As perguntas perante a dor são sempre muito mais fortes do que a nossa capacidade para lhe dar uma resposta adequada: “Porquê a mim”? “Que mal fiz eu a Deus para merecer isto”? “Porque é que o mal só acontece aos bons”? Estas e outras continuam a ser sempre as perguntas que fazemos quando somos apanhados pelo sofrimento de uma perda, acidente ou o que quer que seja e não temos mais nada para dizer. E quem nunca o fez? As perguntas dolorosas saem-nos da boca como uma prece que não será atendida, esperando a resposta que não virá. Saem-nos da alma quando a vida para de repente, sem aviso, sem justificação, quando tudo em nós fica suspenso. “Porquê a mim”? “O que fiz de errado”? “O que fiz ou fizemos para merecer a doença, a tragédia que ninguém previa, a perda e o luto, o adeus para sempre”? Nada.
Quase sempre não se fez nada nem foi por merecimento. Aconteceu simplesmente, como acontece todos os dias com milhões de pessoas que não conhecemos. Mas se acontece com elas, porque não pode acontecer connosco? Porque sim. Mas esse “porque sim” não nos chega para aplacar a dor que não podíamos adivinhar, nem prever. Nem sequer evitar ou fugir. De repente estamos confrontados com algo que não queríamos que acontecesse. Mas temos de aguentar ao ser postos à prova. E só depois do choque, sofrimento e choro, a vida nos ensina que não vale a pena fazer tais perguntas porque não têm resposta. Resta-nos aceitar e percorrer o caminho carregando a cruz que ninguém pode carregar por nós, de sublimar a tristeza e a mágoa com o renovar da união com aqueles que partilham connosco o mesmo problema e a mesma dor, porque a dor aproxima mais do que a alegria. Até podemos não merecer nada do que nos acontece e atormenta, mas temos de ser dignos do que vem depois sem esperar respostas ao “porquê a mim?”, mas procurar e encontrar a força nos que ficaram connosco nos escombros da nossa dor.
O americano Arthur Ashe tornou-se um tenista famoso ao vencer 18 títulos nos principais torneios mundiais de ténis como o Us Open, Roland Garros, Open da Austrália e Wimbledon, passando a ser um ídolo para milhões de fãs. Viria a ter problemas cardíacos e, depois de duas cirurgias ao coração, o tenista estava a morrer com HIV (SIDA), que nessa altura era fatal. Fora contaminado com o sangue de uma transfusão que lhe fizeram durante a segunda cirurgia. O seu drama gerou uma enorme consternação entre os seus fãs, de quem recebeu numerosas cartas de apoio e incentivo. Mas houve uma a chamar-lhe atenção especial pela pergunta que lhe colocava: “Porque é que Deus o escolheu para ter uma doença tão terrível”?
A resposta de Arthur Ashe é uma lição de vida excecional. Disse ele:
“Há alguns anos, cerca de 50 milhões de crianças começaram a jogar ténis. Eu era uma dessas crianças. Dessas, cinco milhões aprenderam realmente a jogar ténis e quinhentas mil delas tornaram-se tenistas profissionais. Porém, só cinquenta mil chegaram a jogar no circuito mundial, tendo cinco mil logrado jogar no Grand Slam (os 4 eventos anuais mais importantes do ténis). Mas das 5 mil, só 50 conseguiram entrar no torneio de Wimbledon (Reino Unido) e houve quatro que alcançaram as meias-finais.
Dessas, duas apuraram-se e vieram a disputar a final. Uma delas era eu. E a verdade é que, quando eu estava a comemorar a vitória com a taça na mão, nunca me ocorreu perguntar a Deus: “Porquê eu”? Então, agora que estou com dores, como posso perguntar a Deus, “Porquê eu”? A felicidade mantém-te doce e as provações mantêm-te forte! A dor mantém-te humano e a falha mantém-te humilde! O sucesso mantém-te brilhante, mas só a fé te mantém de pé”, terminou ele”!
Há ocasiões em que até podemos não estar satisfeitos com a nossa vida, enquanto muitas pessoas neste mundo sonham por poder ter a nossa vida. Quando uma criança a viver numa quinta vê um avião que voa, sonha voar. Mas o piloto do avião que voa sobre a quinta, sonha em voltar para casa. Se a riqueza é o segredo da felicidade, os ricos deveriam estar a dançar nas ruas. Mas só as crianças pobres fazem isso. Se o poder garante segurança, os VIPs deveriam andar sem guarda-costas. Mas apenas os simples têm essa liberdade. Se a beleza e a fama atraem ideais, as celebridades deveriam ter os casamentos melhores, mais felizes e duradouros. Mas não é isso que acontece!
Diz-se que, depois da dor vem a paz e depois do chão vem o céu. Que depois da queda vem a força para nos levantar e depois das lágrimas a luz do sol. Que depois das pedras vem o caminho melhor e depois da subida íngreme vem a descida para podermos voar!
Esta história real de um homem que atingiu o topo e, por um acaso infeliz contraiu uma doença mortal, deve servir-nos de exemplo para quando somos confrontados com as doenças, os acidentes e até a morte, avaliar se tem algum cabimento a pergunta “Porquê Eu?”.
E não posso deixar de relembrar aqui a história do Paulo que, afetado por um cancro terminal e já acamado entre o hospital e casa, nunca perguntou “Porquê a mim?”, mas fez a aceitação e chamou os seus inimigos para se reconciliar, pedir perdão e que não guardassem rancor.
A vida é uma aventura louca da qual nunca sairemos vivos. Por isso, quando chega a nossa vez – e não há idades nem tempo para tal – e a desgraça nos bate à porta, será que vale a pena ficar agarrado ao “Porquê Eu”, como se tivéssemos o privilégio especial de poder “passar entre a chuva sem nos molharmos?