Quer que lhe enfiem a zaragatoa no nariz?

A época natalícia que deixamos para trás não nos trouxe só a ceia de Natal com o acostumado bacalhau, rabanadas e outras ajudas para a barriguinha crescer e os dias seguintes a caldos de arroz, chá de limonete e água das pedras. No sapatinho das prendas tocou à maioria dos portugueses um brinde especial que com muita certeza todos dispensavam: a obrigatoriedade dos testes à Covid-19 para várias situações, sem os quais não era possível viajar para o estrangeiro, assistir a um espetáculo ou jogo de futebol ou até ir a um restaurante. Mais ainda, a partir do momento que alguns testes passaram a ser gratuitos e com a possibilidade de serem efetuados em farmácias e outros pontos de testagem que apareceram por aí, vimos filas e filas de gente, “voluntariamente” disponíveis para se sujeitarem ao incómodo de ver enfiarem-lhes uma zaragatoa pelo nariz dentro e engolirem em seco para não fazer figuras tristes.

Os testes são uma das ferramentas usadas no combate à pandemia por ajudarem a identificar quem está ou não infetado e permitir isolar e controlar a evolução dos surtos. Os chamados testes PCR são o método de referência para o rastreio, diagnóstico e confirmação da presença ou não do vírus Covid-19. Já os testes rápidos, especialmente os chamados antigénio, não sendo tão fiáveis como os PCR porque precisam de cargas virais mais elevadas para funcionarem melhor pois com cargas virais baixas podem indicar falsos negativos, têm a vantagem da rapidez de resultados. 

A velocidade de propagação da nova variante, as exigências de teste para muitas situações e a sua gratuitidade em determinado número, fizeram com que tenha havido uma autêntica corrida ao teste, dando origem a enormes filas de pessoas quase sempre stressadas tanto pela incerteza do resultado e suas consequências  como pelo desconforto só de pensarem naquela “coisa” comprida que lhes vai ser enfiada no nariz e que faz com que muitos tenham mais vontade de ir para casa do que de se sujeitarem ao que pensam ser um sacrifício.

Nas filas encontra-se quem precise do teste negativo, passaporte indispensável para viajar, entrar em muitos espaços fechados e conviver com família, amigos e conhecidos. Há também quem queira saber se está infetado ou não porque deu um espirro, lhe dói a cabeça ou sente irritação na garganta. E há ainda os que vão na onda porque, se os outros vão fazer o teste também querem ir, como se fosse uma moda, algo bonito para se fazer.

Nos locais onde se fazem os testes de despistagem do Covid-19 em regra há uma enorme ansiedade por parte de quem ali vai fazer, pois o resultado determinará o que podem ou não fazer nos próximos dias, podendo deixar ou não a vida em suspenso. Muitos são os que ficaram encravados por não poderem viajar para o estrangeiro, regressar ao trabalho na Suíça onde tinham de se apresentar no dia seguinte ou reunirem-se com a família na noite de Natal. Por outro lado, o receio da “zaragatoa”, aquele pauzinho fino e comprido a entrar pelo nariz até quase chegar à garganta e que ainda por cima tem de ser rodado várias vezes, faz com que as reações sejam muito diversas: desde os “tranquilos” que nada sentem aos “fugitivos” que, à medida que o enfermeiro aproxima a “zaragatoa” do nariz, vão recuando e recuando com a cabeça, chegando mesmo a fugir da cadeira. Merecia que se fizesse um filme da reação das pessoas ao aproximar da zaragatoa. Não valem as imagens do presidente da república, o doutor fulano de tal ou outras figuras mediáticas a serem testados porque, como sabem estar a ser filmados e querem ficar bem na fotografia, fazem da fraqueza força e muitas vezes parecem o que não são. Interessantes e dignas de serem vistas são as reações do cidadão comum quando o enfermeiro levanta o braço com a “arma na mão” muito bem apontada a um dos buracos da “penca”. Há de tudo, como numa guerra quando começam os primeiros tiros. O comportamento de cada um só se vê lá com as primeiras valas a zumbir como mosquitos. Os que pareciam fortes enterram a cabeça ao estrondo da primeira bojarda enquanto os lingrinhas que ninguém dava nada por eles comportam-se como se andassem num parque de diversões. Com a zaragatoa pela frente há os que começam por recuar até não poderem mais, desviam o nariz “fugindo com o buraco à zaragatoa”, tremem, suam e até chegam a empurrar o braço do enfermeiro, quando não a agredi-lo. Alguns vão por ali fora já com o ”palito” meio enfiado, meio por enfiar, enquanto outros berram, gritam e choram como se estivessem a ser executados. Pelo contrário, há crianças de 3 e 4 anos a portarem-se como (deveriam) os adultos, pessoas que aceitam a testagem com tranquilidade e sem qualquer reação de desconforto.  Se há técnicos que são pacientes e, para descontrair o cliente mandam abrir a boca e respirar por ela, outros há que metem o “pau” à pressa porque não há tempo a perder e são muitos os candidatos à espera. O caso mais curioso que conheço é interessante:   

