Nem as pequenas coisas mudamos …

A “Joana” sofre de um problema renal hereditário que a obriga a ir com certa regularidade a consultas da especialidade no Hospital de S. João, no Porto, onde anda a ser acompanhada, além de ter de ali fazer também análises e outros exames. Dizia-me ela hoje que na próxima semana vai ao Porto de propósito só para marcar o dia em que vai efetuar as próximas análises de rotina. “E não pode fazer a marcação pelo telefone para evitar uma viagem de Lousada ao Porto e volta”, perguntei eu armado em fino como se tivesse descoberto a pólvora? “Já tentei por diversas vezes, mas lá ninguém atende o telefone. Já cheguei a passar horas a tentar e não adiantou nada”, respondeu-me desalentada. Como achava que tinha soluções para tanto absurdo, eu não desarmei: “E já experimentou enviar um e-mail a pedir que lhe façam a marcação. Se não tiverem tempo de lhe responder durante as horas mais movimentadas, no final do dia têm a obrigação de lhe dar resposta”. Mas ela enterrou as minhas ilusões: “Eu também já tentei fazer a marcação por e-mail e nem sequer se dignaram responder-me a nenhum deles. 

E pior, já lá fui várias vezes a consultas marcadas e só quando cheguei ao balcão para ser atendido é que me informaram que não iria haver consulta por uma razão qualquer, sem nunca se preocuparem em telefonar antes avisando para não ir e evitar ter de fazer estes quilómetros todos. Vamos nós daqui para o Porto e, além de perder uma manhã ou tarde, ainda temos as despesas da viagem por nossa conta! Ninguém se preocupa connosco, se podemos ou não pagar viagens para lá e para cá sem utilidade que nos obrigam a fazer quando parte delas podiam ser evitadas com uma simples chamada ou e-mail. Não têm respeito nenhum pelo cidadão anónimo. Somos só números na máquina trituradora que só se preocupa com estatísticas bonitas para os políticos nos atirarem à cara em época de eleições”.

Fiquei sem mais “truques na manga” das minhas ilusões. Na realidade há tanta coisa que não faz sentido com o que sucede a esta e todas as outras “Joanas”, a começar por alguém ser capaz de pôr os meios de comunicação dos serviços públicos a funcionar em benefício de todos nós e o mesmo é dizer, do país. Porque quando o estado nos obriga a fazer quilómetros só para “queimar combustível e pneus”, poluir por incompetência, alguma coisa vai mal. Na era digital não se percebe como é que o estado tem esses meios “bloqueados”, claramente por falta de organização sem se conseguir mudar – e parece mesmo que nem estão preocupados com isso. Estamos condenados a ficar mais próximos dos africanos e mais afastados da Europa com que tantos políticos enchem a boca, mas que só a vemos “por um canudo”, na televisão ou se formos para “fora de portas”.

Agora tenta-se justificar o que se passa em muitos serviços públicos com a pandemia, o “bode expiatório” para a incompetência. Porque, das duas uma: ou os telefones estão avariados há mais de um ano ou quem está por lá é … “surdo”. E ser “surdo” pode não querer dizer que ouve mal …

Portugal é um país pequeno, com cerca de dez milhões de habitantes, mas com uma grande parte da sociedade habituada a viver à sombra do estado. Por isso, quando os políticos nos querem vender reformas da administração pública, temos de desconfiar já que as reformas em geral afetam direta ou indiretamente grande parte do eleitorado, o que provoca desconforto nos cidadãos que vivem à conta do dinheiro público. Assim, as reformas não são boas para eleições: o país pode ganhar, mas os políticos facilmente perdem eleitores e eleições. Isso nenhum político quer …

Os bloqueios funcionais do setor público são demasiados e alguns não lembram ao diabo, mas também não há quem os queira alterar por mais simples que isso seja. Lembro-me do que se passa com a Instituição onde colaboro. Como a Instituição tem vários protocolos com a Segurança Social, de vez em quando sou notificado para, na qualidade de seu responsável, ir ao Centro Regional no Porto assinar um novo protocolo ou a renovação de outro. E o que acontece comigo acontece com dezenas de responsáveis doutras instituições. Se antes da pandemia nos juntavam em rebanho numa das salas do organismo e, depois de uma pequena preleção para vender “a banha da cobra do costume”, chamavam um a um para assinar o nome na última página do documento e, eventualmente, rabiscar uma rúbrica nas outras, o covid-19 fez com que agora sejamos convocados de 5 em 5 minutos para manter o distanciamento, como nas provas de contrarrelógio no ciclismo, colocam-nos o protocolo à frente, assinamos e está feito. Só falta o “pode ir embora”. Como acho uma enorme estupidez fazer que dúzias de pessoas se tenham de deslocar ao Porto idos de mais longe ou mais perto a troco de uma assinatura, por diversas vezes tenho manifestado a minha discordância por este desperdício de tempo e dinheiro, dizendo aos mais ou menos responsáveis da Segurança Social que lhes bastava enviar o documento pelo correio que seria devolvido na volta assinado. Ou ainda melhor, a “assinatura digital” seria a solução ideal, pois é usada, válida e segura para documentos bem mais importantes. 

E nem este tempo de pandemia que obriga ao distanciamento social e à redução de contactos faz com que se acenda a “luzinha da compreensão” naquelas cabeças e percebam de uma vez por todas que é necessária mais eficiência, mais produtividade e cortar no desperdício. Para um país onde a produtividade anda “pelas ruas da amargura”, os governantes já se deviam ter apercebido que o estado, nos seus diversos níveis, é sem dúvida dos maiores bloqueios à sua melhoria. E só quem tem de percorrer muitas dessas “capelas” se apercebe que em muitas delas existem “pequenos ditadores” para quem as coisas têm de ser como eles querem e estão habituados a ser e não como é mais funcional e sirva melhor o interesse dos cidadãos, “esses chatos” que só reclamam e nunca estão satisfeitos com nada, embora não passem de “refilões”. Até ao dia em que se cansem de ser “só refilões” …    

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