Crónica para o diretor do jornal …

Hoje, mal soube a notícia, disse a mim mesmo que esta crónica seria dedicada a ti. Mas, confesso, estou sem jeito para escrever o que quer que seja, faltam-me as palavras e nem sei bem por onde começar. E o problema está em mim, pois não se pode escrever sobre alguém de que, pessoalmente, se conhece pouco, a não ser do resultado do seu trabalho.                                                                                                                   Devo dizer que és o culpado de eu ter voltado a escrever “coisas” para um jornal, depois de me ter aventurado a percorrer esse caminho já lá ia um bom par de anos. No teu jeito bem tranquilo, não me fizeste um convite formal, mas disseste:                                                                            “O senhor podia voltar a escrever para o jornal, se quisesse”. A conversa foi de curta duração, mas deixaste-me a pensar no assunto e, dias depois, acabei por te telefonar a dizer que “acedia à tua sugestão (que nem sequer chegou a ser um pedido) e ia ver se escrevia qualquer coisa. Já lá vão mais de dez anos, já respondi à tua sugestão com cerca de 500 crónicas que, como são mais longas do que é habitual, funcionam como soporífero para os leitores que se aventuram a ler para além do título, correndo o risco de adormecer a meio.                                                                                                                             E sei disso porque alguns amigos (que gostam das notícias tipo telegrama), já me têm manifestado esse “defeito”. Mas a verdade é que durante estes mais de dez anos nunca me disseste para escrever artigos mais ou menos curtos, nem para abordar ou não um ou outro tema. Deste-me rédea solta de tal forma, que isso me levou a explorar alguns assuntos que, no dizer de um amigo meu, “não estão de acordo com a minha condição”. Mas é preciso ir para além do “politicamente correto” de vez em quando, agitar as águas e as consciências, brincar com a minha condição humana e os meus defeitos, que são os mesmos de muito boa gente que não gosta de se ver ao espelho …                                                                                Ia-me esquecendo que me enviaste muitas mensagens ao longo destes anos todos, uma realidade muito incómoda … para ti. Porque foram sempre a perguntar a mesma coisa: “ainda vai enviar o artigo para o jornal desta semana”? É que nem sempre tive tempo ou a inspiração para escrever atempadamente a crónica semanal quando passou a ser habitual e daí o teres de “me lembrar” que estava a ser precisa para preencher esse espaço no jornal. E fizeste-me trabalhar muitas vezes fora de horas para cumprir contigo um contrato que não assinamos nunca e sem quaisquer cláusulas de direitos e obrigações. E hoje aqui, confesso-te que o fiz muitas vezes a pensar que não podia trair a tua confiança, pela enorme responsabilidade que é exigida ao diretor de um jornal regional e pelas dificuldades de sustentabilidade com que se deve defrontar para o manter de pé, especialmente neste tempo surreal das redes sociais.                                                                        Também nunca me perguntaste quanto terias de me pagar por cada crónica que eu escrevi, mas é verdade que nunca me apresentaste a conta do que teria de pagar pela publicação de cada uma, se calhar por cada linha. Nunca houve necessidade dessa contabilidade do deve e haver e as únicas coisas que recebi (e não serão de pouca monta), foram as borlas em um ou dois jantares do jornal para os quais me convidaste e as amáveis palavras, tuas e da tua mãe, como estímulo, para compensar o trabalho de matraquear nas teclas do computador.                                                                                 Encontramo-nos na rua por mero acaso há três ou quatro meses e eu ainda quase não abrira a boca quando me deixaste sem reação. Nesse teu tom tranquilo habitual informaste-me que não terias mais do que três meses de vida, como quem diz que vai ficar nu por falta de roupa ou conhece o prazo de validade da sua “pilha”. E tinhas razão. Como disse, a surpresa da notícia fez com que não te desse os parabéns, que dou agora por, com erros e acertos, avanços e recuos, ter “carregado” e levado a bom porto a herança da família “Afonso” que é este Jornal. E, deixa-me que te diga, é tarefa em que eu não me aventuraria. Assim, ao conseguires “levar a carta a Garcia” e o mesmo é dizer “cumprir a missão eficazmente, por mais difícil ou impossível que possa parecer”, tens todo o meu apreço, o meu abraço e a minha homenagem.                                                                                                          Para concluir, apesar de querer andar por cá mais uns anitos a tentar bater a idade de minha mãe, faço-te um pedido: Ao instalares-te nessa “nova morada” e depois de assumires as funções de direção do Jornal  do Purgatório onde estás para o processo temporário de purificação em que a alma é preparada para entrar no Reino dos Céus, reserva-me desde já um espaço nesse Jornal para as minhas crónicas, já que cada uma deve contar um ponto para a remissão dos meus pecados, que não são assim tão poucos. Mas não te preocupes se para os remir por completo tiver de escrever muitos milhares de crónicas, para as quais já tenho muito material – só o dossier TAP é um poço sem fundo que nunca mais acaba de nos surpreender – e, em abono da verdade, tempo não me faltará, pois terei “todo o tempo do mundo” …                  E até um dia destes, meu caro Sérgio Afonso, Diretor do TVS.         

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