Aqui, não bate coisa com coisa …

Neste nosso mundo há imensas coisas pois tudo é uma coisa, seja um objeto físico ou uma coisa espiritual, como sentimentos ou estados de espírito. Daí que todos nós falamos sempre das coisas mais diversas. “Chega-me essa coisa”, “cala-te com essa coisa”, “ando a sentir cá uma coisa” ou “as coisas que podemos ver na cidade do Porto”. Hoje quero escrever alguma coisa sobre qualquer coisa, mas até há pouco não sabia sobre que coisa havia de ser, até receber uma coisa pela internet a falar das tais coisas que todos nós falamos. É verdade, queria tanto escrever qualquer coisa, uma coisa que fosse, a falar de coisas que nós coisamos. Mas pergunto-me se devo dizer alguma coisa ou não digo coisa nenhuma? É certo que há coisas que não nos dizem respeito, há outras que não nos dizem o estado das coisas e também há quem não diga coisa com coisa, sobretudo quando bebe algumas coisas.                                                                                                                    Sabemos que algumas coisas mudam muito, mas há outras coisas que não mudam nada, mesmo que se altere qualquer coisa para ver se a coisa funciona melhor. Mas nem assim a coisa vai lá. É que, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Ora, quando se juntam as duas coisas, nem sempre dá boa coisa. Chegado aqui, estou a pensar uma coisa, pois já devem estar a dizer que já não digo coisa com coisa. E se calhar até têm razão nalguma coisa, se bem que eu tenho coisas ainda para dizer.                                                                                                               Há todo o tipo de coisas. Dizem mesmo mil e uma coisas, desde coisas do arco da velha a coisas que não lembram ao diabo e até coisas que não interessam “nem ao Menino Jesus”. Sabe-se também que nem sempre a coisa bate com a coisa, que as grandes coisas são sempre as mais simples e que quem fala de muita coisa acaba por não dizer coisa nenhuma porque se perde nas coisas que as coisas têm. Por exemplo, já viram as coisas que se sabem no cabeleiro de mulheres? É que elas devem ter coisas na cabeça pois, quando alguém lhes mexe no cabelo, falam, falam e até têm sempre coisas para dizer, elogiar, denegrir ou, simplesmente, contar. E as coisas que se ficam a saber! É assim que as novidades sobre as coisas passam de boca em boca, verdadeiras ou falsas, até que a coisa se esclareça. Mas então, já se fala de outra coisa. Por isso, coisa boa é não ter coisa alguma para fazer. Ora, quem diz tal coisa, nunca precisou de coisar coisa nenhuma para ter aquelas coisas com que se compram as coisas.                                                                                                              Marisa canta “As coisas vulgares que há na vida não deixam saudades” e Quim Barreiros “Ela tem jeito para a coisa”. Já Roberto Carlos fala de “Coisas do coração” (“quantas coisas entre nós foram ditas sem falar”) e José Cid canta “Coisas do amor e do mar”. Enquanto Cláudia Pascoal diz que vive da música e de outras coisas, Gilberto Gil canta que “a fé é uma reafirmação constante e permanente do existir das coisas”. Já a Adriana Calcanhoto encanta com “Coisas sagradas permanentes” ao mesmo tempo que exibe os seios em palco, Mariana Reis lança “Coisas por dizer”. Há o programa do Nuno Markl “As minhas coisas favoritas” e Fernando Pessoa, escreveu no poema “Tabacaria”, isto: “A vida, essa coisa enorme, é que prende tudo e tudo une. Sou o que penso? Mas penso ser tanta coisa. E há tantos que pensam ser a mesma coisa, que não pode haver tantos. Noutros satélites de outros sistemas, qualquer coisa como gente continuará fazendo coisas, com versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas, sempre uma coisa defronte da outra, sempre uma coisa tão inútil como a outra, sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra”.                                                                             Não sei quem é o autor desta coisa, mas que é uma coisa interessante, é. Por isso transcrevo partes desta coisa que terá chegado do Brasil: “A palavra coisa tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de palavra “muleta” a que a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português. Gramaticalmente, coisa pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo, como coisar. “Ó sua coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar”? … Alceu Valença canta: “Segure a coisa com muito cuidado que eu chego já” … “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”. A garota de Ipanema era coisa de fechar o trânsito. Mas se ela voltar, se ela voltar que coisa linda, que coisa louca. Coisa de Jobim e Vinícius, que sabiam das coisas. Coisa não tem sexo. Pode ser masculino ou feminino … Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, “coisa nenhuma virou um monte de coisas. Mas onde a coisa tem história mesmo é na MPB. No Festival da música popular brasileira em 1966 a “coisa” estava na letra das duas vencedoras. “Disparada”, de Geraldo André, “prepare o seu coração para as coisas que eu vou contar”.  E a Banda, de Chico Buarque, “para ver a banda passar, cantando coisas de amor”. Nesse ano de Festival, no entanto, a coisa estava preta ou melhor, verde oliva. E a Turma da Jovim Guarda não estava nem aí com as coisas. “Coisa linda, coisa que eu adoro” … “Essa coisa doida”, é trecho da música “Qualquer coisa”, de Caetano Veloso, que também canta “Alguma coisa está fora da ordem”. E o famoso hino a S. Paulo, “Alguma coisa acontece no meu coração”. Por essas e outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez. Afinal uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. E tal e coisa e coisa e tal. Um cara cheio de coisas é um indivíduo chato, já um cara cheio das coisas vive dando gozo. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia. O salário mínimo não dá para coisa nenhuma. A coisa pública não funciona no Brasil. Político, quando está na oposição é uma coisa, mas quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando elege o seu candidato de confiança, pensa: “Agora a coisa vai”. Coisa nenhuma. A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar, outra é fazer. Coisa feita. O eleitor já está cheio dessas coisas. Se as pessoas foram feitas para se amar e as coisas para ser usadas, porque então nós amamos tantas coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: As melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra. Paz, saúde, alegria e outras coisitas mais. Mas deixemo-nos de coisas.                                                                                            Cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: Amarás a Deus sobre todas as coisas. Entendeu o espírito da coisa?”

Leave a Reply