Somos bons a não cumprir regras …

Há uma coisa que faz parte do nosso ADN, da nossa maneira de ser, de estar na vida e viver em sociedade: Nós não gostamos de cumprir as regras. Porque o que tem piada é fazer precisamente o contrário do que deve ser feito. O “herói” (pensa ele) é aquele que não cumpre, que não “liga puto” às regras e normas e “está-se a borrifar”. 

Numa sociedade civilizada a ordem e a segurança predominam, por forma a que os cidadãos vivam de forma pacífica. Para tal, tiveram de abrir mão de certas liberdades proporcionando um equilíbrio entre a liberdade individual e a segurança coletiva, permitindo a introdução de regras que impedem um ambiente de caos e medo, regras que vão sendo moldadas de acordo com o progresso e transformação da sociedade. Mas, em função daquilo que vemos, é caso para perguntar: As regras são para cumprir, para “encaixilhar” ou “para inglês ver”? Porque é que os pais querem ir de carro até dentro d a sala de aula para “depositar” ou “levantar” os filhos, mas, como não conseguem, ficam em 1ª. fila, 2ª. fila e, se possível, em 3ª fila, em cima de passeios, rotundas, passadeiras, à frente de garagens e até em propriedades privadas, sem qualquer respeito pelas normas de civismo? 

Porque é que na rotunda em frente do hospital de Lousada é comum ver carros parados, fechados e sem ninguém dentro porque o dono foi ao Centro de Saúde e ali fica até que seja atendido, impedindo a passagem a quem quiser dar a volta completa à rotunda? 

Porque é que vemos tantas vezes na rua carros em segunda fila a bloquear o trânsito, com a desculpa de “é só um minutinho”?

Porque é que temos de escutar o barulho ensurdecedor de uma festa animada até às tantas da manhã no apartamento do lado, de cima ou de baixo ou na casa do vizinho em qualquer dia da semana e que não dá hipótese de dormir, nem a quem trabalha cedo no dia seguinte?

Porque é que temos de ver mobiliário urbano danificado, destruído ou “borrado de tinta”, seja em parques infantis, jardins públicos ou sinais de trânsito e tantos outros, com prejuízo de quem os usa e de toda a sociedade que tem de pagar os “custos dos artistas”?

Porque será que temos de ver estátuas destruídas, símbolos do país arrancados por vândalos que “têm o direito à ofensa”, mas não têm problemas em ofender?

Porque é que, apesar dos muitos contentores e ecopontos espalhados por aí, vemos tanto lixo espalhado no chão sem respeito nenhum?

E porque será que é muito frequente ver abrir-se o vidro de um carro em andamento para se lançar “beatas” acesas, com possibilidade de consequências trágicas, restos de comida e todo o tipo de lixo?

Para tudo isto há regras, normas e até leis, que estão mais ou menos bem feitas, mas não servem para “porra” nenhuma. Se não houver consequências sérias e efetivas, a maioria está-se a “borrifar” para elas. Dizemo-nos “civilizados”, mas só queremos liberdade para fazer o que quisermos ainda que seja não cumprir as regras. Não tenhamos dúvidas, nós estamos muito atentos quando “os outros” atrancam a nossa rua, nos impedem de passar e nos fazem esperar sem sequer pedir desculpa; despejam lixo à nossa porta; estacionam ou param e isso nos prejudica; borram ou estragam o nosso portão; mijam ou se aninham junto à nossa porta para “arrear o calhau”; ou se é o nosso vizinho que faz uma festa (sem nos convidar) e a música berra até às tantas da manhã tendo nós de ir trabalhar enquanto eles curam a ressaca da noitada. E nessas alturas nós sabemos muito bem dizer que está mal, que as autoridades deviam intervir, aplicar multas, etc., etc. Mas se formos nós a prevaricar, somos muito condescendentes connosco e até achamos que a regra podia cumprir-se ou não pois a “coisa” nem tinha grande importância …

Tal como cá, em Singapura há regras, normas e leis. Também não se pode atravessar a rua numa passadeira com o sinal vermelho. Nem mesmo às 4 horas da manhã sem trânsito nenhum. A essa hora, em Portugal alguém espera que mude para verde para poder atravessar? Ninguém. Lá, também ninguém … atravessa. Porque se atravessar com o sinal vermelho, vai passar uns dias de “férias na gaiola”. E se cuspir no chão ou atirar a beata à rua? Vai dentro. Já nem falo em respeitar aquilo que não lhe pertence. Duas pessoas minhas amigas foram jantar fora e uma quando chegou ao hotel apalpou os bolsos e viu que se esquecera da carteira e do telemóvel. Virou-se para o amigo e disse: “Deixei o telemóvel e a carteira no restaurante, mas não tem mal. Amanhã vou lá buscá-los”. E ao outro dia estava tudo lá. Se fosse em Portugal, com toda a certeza encontravam o lugar onde os deixaram. No entanto, lá não houve quem lhes tocasse porque sabem que são apanhados e que as consequências são muito sérias. 

A primeira vez que fui à Suíça foi à cerca de 40 anos, tendo ficado alojado duas noites no apartamento de um padre nosso conterrâneo. Éramos nove “clientes”, deitados de forma improvisada no chão do apartamento. Nas duas noites, antes das 22 horas, teve o cuidado de nos pedir para, a partir dessa hora, não fazermos barulho nenhum. Dizia ele, “nem sequer deixar cair um lápis ao chão”, pois, se tal acontecesse, não demorava muito a ter a polícia à porta. É a regra, para as pessoas poderem descansar, pois, ao outro dia têm de se levantar cedo para ir trabalhar. A exigência de não fazer barulho a partir dessa hora é tal que a lei impõe que “os homens não podem urinar de pé a partir das 22 horas”, o que já acontece em mais alguns países. Em alguns, pode-se até tirar licença para prolongar a festa. Só até às 23 horas. Dizia-me um emigrante que, quando chegou às 23 h, continuou. Dois minutos depois tinha a polícia à porta. São as regras. Tudo envolve regras para vivermos numa sociedade civilizada e têm de ser cumpridas ou isto torna-se uma selva. Seja a conduzir, dispor de equipamentos públicos, viver em condomínio, trabalhar, passear e educar o cão, contribuir para a limpeza em todos os lados, respeitar as filas, saber viver em comunidade. Não as cumprir, contribui para a perda da nossa qualidade de vida e se o tentarmos impedir, podemos ser insultados, ameaçados ou intimidados. Uns dirão que é culpa da Justiça, outros da Polícia e outros ainda dos políticos. É fatalidade e temos de a aceitar, encolher os ombros e esperar que passe? Dizemos que é falta de civismo, o cimento de uma sociedade, atribuindo-a aos políticos e suas políticas. Mas a falta de civismo e educação é culpa nossa, dos pais e os maus exemplos são tantos que não cabem nesta crónica e são a escola onde os filhos aprendem a fazer o mesmo …

Insistir no “porreirismo nacional” onde se pode cumprir ou não as regras porque isso é que é “porreiro” e agrada aos jovens, numa falta de civismo crónica do país e que se vem agravando graças à falta de educação para o civismo, vai conduzir-nos a um de dois cenários: Ou somos capazes como pais de reverter a situação cívica do país ou um dia destes vem-se pedir um estado policial tipo Singapura, onde o incumprimento das regras não se coloca porque “a besta” que há em cada um de nós é eliminada de forma drástica. E aí, já se cumprem as regras todas …