Já lá vão quase cinquenta anos quando casei e, a esta distância, devo confessar que não tinha qualquer preparação teórica, muito menos prática, para ser pai. Se da tradição a educação dos filhos era coisa para as mulheres, também era um facto que havia pouca informação e literatura que nos orientasse nessa matéria. Por isso, considero ser algo fora do comum o que fez Abraham Lincoln em 1830, muito antes de se tornar Presidente dos Estados Unidos, ao escrever ao professor do seu filho uma carta que continua atual e devia servir de exemplo:
“Caro professor, o meu filho terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas, por favor, diga-lhe que, para cada vilão há um herói, para cada egoísta há um líder dedicado.
Ensine-lhe por favor que para cada inimigo também há um amigo e ensine-lhe ainda que mais vale uma moeda ganha do que uma moeda encontrada.
Ensine-lhe a perder, mas também a saber gozar a vitória. Afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso. Faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales.
Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais do que a vitória vergonhosa. Ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos.
Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros. Ensine-o a nunca entrar num comboio simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir todos, mas na hora da verdade a decidir sozinho. Ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que, por vezes, os homens também choram.
Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a ter de lutar sozinho contra todos se ele achar que tem razão.
Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço. Deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso. Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.
Eu sei que estou pedindo muito, mas veja o que pode fazer, meu caro professor”.
Este apelo, através de uma simples carta, só podia vir de um homem com a estatura moral de Abraham Lincoln, considerado por muitos o presidente mais importante dos Estado Unidos, o Homem que acabou com a escravatura numa situação muito difícil, pois teve mesmo de enfrentar uma guerra civil contra os que se opunham a esse desígnio.
Maria Montessori, educadora, médica e pedagoga italiana, nascida em 1870, é outra personalidade cuja vida e método de ensino conheci só muito recentemente ao tomar contacto com uma rede de colégios existentes em parte da América do Sul com base no modelo de ensino que preconizou, assente num conjunto de princípios, também eles muito atuais sobre os quais vale a pena refletir. O Método Montessori é um conjunto de teorias, práticas e de materiais didáticos criados e idealizados por ela, para que a educação se desenvolva com base na evolução da criança e não o contrário. O Método assenta no conjunto de princípios que deveríamos ter presentes enquanto educadores:
“As crianças aprendem com aquilo que está ao seu redor.
Se você criticar muito uma criança, ela aprenderá a julgar. Mas se você elogiar uma criança com frequência, ela aprenderá a valorizar.
Se a criança é tratada com hostilidade, ela aprenderá a brigar. Mas se você for justo com a criança, ela aprenderá a ser justa.
Se você ridicularizar a criança com frequência, ela transformar-se-á numa pessoa tímida. Mas se a criança crescer e se sentir segura, vai aprender a confiar nos outros.
Se você denegrir uma criança com frequência, ela vai desenvolver um sentimento de culpa que não é saudável. Mas se as ideias da criança são aceites regularmente, ela aprenderá a sentir-se bem consigo mesma.
Se for condescendente com a criança, ela aprenderá a ser paciente. E
se você elogiar o que a criança faz, ela conquistará autoconfiança.
Se a criança vive em ambiente amigável, sentindo-se necessária, aprenderá a encontrar o amor no mundo.
Não fale mal do seu filho (a), nem quando ele (a) estiver por perto, nem se estiver longe. Concentre-se em desenvolver o lado bom da criança, de maneira que não sobre espaço para o lado mau.
Escute sempre o seu filho e responda quando ele quiser fazer uma pergunta ou comentário.
Respeite o seu filho mesmo que ele tenha cometido um erro. Corrige-o depois. Esteja disposto a ajudar quando o seu filho procurar algo, mas esteja também disposto a passar despercebido se ele encontrou já o que procurava. Ajude a criança a assimilar o que ela ainda não conseguiu. Faça isso enchendo o espaço que o rodeia com cuidado, silêncio oportuno e amor. E quando se dirigir ao seu filho, faça-o da melhor maneira possível. Dê-lhe o melhor que há em você”.
Além disso, “nunca ajude uma criança numa tarefa que ela se sente capaz de fazer porque, qualquer ajuda desnecessária é um entrave na sua aprendizagem e no seu desenvolvimento.
A verdadeira educação é aquela que vai ao encontro da criança para realizar a sua libertação. E nenhuma descrição, nenhuma imagem de nenhum livro podem substituir a vista real das árvores num bosque com toda a vida que acontece em volta delas. Ajude-as a fazer tudo sozinhas. É importante que a criança aprenda a ter independência e desde bem cedo possa explorar, sem medo, o ambiente em que vive. Por fim, e não menos importante, lembre-se sempre que a pessoa que é servida, ao contrário de ser ajudada, está impedida de desenvolver a própria independência”.
Para quem projeta ou está a iniciar-se nessa difícil tarefa de ser pai e educador, vale a pena debruçar-se sobre a vida e obra destas duas personalidades, uma ajuda preciosa na escolha do caminho …