“O homem entrou no “ponto de testagem” completamente desvairado e nervoso, manifestando desde logo uma grande impaciência. Quando a enfermeira lhe fez a primeira abordagem na tentativa de o fazer descontrair como era habitual com todas as pessoas que ali entravam e que, na sua maioria, entravam muito tensos, ele começou logo a falar: “Ó senhora enfermeira, eu só quero que o meu teste dê positivo. Arranje lá isso da melhor maneira porque eu tenho de chegar a casa e poder dizer ao meu pessoal que estou com Covid”. A enfermeira achou estranha a pretensão daquele homem, pois era a primeira vez que alguém queria e fazia questão de estar infetado. Quando toda a gente ao fazer o teste ia sempre com a esperança de não ter Covid-19 mesmo quando os sintomas já eram evidentes e a maioria manifestava preocupação ao saber-se infetado, havendo casos de quem chorava por não poder viajar, ir trabalhar ou reunir-se com a família na noite de Natal, este “caramelo” pedia a “todos os anjinhos” que o resultado do seu teste fosse o contrário do desejo dos outros clientes. “Não estou a perceber”, dizia a enfermeira. “O senhor é a primeira pessoa que me aparece aqui a rezar para que o teste dê positivo. Já agora, diga-me lá porquê”. E então o homem desabafou: “Olhe menina, lá em casa está toda a gente infetada. Está a minha mulher que se encontra isolada num quarto, está o meu filho isolado noutro quarto e também a minha filha enfiada no quarto dela. Lá em casa sou eu o único não infetado. Por isso, sou eu que tenho de cozinhar e levar de comer aos três, tenho de lavar a loiça e a roupa e até passar a ferro, eu que nunca fiz nada dessas coisas. Além disso sou o moço de recados de serviço para tudo: “Ó pai traz-me água”, “Ó pai vai-me buscar aquele livro”, “Ó João vai dar de comer às galinhas e ao porco”, “não te esqueças de ir ver se há correio”. É sempre isto, dia e noite, e eu já não posso mais, já não aguento um único dia mais. Veja lá que eu já ando nisto há dois dias! Está a ver porque é que eu quero que o meu teste dê positivo? É que só assim eu posso chegar a casa, chamá-los e dizer-lhes que acabou o isolamento. Passamos a ficar todos isolados, mas é do exterior. E eles já podem trabalhar e eu não sou mais obrigado a trabalhar para eles. Estou farto até cá cima e preciso de descanso”.

Depois do teste feito e quando a enfermeira lhe disse o resultado, ele suspirou de alívio porque, nessa noite, já podia dormir descansado: o teste dera positivo. A novidade, que seria má para a grande maioria das pessoas, afinal era boa para alguém … 

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