos anos volvidos, aqui estamos nós na mesma situação. 

Na Costa Rica, onde a riqueza produzida por habitante é metade da nossa, esse tipo de empregos é sempre ocupado por emigrantes, no caso principalmente oriundos da Nicarágua, porque os cidadãos da Costa Rica se recusam a desempenhar tais funções. E o mesmo se passa em muitos outros países. Isto traz-me à memória uma frase de um cínico: “Nunca faças o trabalho que podes mandar alguém fazer por ti”. É assim que hoje nos vemos a braços com o problema de falta de mão de obra nessas profissões, alegadamente porque os jovens as rejeitam (muitos nem sequer querem ouvir falar nessa “coisa” a que chamam “trabalhar” …), pelo estigma e porque não, já para não falar da “sociedade de dependentes do estado” que os (des)governos vão aumentando constantemente e que não tarda muito a ser maior do que a daqueles que criam riqueza … e trabalham.

Shoichiro Toyota, que durante anos presidiu à Toyota, justificava o declínio do ocidente da seguinte forma: “Uma sociedade que mede o seu bem-estar por aquilo que não faz, pelo tempo de lazer que tem, está condenada ao fracasso”. Será só filosofia oriental ou nós vamos mesmo ter de pagar essa fatura pesada um dia destes?  

Chorar quem parte ou celebrar a vida

Num cemitério da Lituânia um homem para diante de uma sepultura e chora convulsivamente durante alguns instantes. Depois recompõe-se, vai um pouco mais adiante e detém-se frente a outra sepultura e entoa cânticos em honra da pessoa ali enterrada. E, passando de uma a outra, vai visitando mais algumas até se retirar na companhia da mulher que o espera e conforta. É o “visitador de campas” contratado por descendentes dos falecidos e pago para chorar ou cantar certo número de vezes por ano, conforme os seus desejos. Os mortos não são da sua família e muitos deles nem os conheceu. Diante daqueles em que tem de chorar, torna-se mais difícil pois tem de se comover, pensando em momentos tristes que o emocionem para que o choro e as lágrimas corram naturalmente. Já o faz há muitos anos, sendo um “trabalho” difícil para ele que é sensível e emotivo, embora tenha na mulher um apoio para superar a sua tristeza. O curioso da história é que alguns “contratantes” querem que chore diante da campa, mas outros desejam que cante. Quem estará certo? Diante de um túmulo devemos chorar ou cantar? Sem querer julgar tal costume cultural de chorar ou cantar, muito menos por interposta pessoa, penso que ambos têm razão. O choro ou a cantoria, a tristeza ou a alegria, são duas faces de uma mesma moeda: homenagear o morto.                                                                                                    O choro é o mais tradicional direito e expressão de luto. Sai-nos do interior quando sentido e faz parte dos rituais de separação e entrega dos entes queridos que partem. Mas a cantar também se chora, isto é, celebra a vida de quem parte como aquilo que foi mais importante e deve ser celebrado. Essas diferenças na despedida ao defunto são tão antagónicas de cultura para cultura, de país para país e até de região para região. Mas o que importa neste processo, é honrar a memória de quem nos deixa e consolar quem fica em sofrimento, cedendo-lhes o ombro para chorarem à vontade.                                                               No Brasil os funerais acontecem em 48 horas no máximo, reflexo de como o brasileiro encara a morte e na tentativa prática de encerrar o sofrimento o mais depressa possível. No México, o Dia dos Finados é uma das festas mais populares e alegres do mundo. É comemorado com muito entusiasmo, amor, música, comida e fantasias da tradição asteca e católica. O funeral na Rússia é uma manifestação alegre, com roupas coloridas, para honrar quem nos deixou e consolar quem fica. Na Irlanda, o velório ainda é melhor do que um casamento. A família convida os amigos para o pub (bar) preferido do defunto, onde existe muita comida, cerveja e uísque, muitas histórias alegres, risos, alegria e música ao vivo, para festejar e rever as boas memórias do falecido. Nos enterros tradicionais em Nova Orleães, nos Estados Unidos, uma banda acompanha o cortejo fúnebre e, da casa do morto ao cemitério, toca música jazz, triste e dolorosa, com a multidão de rosto sério e ar carregado. Porém, mal o caixão esteja debaixo de terra, a banda passa a tocar música animada, a festa inicia-se e não tem hora para acabar, com todo o mundo a dançar, a comer e beber. O funeral começa com as pessoas a chorar, manifestando tristeza por quem morre e termina com risadas e grande alegria, canto, bebida e festa, em celebração e homenagem à vida do defunto na sua passagem por este mundo.                                                                                                         Em Portugal a tradição ainda é o que era e choramos, embora sejam bem conhecidas as frases: “o choro é uma expressão de fraqueza”, “o choro é a arma dos fracos” e, numa variante um tanto machista, dizer: “homem que é homem não chora”. Porque o choro, apesar de ser um fenômeno físico-biológico em que o corpo, ou melhor ainda, os olhos, derramam lágrimas, também é a forma de exteriorizar as emoções, os estados de alma e sentimentos. É um facto que o ser humano chora.                                      Entre nós já não existem as carpideiras, mulheres vestidas de negro, completamente, e estranhas ao morto, contratadas para chorar nos velórios e enterros alheios, com a intenção de aumentar a emoção no funeral e a popularidade desse defunto, embora ainda continuem a existir nalgumas zonas do Brasil, Itália, Grécia e até na China. Ainda assisti a esse ritual de choro histérico e encomendado que me ficou gravado na memória pelo choque e medo que apanhei porque era eu uma criança muito pequena quando o ouvi pela primeira vez. Mas, e apesar disso, tanto no velório como no funeral, ainda é no choro que encontramos a melhor forma de comunicar o sentimento de perda e dor, embora num ambiente menos pesado que outrora. O chorar como expressão do luto, como forma de trabalhar a perda dos entes queridos e aliviar a dor, faz parte do ritual das Exéquias e, mais ainda, é um direito. O choro é catártico, tem uma força curativa, é parte dos ritos de separação e de entrega dos nossos entes queridos que partem. Precisamos disso como parte do luto de cada um. Porém, para quem prefere formas alternativas de manifestar nas despedidas, as agências funerárias mais credenciadas já dispõem de um serviço de música tocada e cantada ao vivo, com temas que vão dos clássicos, ao gospel e litúrgicos, adequados à cerimónia e ao gosto de cada um.                                             Durante o confinamento por causa da pandemia, alguém desabafava: “Chorei muitas vezes na vida. Chorei quando levei algumas palmadas da minha mãe, mas o choro mais profundo e doloroso foi quando ela morreu sem ter a possibilidade de me despedir dela e estar presente no seu enterro. Embora tenha chorado muitas vezes e saiba chorar, já não sei como o fazer, porque a morte passou não apenas a ser vista, mas a incomodar, a apavorar, sem o direito de chorarmos os nossos mortos e cauterizar as feridas através dos ritos porque, o sofrimento e dor, podem ser uma ocasião que aproxima o ser humano de Deus”.                                                                                                                       A morte faz parte da vida, mas não fomos educados para isso. A nossa educação tem essa lacuna e a morte é-nos estranha até à hora em que chega. E então, irrompe a dor e as lágrimas porque é assim na nossa tradição de séculos. E não me parece que tão cedo adotemos o canto, a comida, a bebida e até a alegria para celebrar quem morre, pois lá bem no fundo estamos formatados no modo triste e choroso e não há volta a dar. Mas, como “a vida é feita de mudança” …