Por tudo aquilo que tenho lido, visto e ouvido nos últimos tempos, não somos mesmo dignos nem sequer merecedores de uma legião de homens (e mulheres) que nos precederam e realizaram a fabulosa saga dos Descobrimentos. Quanto mais conheço os seus feitos e a sua tenacidade, mais assombrado fico, por um lado, pela dimensão global e mundial da epopeia que abriu portas à primeira globalização e, por outro, pela nossa ignorância, falta de orgulho, esquecimento e querer apagar ou reescrever a história e nos tivéssemos até de envergonhar pelo que alcançaram. Como é possível?
Os Descobrimentos, goste-se ou não, foi um dos períodos mais ricos da História de Portugal, com feitos gloriosos de que nos deveríamos sentir muitíssimo honrados, embora os maldizentes cá da praça queiram reduzir os Descobrimentos à escravatura e fazer tábua rasa de tudo o resto. E é absurdo querer julgar o Passado de há 500 anos ou de outra ápoca qualquer à luz das nossas conceções morais e políticas do século em que vivemos. Mas, infelizmente, muitos governantes e outros políticos, para não perderem votos ou “não fazer ondas”, deixam-se manipular e dão ouvidos a certas ideias aberrantes de grupos pequenos das redes sociais, a maioria assentes em modas ou na ideia do “politicamente correto”, levando à sua implementação. E quem, senão governos fracos, tem alinhado na desvalorização e, pior, quase condenação, dos Descobrimentos? São os novos “moralizadores”, os vigilantes da nova censura da sociedade, que querem transformar heróis em bandidos, armadas em gangues, guerreiros em criminosos. E não é que lhe vão dando ouvidos e vão fazendo o que tais minorias querem? O mais perigoso ainda é a vontade de reescrever a História, destruir e apagar a memória do passado. Dizia Deana Barroqueiro que “é o maior absurdo e o maior desastre para a civilização, porque sem o conhecimento do nosso Passado coletivo, do bom e do mau que se fez ao longo de milénios, teremos um presente sem memória” …
Tive a oportunidade de visitar Mascate, a capital do Sultanato de Omã à entrada do Golfo de Omã, onde os portugueses se implantaram e dominaram durante mais de cem anos e fiquei impressionado com as estruturas defensivas do porto construídas há mais de 400 anos e que ainda hoje permanecem de pé, bem conservadas e aproveitadas pelos governantes do Sultanato, constando de 2 fortalezas, uma cerca abaluartada, fortins e pequenas torres de vigia espalhadas nos picos dos montes mais altos ao redor do porto. Era assim que no século XVI um vasto conjunto de muralhas e baluartes adaptados àquele terreno montanhoso, defendia a povoação e o seu porto. Lá, a milhares de quilómetros da sua terra natal, como em muitos outros pontos do mundo, essas gerações de verdadeiros heróis levaram a cabo imensas construções fabulosas que ficaram ali para perpetuar a memória dos seus construtores, tantos portugueses e heróis anónimos que ali são lembrados, mas esquecidos e ignorados na sua terra.
Joias como a Cidade Velha de Santiago, em Cabo Verde, A Fortaleza de Diu, na India, a Fortaleza de Mazagão, em Marrocos, A Igreja do Bom Jesus, na India, a Igreja e Convento de S. Francisco, no Brasil, a Igreja de S. Paulo, em Macau (China) e a Catedral de Goa, na India, são algumas das numerosíssimas obras espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Só Fortalezas são 800, mas há todo o tipo de construções a marcar o rasto dos nossos antepassados. É que a alma desses portugueses foi tão grande, que não coube na Europa e transbordou e abraçou todo o planeta, muito para além das ex-colónias, tendo chegado a lugares lá bem distantes como a Tanzânia, Irão, Bahrain, Malásia, Quénia, India, Uruguai, Gana, China e muitos, muitos outros.
Seremos capazes de imaginar esses portugueses na sua maioria gente anónima e pobre à procura de um futuro melhor, a lançar-se numa aventura por mares desconhecidos que julgavam cheios de monstros e precipícios capazes de engolir barcos ou de sereias que os levariam à loucura ou morte? Das semanas a fio de falta de vento que fizesse avançar as caravelas e as imobilizasse enquanto apodreciam a água e os mantimentos? Das doenças para as quais não havia remédios e dos naufrágios em que os sobreviventes eram lançados nas praias de terras desconhecidas para morrer de fome ou às mãos dos indígenas?
Os Descobrimentos levaram o conhecimento do Ocidente ao Oriente e vice-versa provocando uma espantosa revolução, progresso e transformação do mundo. Nesse tempo, Portugal estava à frente de todas as nações europeias, com conhecimentos não teóricos, mas de experiências feitos. Tínhamos os melhores cientistas – geógrafos, astrónomos, cartógrafos, biólogos, físicos (médicos), boticários (farmacêuticos), engenheiros, inventores, construtores de navios e historiadores entre outros. Desfizeram-se mitos, superstições e ignorância com base nas provas dadas pela descoberta de terras e povos desconhecidos. Pela nova configuração dos continentes, os nossos navegadores desenharam, milha a milha, as cartas de marear, que espiões estrangeiros procuravam conseguir a todos o custo.
Com os Descobrimentos levados a bom porto por milhares de cidadãos anónimos, Portugal elevou-se ao topo da Europa. Pelo contrário e numa linguagem náutica, hoje “estamos a muitas milhas” dos outros países europeus e não há “bússola” que guie e trace a “rota” para “uma via” de recuperação, crescimento e riqueza. Por isso, vale a pena pensar realmente em que heróis nos podemos rever e orgulhar, sem medo, sem fantasmas, receio da má-língua ou do “politicamente correto” …