O lado bom de envelhecer …

Ao que parece, ninguém quer envelhecer, ficar velho. Ver crescer as peles e os pelos mais do que o habitual e encolher e mingar outras partes que bem gostaria que continuassem em alta, firmes, como … a saúde. Mas tal não deixa de ser um paradoxo porque ninguém prefere a alternativa, isto é, “bater a bota” antes de entrar na terceira idade, não ver crescer os filhos, muito menos os netos. Então, é caso para perguntar: “Em que ficamos? Mas é assim tão mau ser idoso”? Será porque se diz por aí que “os anos pesam muito” e não se aguenta esse peso?

Vamos lá ver o lado positivo da questão e conhecer as vantagens de ter muitos anos, tantos que a gente já não sabe bem quantos são. Pois é, já não temos a obrigação de nos lembrar de tudo e a idade é só um pormenor. O relógio já não comanda a nossa vida e temos liberdade de horários, tanto para ficar noite dentro a ver um daqueles filmes pornográficos que, afinal, já não ajudam nada, a não ser a recordar velhas memórias – se é que ainda nos lembra de alguma coisa – como para ficar a dormir até ao meio-dia … se nos deixarem em paz. Além disso, podemos jantar às 6 horas para estar a roncar quando chegar a hora da telenovela.                                                                                              Para um elevado número, ser velho é de grande utilidade … para os filhos, quando estes precisam de alguém para tomar conta dos netos. Daí, é-se tanto mais útil quantos mais netos se tiver para tomar conta. Mas ainda é mais importante a utilidade quanto maior for o valor da sua pensão de reformado, para “reforçar” o orçamento familiar … dos filhos. Também tem grande importância para alimentar pombas e outras aves nos parques e jardins públicos, além de prestar ali um excelente serviço ao limpar os bancos com as calças sempre que se senta ou levanta …

Ser idoso tem, pelo menos, duas grandes vantagens sobre os jovens: Enquanto eles só têm uma dentadura em regra ele tem sempre duas. E quando está a ouvir uma palestra ou participar numa conversa de grupo que seja maçadora, como ouve mal, tem a possibilidade de “desligar” com facilidade e de se “ausentar” sem sair do lugar para não ter de escutar a conversa de “chacha”.

Ser velho é ter experiência, conhecimentos e sabedoria, algo que é muito respeitado e tem muito valor no Oriente, mas que cá entre nós, regra geral, não interessa nada a ninguém. É ter a certeza que as suas articulações fazem uma previsão do tempo muito mais exata do que o Serviço Nacional de Meteorologia. É poder viver sem sexo, mas não sem óculos. É descobrir que o investimento na apólice de despesas médicas começa a valer a pena. É estar seguro que os amigos já não revelam os seus segredos, por uma razão simples: não os conseguem recordar. É aprender que a hora de ir para a cama é três horas depois de ter adormecido no sofá a ver televisão. É saber que é conveniente adiar o mais possível a arrumação e limpeza do sótão ou da garagem porque, assim que o fizer, os filhos adultos vão querer lá colocar as suas tralhas.

Para um idoso e reformado, receber um valor mensal sem ter de ir ao trabalho é como passar de empregado a patrão, com uma semana de seis sábados e um domingo e por isso com a chatice de não ter tempo suficiente para fazer qualquer coisa, ainda que seja trocar a lâmpada que se fundiu. 

Porque, durante a semana, de segunda a sexta, não faz nada e ao sábado e domingo, descansa do trabalho da semana. Além disso, tem filas próprias, prioritárias, em muitas repartições públicas, que não usa para não o olharem como velho ou ficarem a resmungar por ter “passado à frente” dos outros que já lá estavam há horas. Mas bom, bom, são os descontos nos transportes públicos, museus e em muitos outros locais, quase sempre de cinquenta por cento, melhor do que os descontos nos supermercados do Pingo Doce no Dia do Trabalhador.

Está provado que o idoso devia voltar à escola e ter aulas para saber como ser um velho feliz. Na maior parte dos casos tinha um bem: já não havia a mãe para lhe puxar as orelhas se se portasse mal. Mas ia aprender a não se meter na vida dos filhos nem a dar palpites sobre o casamento deles, muito menos a tomar partido ou a querer interferir na educação dos netos. A conviver com a nora ou genro, pois foi uma escolha do filho ou filha. A não ser um velho rabugento, porque se já não querem um velho, quanto mais se for um chato que vive a falar do “seu tempo” e das suas doenças, de que ninguém quer saber nada. A desligar-se dos telejornais e das notícias chocantes que só o vão incomodar quando, afinal, não conseguirá resolver mesmo nada e a ver só o que o diverte e anima. E, sobretudo, a nunca deixar nenhum “problema” para os seus filhos, a ser alegre e agradecido por ter chegado a idoso, pois muitos outros ficaram pelo caminho e a deixar saudades quando partir, em vez de alívio por ter demorado tanto …

Sorria, faça sorrir, não deixe para ninguém “aquele vinho bom” que tem guardado para uma ocasião especial, pois ocasião especial é o dia que está a viver. Lembre-se que o cabelo grisalho já não se respeita. Pinta-se. E que andar de mota e beber umas cervejinhas com idade avançada dá a oportunidade de conhecer mulheres atraentes e muito inteligentes. Um amigo meu já conheceu assim duas médicas, quatro enfermeiras e várias socorristas do INEM …

Pois eu, que vivi em oito décadas diferentes, dois séculos diferentes e dois milénios diferentes, só tenho de estar grato a Deus e àqueles que me ajudaram nesta caminhada, apesar dos altos e baixos da estrada, por ter envelhecido. Foi uma dádiva que não rejeito, apesar de ter nascido numa sociedade rural, pobre e difícil, mas rica em valores. Sim, passei por muita coisa, mas tive uma vida maravilhosa. Pertenço a uma geração que viveu uma infância analógica e uma idade adulta digital. Pertenço a uma geração que viveu e testemunhou muito mais coisas que qualquer outra geração viveu em todas as dimensões da vida. E isso só foi possível por ter envelhecido, por ser idoso e chegar àquilo que sou, com orgulho e sem o estigma da palavra: Velho.

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