Que raio de mundo é este?

Vivemos numa época muito estranha. Apesar de termos mais saúde, mais riqueza e mais liberdade do que em qualquer outra época da história deste planeta, tudo nos parece terrivelmente “lixado”. É o aquecimento global, são as economias em colapso, é a concentração da riqueza com os ricos a serem cada vez mais ricos e os pobres mais pobres, são as guerras e é toda essa enorme legião de ofendidos e até exaltados a pregar nas redes sociais. Temos acesso a tecnologias e a diversas formas de comunicar que os nossos avós nunca imaginariam possíveis, mas mesmo assim sentimo-nos sozinhos e basta olhar para o elevadíssimo número de idosos condenados à solidão. Afinal o que é que se passa?                                                                                    Somos doidos e cegos a caminhar para o abismo? O certo é que, no meio de um enorme progresso e quando todas as coisas estão melhor do que nunca ao nível científico, tecnológico e compreensão dos seres humanos e da natureza, andamos sob stress permanente, sempre a correr porque o tempo não chega para tudo, cada vez mais atarefados com a profissão, a carreira e o sucesso pessoal, com tempo para passar horas diante de um pequeno ecrã, mas sem tempo para viver, para interagir com os outros a começar na própria família. Somos praticamente o oposto de outras épocas, vivendo com pressa e sem espaço. Porque, apesar dos tempos terem evoluído e de sermos uma geração com o futuro na mão, regredimos na política do viver. O tempo “passa a correr” com a pressa de viver, do trabalho, dos compromissos e não desfrutamos da vida, essa coisa que nos foi concedida. Ao contrário das populações rurais, não temos tempo nem espaço nas cidades, não interagimos com o vizinho seja o do fundo da rua ou da frente da nossa porta que às vezes nem sequer chegamos a conhecer. Com a mente entupida de preocupações, não temos tempo nem disposição para apreciar a luz do sol, o sorriso das crianças, o problema do nosso semelhante. O tempo passa e o espaço escasseia. No entanto, só nós temos o poder de “abrandar” o tempo e viver sem pressas. Estamos a correr para onde?

O progresso científico é extraordinário, de tal forma que nem temos tempo para valorizar cada descoberta, cada evolução tecnológica, cada nova forma de nos prolongar a vida. Mas, ao mesmo tempo, temos um grave problema social que tende a agravar-se. Somos o país mais envelhecido da Europa onde os idosos são tidos como um peso morto na sociedade porque já não produzem, votados ao abandono, por vezes agredidos, esquecidos e violentados. Enfim, um artigo descartável, que só é valorizado nas vésperas das eleições porque o seu voto vale tanto como o de qualquer outro palerma, mas depressa são esquecidos, enganados com promessas mirabolantes que não passam senão de … promessas. E cá estamos nós em tempo de eleições, em tempo de promessas… por mais uns dias. Depois, vem o raio do esquecimento, crónico nos políticos …

Somos um animal social que precisa de interagir com os outros para ser feliz. É isso que nos leva à empatia, compreensão, generosidade e solidariedade para com as outras pessoas. No entanto, tornou-se já comum observar uma completa indiferença e falta de empatia. Dos quatro cantos do mundo chegam imensas notícias de guerras e catástrofes naturais, de massacres, pandemias e das piores doenças sociais, que os jornais e televisões exploram até ao tutano, porque “só se vende o que choca”. E como as notícias “graves” e “tristes” são tantas e repetidas até à exaustão, a nossa mente vai-se habituando até ficar indiferente ao sofrimento alheio. É assim que nos tornamos indiferentes aos outros seres humanos porque estão lá longe e não passam de figurantes anónimos no ecrã da televisão. E refugiamo-nos nos casulos de nossas casas, confortados pela sensação de impotência e indiferentes, reclamando pelo almoço “estar assim ou assado”. E com a cabeça na almofada, sonhamos ser mais e ter mais …

O Homem está a tornar-se um ótimo trabalhador, mas um péssimo ser humano. Vivemos uma época em que já não somos comunidade e em que a vida é um “salve-se quem puder”. As crianças num instante são adultas e velhos e doentes e dependentes, com o sentimento do tempo perdido. Tantas vezes perdemos tempos importantes como o crescer dos filhos, a experiência dos mais velhos, a sabedoria dos avós. E já não sabemos viver, mas sobreviver. 

Os governantes concordam em salvar o planeta, mas não agem. Em construir a paz, mas fazem as guerras. Em eliminar a pobreza, mas aumentam o número de pobres. Em combater a corrupção e o tráfico de influências, mas praticam-nos. O espaço encolhe porque somos mais e sobra mais lixo, poluição, fome, falta de água potável e todos os recursos naturais. E o pior é que estamos a ficar sem opções tais são os estragos, sem tempo para salvar o planeta. Mas caminhamos alegres e felizes, como os bois para o matadouro. 

Somos consumidores e consumidos pelas redes sociais, apostamos nas relações virtuais sem o toque, o cheiro, o olhar e a sedução, e as relações são uma mera questão de conveniência. Tal como qualquer embalagem, artigo ou utensílio, também as pessoas são descartáveis. Por serem velhas, por serem deficientes, por serem dependentes, por ser o parceiro ou conjugue que já não queremos ou por não receber os “likes” do “amigo” virtual cujo descartar fica à distância de um “clik.

Há mais pessoas stressadas, cada vez mais gente a queixar-se de dores de cabeça, dores nas costas e de cansaço. Com a televisão, os telemóveis e os computadores, as pessoas esqueceram-se do “mundo lá fora” e ficaram “presas” em casa, aos ecrãs minúsculos. E até as crianças, pois já não as vemos a brincar na rua, por ser a forma de as manter quietas e caladas. E de não chatearem. Mas, pelas frases feitas nas redes sociais, toda a gente é maravilhosa, feliz e tem uma vida fantástica. Então, porque vivemos num mundo de m…? Essa ilusão ajuda as pessoas a sobreviver, mas lá bem no fundo, não vivem.

Apesar de toda a evolução tecnológica, esta época é realmente muito estranha. Resta-nos ao menos a esperança, mas temos de acordar do pesadelo e assumir o nosso futuro …