Pernas, para que vos quero …

Quando se falava de “boas pernas” a minha avó dizia a lengalenga: “pernas são canelas e canelas … porra p’ra elas”. E da mesma forma, perante umas pernas esqueléticas ou mal feitas, havia um comentário habitual: “Com estas pernas não passavas em Guimarães”. E o porquê desse “não passavas em Guimarães”? Compreendia-se bem na altura porque Guimarães já era então a capital da indústria de cutelaria em Portugal – fabrico de talheres. Ora, como os cabos das facas, garfos e colheres eram feitos em osso, daí a alusão de que “aquelas pernas não passavam em Guimarães” porque, como eram pouco mais que “osso”, só podiam servir para o fabrico de “cabos” para talheres.

As pernas são uma parte muito importante do nosso corpo pois são o seu sustentáculo e estão sujeitas, diariamente, a um enorme esforço. Suportam todo o nosso peso em qualquer terreno e em qualquer situação, além das cargas que carregamos. São elas que nos conferem autonomia, agilidade e destreza e nos levam de um ponto ao outro.

Quando era criança não tinha oportunidade de ver pernas sem que estivessem cobertas de pano, por mais velho que fosse. Nos homens, com calças de cotim e nas mulheres saias e saiotes até ao tornozelo. Só a jogar futebol os homens vestiam calções, quando havia. Como as mulheres não jogavam a bola, não havia nada para ninguém. Só na praia, para quem conseguia ir à praia (a grande maioria nunca viu o mar) e só daqueles que tivessem calções ou fatos de banho, que não eram muitos.

À medida que fui crescendo, as saias foram mingando lentamente, começando por deixar ver os tornozelos, o que já era um avanço extraordinário. Mas não ficaram por aí e à medida que iam encolhendo, as canelas vieram a seguir. Quando a fasquia chegou ao joelho já eu era adulto e fartara-me de esperar para ver como eram. As pernas dos homens continuaram escondidas e ainda bem, porque são peludas e feias (para o meu gosto). Mas quando a estilista Mary Quant teve a ideia brilhantíssima de lançar a moda da minissaia – um pedaço de pano diminuto que mudou o guarda-roupa feminino, com uma camisola justa e botas altas, na década de 60 – é que consegui ver verdadeiramente aquilo que só poderia imaginar: pernas de mulher quase completamente nuas a passear na rua. Era um escândalo para os mais velhos, mas um prazer enorme para a malta da minha idade que anos atrás já se contentava só com os tornozelos. Era caso para se dizer, “como as coisas mudam”!!! E, falando por mim, mudaram para melhor. Encheram de felicidade (e outras coisas mais) o nosso mundo masculino. A partir do aparecimento da minissaia, só houve razões para os homens “festejarem” as ousadas propostas da moda, estação após estação, ano após ano, mais ainda tendo em conta todos os cuidados que as mulheres passaram a ter com os “sustentáculos do corpo”, pois ter pernas saudáveis, bonitas e torneadas passaram a ser o sonho da maioria delas. Será bom lembrar que nem todas as pernas femininas mereciam (e merecem) uma minissaia (seria mais aconselhável nalguns casos que continuassem resguardadas), mas temos de entender que a vontade de andar na moda sobrepõe-se muitas vezes à capacidade de avaliação das “condicionantes” …

Sejamos francos: admiro umas pernas de homem pela sua condição atlética e por conseguirem bater recordes atrás de recordes, como se essa possibilidade seja infinita. Há que lhes reconhecer o mérito, mas não passam de “pernas” mais ou menos musculosas, mais ou menos peludas, algumas a verem-se desenhadas as diversas veias de sangue. Serão bons modelos para artistas, especialmente para escultores do tempo dos gregos e romanos. Não mais que isso. É que, pernas que merecem ser apreciadas só mesmo as de mulher. Como dizia Millôr Fernandes, “anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que na mulher fica muito melhor”. Aliás, acrescentava a propósito da tentação dos homens admirarem essa e outras partes “interessantes” delas, algo que acho importante: “Não devemos resistir às tentações, pois elas podem não voltar. Se é gostoso, faz logo. Amanhã pode ser ilegal ou não haver”. Aliás, temos de estar muito atentos porque se diz que “uma mulher de pernas cruzadas é sempre mais perigosa que um homem de braços cruzados”. E há quem não perceba porquê …

No tempo da monarquia o desejo dos homens era muito modesto, já que sonhavam (e contentavam) com a visão de tornozelos femininos ou, já surreal, os joelhos. Eram contidos nas suas pretensões, pois as pernas nuas em público eram um escândalo. Atualmente na cultura ocidental, promove-se a visualização da coxa feminina, que no Médio Oriente continua a ser escandaloso e indecente. A ampla aceitação social das mulheres que mostram as pernas nuas em público afetou a perceção dos homens de tal forma que, segundo um estudo recente, “eles consideram que as mulheres são mais atraentes e agradáveis fisicamente quando vestem calções e saias mais curtas”.   

As pernas são sempre uma ferramenta que qualquer ladrão deve ter bem preparada para, quando for preciso, “pôr-se a milhas” ou “dar às de vila Diogo” e razão ao ditado: “Pernas para que vos quero”.

Como em (quase) tudo na vida, só damos realmente valor e a atenção ao que temos ou damos como adquirido, quando nos falha ou falta. E, no caso das pernas, quer como veículo de carga do corpo e elemento de beleza, não são exceção. Sem elas aptas a carregar-nos daqui para ali, de manhã à noite, todos os dias, semanas, meses, anos, enfim, uma vida, é que percebemos a importância de as cuidar e de lhe dar toda a atenção. Porque não devemos querer menos peso nas costas, mas sim

pernas mais fortes … 

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