A barba dá um sinal de respeito?

Se eu usasse barbas, em certas ocasiões bem as podia “pôr de molho”, por questões de precaução. Mas não é o caso porque, desde que estes pelos que trago no queixo e face começaram a crescer, tive sempre por princípio não lhes dar tréguas e cortá-los em um ou dois dias. Só em três ocasiões tiveram possibilidades de aumentar um pouco mais, mas o máximo foram cinco dias para logo serem rapados rente. 

E isso deve-se à época em que vivi a minha adolescência, quando vigorava o visual do homem barbeado e higiénico surgido no princípio do século passado com a invenção das lâminas de barbear descartáveis, pela Gillette. Até então, e ainda vi muito disso, a barba era “desfeita” com “navalha de barbear” e era precisa uma certa arte para o fazer. Eu já comecei a fazer a barba com as tais lâminas descartáveis, muito finas e em aço, de dupla face, mas os mais velhos continuaram a manter a navalha tradicional. Já havia alguns homens que deixavam crescer a barba, mas nem todos tinham os cuidados higiénicos devidos pelo que de vez em quando, viam-se algumas “secreções” ou até restos de comida embrulhados no emaranhado de pelos e não era bonito de se ver. Nessas ocasiões lembrava-me de um provérbio árabe: “Se cuspo para baixo, cai na barba, se cuspo para cima, cai no bigode”.                                                                                         Ao longo da história e em diferentes culturas no mundo, aos homens com barba mais ou menos comprida, atribuíram-se qualidades como sabedoria, potência sexual e importância. Mas em determinadas eras e culturas, atribuiu-se a ela muita falta de higiene e ser própria dos excêntricos e preguiçosos. Mas, fisiologicamente, a função da barba é aquecer e proteger o rosto e filtrar o ar quando respiramos.                                                                                  São muitos os apelos ao uso de barba, tais como honra, sofisticação, independência, poder, afirmação e até para esconder a timidez. De artistas a ditadores, muitas foram as grandes personalidades que construíram a sua imagem com a ajuda dos pelos faciais. Daí que muitos tipos de barba foram batizados com o nome daqueles que tornaram um certo estilo popular. O cavanhaque longo é conhecido até hoje como barba à Van Dyck, em homenagem ao pintor holandês, tal como o bigode volumoso conhecido por Kaiser, em homenagem ao último imperador da Alemanha.                                                                                                              As barbas sempre foram usadas pelos povos árabes e religiões como o islamismo e o judaísmo ortodoxo, havendo alguns homens que envelheceram sem nunca as terem cortado sequer uma vez. Alguns (poucos), exibem-se levantando pesos pendurados nos pelos da barba. Como curiosidade, Charles Darwin acreditava que a barba evoluiu como um ornamento para atrair as fêmeas, como aconteceu com a plumagem dos pavões, o que me permite perguntar: “Será que os homens com barba atraem mais mulheres que os de cara rapada”? Há quem apresente estudos afirmando ser verdade, embora também existe quem defende o contrário. Certo é que a tradição espelhou a sua “sabedoria das barbas” nalguns ditados populares como: “Se a barba fosse sinal de sabedoria, o bode era profeta” ou até “homem barbado, homem honrado”. Como conselho avisado, ouvia eu: “Na barba do tolo aprende o barbeiro novo”. Enquanto o provérbio árabe previne: “Não apares a barba diante de duas pessoas, pois uma dirá que ainda está comprida, enquanto para a outra ficou curta demais”. As teorias sobre as barbas conferirem dotes especiais àqueles que as usam assentam em meras questões psicológicas ao argumentar que os homens com barba são considerados mais masculinos e saudáveis do que os totalmente barbeados. E até há quem seja mais específico e diga que “as barbas de 10 dias fazem com que os homens se tornem mais atraentes para as mulheres”, enquanto outros defendem que “as pessoas barbeadas têm menos atributos de masculinidade e são mais dóceis”. Além disso, os defensores dos barbados atribuem-lhes um ar de “respeito e poder”, de lhes conferir “maturidade” e até um sinal de “boa saúde”, dado que, historicamente, o pelo facial era terreno fértil para os parasitas e as consequentes infeções, pelo que, desafiar esses perigos usando barba era uma forma de demonstrar força e saúde, o que não deixa de ser estranhamente curioso. Claro que os opositores dizem que o uso de barba é a forma de disfarçar as imperfeições da pele, as marcas de acne, um rosto feio. Pessoalmente, nunca, mas mesmo nunca, senti necessidade de deixar crescer a barba para ser respeitado (nem nunca ouvi dizer que o tamanho do respeito era proporcional ao tamanho das barbas) ou afirmar a masculinidade e até gosto de ver certo tipo de barbas ou não as tivesse cá por casa …                       Historicamente, se houve civilizações, como no Império Romano, em que deixavam crescer longas barbas, também houve outras como os egípcios que consideravam os pelos do corpo e rosto desagradáveis. As barbas completas fizeram parte do homem na sua versão inicial e primitiva, pois nem tinha meios para rapar pelos e as preocupações eram outras. E nos últimos tempos, como tantas coisas na sociedade, estão em uso ou não em função dos “ditadores da moda”, em geral figuras mediáticas que, neste caso, resolvem ou não deixar crescer os pelos da cara e aos quais conferem um estilo e tipo de barba que será copiada rapidamente por milhões de “seguidores”. 

A partir de 2008, depois da crise financeira, notou-se uma mudança significativa na aparência do homem. As incertezas na ordem mundial pediam um homem com H maiúsculo. Essa volta trouxe consigo o uso das barbas como afirmação de masculinidade. A evidência mais óbvia viu-se nas celebridades de Hollywood, “mãe” de muitos modismos. De 2009 em diante assistiu-se a uma parada de atores usando barbas grandes e volumosas, como aconteceu com os tão badalados George Clooney e Brad Pitt, não demorando a virar moda graças ao fenómeno viral da internet. O rosto adolescente dos modelos depressa foi substituído por homens mais peludos e viris. Daí assistirmos hoje a um regresso das barbas, expressas numa enorme multiplicidade de estilos e tipos em função do gosto pessoal ou do seguidismo incondicional, até que as marcas de lâminas de barbear voltem à carga com a promoção da “cara lavada” e invertam o sentido da moda em prol do negócio…

Jô Soares diz que “um gordo, quando está a fazer dieta, faz sempre a barba antes de se pesar”, como se fizesse a diferença, enquanto Millôr Fernandes questiona: “Em 50 anos de vida, os homens gastam 80 a 100 dias a fazer a barba. Ignora-se o que as mulheres fazem com esse tempo” … Mas uma coisa diz o povo que nunca devemos esquecer, se não queremos ser apanhados “à falsa fé”: “Quando vires as barbas do teu vizinho a arder, bota as tuas de molho”. 

Já agora, coitado daquele que impõe respeito só porque tem barbas grandes …                                                                                    

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