Depois do jantar, enquanto olhava para as notícias da televisão sobre a evolução da pandemia, senti um ligeiro arranhar na garganta que é normalmente sintoma de que estou a ser “visitado” por uma laringite. Para atenuar o sintoma pus na boca um rebuçado de mel que resulta quase sempre. No entanto, meia hora depois voltou o incómodo e repeti a solução do rebuçado, o que viria a acontecer por mais duas vezes até ir para a cama. Durante a noite acordei três ou quatro vezes com o mesmo desconforto na garganta, que se manteve toda a manhã de sábado. Depois do almoço saí diretamente para o hospital com a intenção de ir ao médico, mas, pelo caminho, como que num descargo de consciência, resolvi passar pelo centro de testes e fazer o despiste ao covid-19. Mal a enfermeira pôs o teste a correr, abanou a cabeça e comentou: “Parece-me que está”. E estava infetado. Saí, sentei-me no carro a ligar para as pessoas de quem estive perto nos últimos dias e, por fim, para casa, informando e dando a indicação de que eu ficaria isolado na parte de baixo a partir daí. E cá estou eu de férias …
Não tenho prazer nenhum em estar infetado com covid-19, mas não faço disso um drama porque, “quem anda à chuva, molha-se”. E tinha consciência que a qualquer momento podia ser apanhado, tendo mais ou menos cuidado. Sobretudo no último mês, em que o cerco se tinha apertado. Cada vez mais pessoas que me eram próximas apareciam infetadas, gente com quem tinha estado mais ou menos tempo, para não falar da área hospitalar por onde passo quase todos os dias e que é um espaço onde o vírus (ou as pessoas com vírus) se movimentam.
Tenho de dar graças a Deus porque os sintomas são ligeiros e nem chegam a incomodar tanto como nos casos de gripe.
Vendo isto pelo lado positivo, é como se estivesse a fazer um “retiro” espiritual, tal como um eremita, mas sem os inconvenientes dele pois tenho tudo o que preciso e todo o apoio às minhas necessidades.
Cá em baixo estou rodeado de livros pelo que não me falta material de leitura. Tenho uma televisão com ecrã grande embora não me sirva para ver os canais habituais, o que até é bom pois passo bem sem saber das desgraças do mundo. No entanto, como serve de monitor a um dos filhos para trabalhar quando está cá, fez questão e cuidou de instalar a Netflix pelo que tenho acesso a uma infinidade de séries, de tal forma que precisava de estar aqui em retiro mais de um ano para ver tudo o que há para ver. Mas, apesar desse bónus, ainda só vi dois episódios de uma comédia americana e não me dei mais ao trabalho de explorar todas as possibilidades que a Netflix tem para oferecer.
Para este meu “retiro” trouxe algumas revistas de palavras cruzadas, sudoku, enigmas e muitos outros passatempos, com que me distraio, ocupo, faço exercício mental e estou entretido, esquecendo o tempo e o condicionamento. E tenho a oportunidade de fazer algo que venho prometendo a mim próprio e que até já me foi recomendado por um médico, mas que a pressa do meu dia a dia não me deixa, ou é uma desculpa que vou dando a mim próprio: dormir a sesta. Os espanhóis nisso dão-nos lições …
Duas coisas estão aqui em contradição: por um lado, tenho ali ao lado uma elítica para fazer exercício, já que isto de estar parado não é bom para a saúde, diz quem sabe. Mas não veio a vontade para a “visitar”, apesar de saber onde está e conhecer o seu potencial. E prometo que um dia destes, ainda antes de acabar o meu “retiro”, vou fazer uso do seu serviço e confirmar se é mesmo como dizem. Em contrapartida, já não me bastava a comida a mais que as minhas “vizinhas de cima” me põem no alto das escadas (para evitar o contacto) e teimam que devo comer tudo. É que mesmo ao lado do quarto onde durmo “só está” a despensa geral cá de casa onde há muito mais do que eu posso comer e beber durante um bom par de semanas …
Para finalizar, como aqui na cave há uma porta de acesso direto para o arruamento inferior da casa, jardim e alguns anexos, tenho tudo o que preciso para arejar, fazer exercício ao ar livre e ocupar o tempo, já que tanto o jardim como a pequena horta que com este se cruza, estão a precisar de muito trabalho. Já podei todas as árvores de fruta desde as ameixieiras aos damasqueiros, também limpei e podei os pés de framboesas que se multiplicaram de tal forma que estão a tornar-se uma praga e comecei a apanhar as abóboras chila (ou gila), excelentes para fazer doce, mas que são às dezenas e autenticamente tomaram conta de uma grande parte da horta e jardim. Não sei bem o que se vai fazer a tanto fruto. Se não estivesse infetado, podia montar uma banca ao fundo da rua e talvez fizesse uns trocados, se bem que há muito boa gente que gosta do doce de chila (ou gila), mas há pouco quem goste de o fazer. Eu incluído. Mas recordo que a abóbora chila (ou gila) é um bom alimento para controlar os diabetes.
Apesar dos meus sintomas da infeção serem relativamente benignos e poder dispor, por força das circunstâncias, de um espaço interior e exterior cómodo e autónomo, além de usufruir de diversas benesses que me amenizam o isolamento durante os sete dias preconizados pela DGS, tenho de confessar que a limitação da minha liberdade não me dá prazer nenhum e, ainda que somente por razões psicológicas, sinto a falta de poder sair, ir à rua ou onde me apetecer e não ficar condicionado a um espaço mesmo sem grades (visíveis). Pensando bem, tal como acontece com a saúde, só damos conta da importância que tem a liberdade quando ela nos falta. Ainda que seja a liberdade de poder sair de casa e andar por aí …
Já agora importa dar o testemunho de que se não tivesse tomado as três doses da vacina, provavelmente este “retiro” não estaria a correr tão bem como referi. Goste-se ou não das vacinas, acredite-se ou não na sua eficácia e não sendo elas (ainda) de uma proteção total e nos iniba de apanhar o vírus como foi o meu caso, o certo é que garantem uma redução considerável dos sintomas e dos casos graves e mortais. Não querer ver esta realidade comprovada pela estatística e recusar a vacina apesar das suas limitações, é exercer um direito por mais que pareça absurdo, mas pondo em risco a comunidade em geral, quando o que precisamos é de ser “um por todos e todos por um” …