Ora, depois de ter tido uma estufa para produzir cravos em sociedade informal, negócio que foi salvo pela revolução do 25 de Abril e pela “febre de cravos vermelhos” ao fazer escoar num ápice uma produção “encalhada” e depois de ter uma exploração de coelhos também ela em sociedade informal de três amigos, que nos fizeram atravessar a Espanha à procura de progenitores, mas garanto que nunca os “tirei da cartola”, decidi agora tornar-me produtor de ovos, abraçando uma nova atividade para dar o contributo ao crescimento da economia e do PIB nacional. É verdade, esta ideia dos ovos entrou-me na cabeça depois de ver o preço a que já chegou a dúzia no supermercado e ao acreditar que a guerra na Ucrânia está aí para durar. Ora, quando a minha exploração de galinhas poedeiras estiver em plena produção, pelos meus cálculos cada ovo já deve valer 1 euro ou mais. É verdade que este é um negócio de trampa porque os ovos saem pelo mesmo buraco por onde saem as fezes e a urina da galinha.
Ou seja, é um alimento que vem a este mundo através de um “esgoto natural”. Mas é o que é e eu quero fazer a diferença ao produzir os verdadeiros “ovos do campo, biológicos”, pois as minhas galinhas vão esgravatar na terra, comer o que a natureza lhes der, ser livres e felizes. Mas não quero ter ovos de aviário conseguidos à base de rações com muitos ingredientes que fazem mal à saúde e onde até o corante entra para o amarelo da gema ser mais vivo. Nada disso. Quando muito, poderão comer alguns grãos de milho, diria poucos para não aumentar ainda mais a importação de cereais que vêm quase todos de fora. E vai ser tudo à moda antiga pois até vou recorrer ao velho costume de lhes meter o dedo no cu para saber se têm ovo ou não para “botar” …
O meu plano de negócio diz-me que o investimento é bom, a começar pelo pavilhão para as galinhas se abrigarem e “botarem” ovos, se bem que, como andam ao ar livre, podem “botá-los” em qualquer sítio da “propriedade” pois, se a vontade chegar longe do abrigo, só têm de se aninhar num canto e pôr, como fazíamos em criança quando no meio do monte precisávamos de nos “aliviar” …
Confesso que estou a cometer uma ilegalidade: não submeti o projeto a licenciamento para não atrasar a construção do “pavilhão” por mais 2 a 3 anos com as burocracias do costume. E assim, as obras já estão bastante adiantadas: paredes ao alto, chapa lateral e caixilharias. Só falta colocar a cobertura e pouco mais. Quanto à “propriedade” está a ficar quase toda vedada para que as galinhas andem por ali sem risco de se perder ou serem comidas pelas raposas e texugos. Vou ter de estar de olho nos ovos, porque podem ser largados em qualquer sítio, para precaver que as aves de rapina e os cucos os comam.
Em qualquer indústria, mais importante que produzir é ter uma boa rede de escoamento do produto. Não me adianta nada produzir ovos, muitos ovos, e ficar com eles acumulados em casa. Não vou chocá-los nem sequer vou fazer omeletes. É por isso que já tenho cinco clientes assegurados que me garantem o consumo da produção quase na sua totalidade. Só não sei se pagam bem! Aliás, para estar seguro de que todos os ovos terão saída, parte da produção destina-se à indústria de pastelaria para poder dormir tranquilo: se não me pagarem com dinheiro, vão ter de me pagar em bolos … Como não podia deixar de ser, nos tempos que correm, este projeto tem uma vertente ecológica, pois pretende vir a aproveitar os restos de legumes e frutas que, doutra forma, vão parar ao caixote do lixo. Com tal medida reduzo a quantidade de lixo dando utilidade a parte dos resíduos orgânicos e, ao mesmo tempo, diminuo a quantidade de milho a comprar para alimentar as aves. Além disso, já fiz plantação de maracujás e chuchus que estão a usar as vedações como suporte para se estenderem à vontade e produzir fruta deliciosa até porque serão fertilizados com “guano” natural, resultado do aproveitamento dos excrementos das aves ricos em nitrogénio, o que me trará um rendimento suplementar, especialmente nos maracujás pois o preço está bem apetitoso … para quem vende. E até os frutos caídos serão aproveitados na íntegra ao alimentarem diretamente as galinhas.
Para me dedicar a este ramo de atividade tive de estudar bem qual a raça de galinhas poedeiras que mais interesse tinha para mim. Colhi informações dos técnicos mais credenciados e cheguei à conclusão que deveria escolher uma raça com origem nos Estados Unidos, com o nome de Rhode Island Red, pois está bem adaptada e pode pôr 250 ovos por ano ou mais. É muito ovo para uma só galinha. Ainda pensei na Pedrês Portuguesa, até porque o povo diz que “a Pedrês vale por três”. Mas lembrei-me que o mesmo povo também diz que “Santos da terra não fazem milagres”. Depois de rejeitar as raças asiáticas pois acho que “devem ter os olhos em bico” e seriam demasiados “bicos” para comer, e pôr de lado as raças inglesas por terem a mania que pertencem à monarquia, escolhi a raça americana porque pode ser que com isso me ajude a realizar o “sonho americano”. Já aprendi que, no espaço que está reservado às galinhas, não posso ter cebolas, abacates, citrinos, cascas de batata nem feijão seco, pois as minhas “inquilinas” não podem comer nada disso. Ora, sendo elas consideradas “trabalhadoras”, se bem que só recebendo a título de pagamento, “cama, mesa e cuidados de saúde”, tenho de dar atenção a toda a “hotelaria” para que se sintam bem instaladas, sem stress ou agitação. Só assim poderão produzir em pleno e com qualidade. É que eu quero que os clientes se sintam muito satisfeitos com a qualidade dos ovos, a começar por mim como cliente número um e pelos meus filhos na qualidade de clientes dois e três. Já decidi que não compro um jeep para percorrer toda a propriedade vedada, com 20 hectares, digo, com 20 metros quadrados, tendo ao fundo aquilo a que o povo chama “galinheiro” embora eu, pomposamente, chamo de “pavilhão”, onde se vai abrigar um numeroso grupo de … 6 galinhas. Como compreenderão, já não vou poder aceitar mais clientes para os ovos, embora esteja a equacionar fornecer um ou outro interessado em bolos, se a “mestre pasteleira” da família não desistir por cansaço. Terei a porta aberta para receber frutas e legumes, evitando que vão parar ao lixo e talvez venha a abrir uma escola para ensinar “como construir um galinheiro”. Ou, se preferir, um “pavilhão para galinhas poedeiras”. Sempre dá outro estatuto …