Vender um mono como artigo de luxo …

Há dias em que agarramos no comando da televisão e, por mais que mudemos de canal, nada acontece, não aparece um programa de jeito ou melhor, jeitoso. E, carregando no botão e passando de canal em canal, sem saber como nem porquê, fui cair num debate com todos os líderes dos partidos concorrentes às eleições do dia 10, com assento na Assembleia da República. E pensei cá para comigo: “Já agora, pode ser que fiques esclarecido e até aprendas alguma coisa”. Recostei-me no sofá com a cadela ao meu lado para o caso de me quererem atacar e pus o som mais alto para não perder pitada do que aqueles futuros responsáveis pelo meu futuro tinham para me dizer ou “vender”.   

Como sou muito crédulo, ainda pensei que iria assistir a um debate insosso e sem graça, com cada um dos candidatos a explicar as suas propostas e do seu partido para resolver os problemas da saúde e do SNS, que solução traziam no bolso para arranjar algumas centenas de milhares de habitações de um dia para o outro, a preços baixos e nas grandes cidades, que ideia luminosa tinham nas suas cabecinhas para que houvesse justiça igual para todos, qual a magia que traziam no bolso para elevar o padrão de qualidade do nosso ensino, o que iam fazer para calar os polícias, guardas prisionais, professores, forças armadas, bombeiros, médicos, enfermeiros, técnicos de exames de diagnóstico e mais não sei quantos profissionais que têm passado os últimos tempos a pregar no deserto, enquanto nos deixam à porta dos hospitais, escolas, tribunais e de tantas outras instituições do estado. Mas eu estava muito enganado porque a conversa não me deixou dormir. O debate animou até porque a cada pergunta vinha uma resposta que não era uma resposta, mas sim uma coisa que se queria dizer sobre aquilo que o outro disse, fez ou não fez. Melhor ainda, para animar o debate, interrompiam-se uns aos outros e esse excelente apresentador que é o Carlos Daniel viu-se e desejou-se para meter na ordem aquele “bando de crianças malcomportadas” que, na escola, levariam dois açoites (antigamente, pois agora é a professora que leva). Até admito que um ou dois dos intervenientes eram mais “certinhos” e conseguiram, numa ou outra ocasião, dizer aquilo que se propunham fazer numa ou duas matérias, se bem que nos fica a dúvida se não passava de “olha para o que eu digo pois não é o que eu faço”.

O primeiro e único protagonista foi o ativista da Climáximo quando entrou pelo palco dentro a pregar a sua mensagem e interrompeu o debate por breves instantes. Mas, coitado do rapaz, ninguém lhe deu grande importância, talvez à espera de que algum outro protagonista sobressaísse naquela noite, o que não veio a acontecer para minha grande desilusão. E eu nem sabia que estava iludido … 

Com aqueles “piropos” que os “jogadores” trocavam entre si, o tempo de jogo útil foi pouco e acho que o Carlos Daniel, como “árbitro” desse jogo, devia ter dado mais algum tempo suplementar para compensar, pois assim “foram beneficiados os infratores”. Mas, pensando bem, seria prolongar um “jogo” em que os protagonistas se estavam a “arrastar” sem “dar uma para a caixa”. Assim, o “árbitro” decidiu bem em acabar com o sofrimento do nosso “castigo” …

Tal como algumas anedotas ligeiras, os debates são mais ou menos previsíveis e não alteram significativamente nem os argumentos dos protagonistas, nem a nossa visão sobre a realidade, mas, ao contrário das anedotas, estes debates não nos fazem sorrir e até nos deixam maldispostos. É certo que a população está cansada de promessas falsas, de palavras vazias e de ser enganada. Prometeram-lhe um médico de família para todos os portugueses e aumentou o número de pessoas sem médico. Prometeram melhorar os salários e saiu-lhes uma inflação alta. Prometeram-lhes um ensino de qualidade e é o que é. Prometeram-lhes recuperar as listas de espera para cirurgias e o raio das listas não param de crescer. Aqui, acho que o problema é dos portugueses estarem a adoecer mais e por isso a culpa é deles. E até nos prometeram que o Infarmed vinha para o Porto como bandeira da descentralização e o Porto vê o Infarmed por um canudo.

As eleições trazem esperança, mas não tarda a frustração. O eleitor está cada vez mais farto dos políticos, consolidando a ideia de que os políticos são todos iguais, pois prometem e não cumprem. Na eleição seguinte, aparecem novamente feitos anjos como se tivessem sido lavados por dentro e por fora e que é desta vez que vão fazer “o que ainda não foi feito” (por eles). E isso faz-me lembrar uma frase que alguns atribuem a Einstein: “Insanidade é continuar a fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Com a pandemia, diz-se que “o que é ruim ficou pior”. Não sei se esse slogan se refere ao estado do país, à vida dos portugueses ou aos candidatos requentados, mas o povo lá tem as suas razões. Deveria haver uma lei a obrigar os políticos a cumprir o que prometem ou então seriam “irradiados” como jogadores indisciplinados, que não cumprem as regras. Assim, não voltariam a tentar enganar e serviam de exemplo. 

Mas parece que a coisa funciona ao contrário e os que mais prometem (e que não cumprem) são precisamente os que mais “vendem”, o que não é de admirar neste tempo em que o marketing e a publicidade conseguem “vender qualquer mono como artigo de luxo”. E o curioso é que há sempre quem compre …