Máscaras, vacinas, confinamentos, distanciamento social, isolamento e perda de pessoas que amamos fazem deste 2021 um segundo ano difícil e desafiador para todos nós, adultos e crianças. Chegados aqui já perto do final de ano e num momento tão especial, seremos nós capazes de recuperar e manter o espírito de Natal, as suas tradições e nossas memórias do reencontro familiar, da alegria do convívio com os entes queridos, numa partilha de sentimentos e emoções? Cabe a todos e cada um de nós fazer tudo, mas mesmo tudo, para preservar aquela que é, provavelmente, a data mais universal da humanidade e, muito especialmente, do mundo ocidental.
Natal é tempo de dar primazia à família sobre o trabalho, da partilha sobre o egoísmo, do amor sobre o ódio. É altura de dar expressão a valores como a gratidão, bondade, amizade e amor. É a oportunidade de agradecer tudo o que temos em vez de reclamar pelo que nos falta. Fazer sentir “ao outro” que nos importamos com “ele”. E, quem sabe, se vamos ter neste Natal mais motivos para comemorar e agradecer por estar com aqueles que realmente fazem parte da nossa vida.
Charles Dickens escreveu que “o Natal é um tempo de benevolência, perdão, generosidade e alegria. A única época no calendário do ano, em que homens e mulheres parecem abrir livremente os corações de comum acordo”.
Há uma realidade que não podemos ignorar nestes nossos dias, fruto de um marketing e publicidade arrasadores: o Natal está demasiado capturado pelo materialismo e consumismo desenfreados capazes de fazer esquecer a muita gente a verdadeira mensagem e significado do Natal. Desde bem cedo as crianças aprendem a conhecer o velho de barbas brancas e fatiota vermelha e a árvore enfeitada de luzinhas e bonecos aos quais associam a visão de prendas, sejam brinquedos ou outras atrações infantis, além da “ideia” de Natal. E crescem, passam a adolescência e tornam-se adultos quase sem que os pais (católicos) lhes ensinem quem é o verdadeiro protagonista do Natal e qual o seu significado, hoje relegado para plano secundário pelos “produtos de marketing” que o mercado criou e vende em grande, à boleia de um “Menino nas palhas deitado” feito mensagem de amor. É certo que há Natal no palácio entre fogo de artifício, vestidos de seda e de prendas caras, nem sempre bem apreciadas. É Natal na casinha mais modesta, onde a mãe coloca em cada meia uma pequena lembrança. É Natal na avenida com o comércio a abarrotar de gente, tal como nos caminhos rurais enlameados. Mas o mais querido e verdadeiro está em cada um de nós, na consideração e bondade, na esperança renascida de novo para a paz e entendimento entre os homens e as nações, no calor que envolve o coração das pessoas, na generosidade de partilhá-la com os outros e a vontade de seguir em frente. E, sobretudo, no que somos capazes de fazer por alguém, mesmo que da forma mais simples.
Eu gosto muito da história real de Jack Canfield por ser um excelente exemplo de como encontrar o espírito natalício, naquilo a que chama com propriedade “o envelope na árvore”.
“É somente um pequeno envelope branco pendurado na árvore de Natal, sem nome, sem identificação, sem dizeres. Esconde-se entre os galhos da árvore há cerca de dez anos e tudo começou porque o seu marido Mike odiava o Natal, não o verdadeiro sentido de Natal, mas a mercantilização da data: gastos excessivos, compra de inutilidades, a corrida frenética de última hora para comprar uma gravata para o tio Harry, o talco da avó, os presentes dados com ansiedade desesperada por não terem pensado em nada melhor. Sabendo como ele detestava esse consumismo inútil, um ano pôs de lado as tradicionais camisas, casacos, gravatas e coisas do gênero e procurou algo especial só para o Mike. A inspiração veio de forma invulgar. O filho Kevin, de 12 anos, fazia parte da equipa de luta livre da sua escola. Pouco antes do Natal, houve um torneio contra uma equipa patrocinada por uma igreja da zona pobre da cidade, a sua maioria formada por negros que usavam tênis muito velhos em contraste com os tênis especiais e uniformes azuis novinhos em folha da equipa do filho. Quando o jogo começou, Jack ficou preocupada ao ver que os miúdos da outra equipa estavam a lutar sem o capacete de segurança para proteção dos ouvidos, um luxo a que os “pés-descalços” não se podiam dar. No final, a equipa da escola de Kevin ganhou em todas as categorias, apesar do empenho demonstrado pelos derrotados. Mike ficou triste por eles não terem vencido pelo menos uma vez para manterem o ânimo e manifestou à mulher a sua preocupação pela desilusão das crianças, pois tinha sido técnico de muitas delas. Foi aí que Jack teve a ideia para o presente dele. Nessa tarde foi a uma loja de artigos desportivos e comprou capacetes de proteção e tênis especiais que enviou, sem se identificar, à igreja que patrocinava a equipa adversária e, na véspera de Natal, colocou um envelope na árvore com um bilhete dentro, contando a Mike o que tinha feito e que esse era o seu presente para ele. Quando leu a mensagem de Jack, o rosto de Mike iluminou-se com o mais belo sorriso pela generosidade da sua mulher, enquanto as lágrimas saíam sorrateiramente dos olhos. Nos anos seguintes, a cada Natal Jack fez da dádiva uma tradição como prenda natalícia do marido: comprou bilhetes para o jogo de futebol que enviou a um grupo de jovens com problemas mentais; noutra vez enviou um cheque para dois irmãos que tinham perdido a casa num incêndio na semana antes do Natal; e em outros anos ajudou mais pessoas que precisavam. O tal envelope passou a ser o momento alto do Natal daquela família. Era sempre o último presente a ser aberto na manhã do dia de Natal. Os filhos já deixavam de lado os seus brinquedos e esperam ansiosamente que o pai tirasse o envelope da árvore e revelasse o que havia dentro. As crianças foram crescendo, os brinquedos foram sendo substituídos por presentes para a sua idade, mas o envelope nunca perdeu o seu encanto. Porém, um dia o pai Mike perdeu a luta contra um cancro, deixando Jack e os três filhos de repente. Quando chegou o Natal ela ainda fazia o luto e mal conseguiu montar a árvore. Mas, na véspera de Natal, não deixou de colocar o tradicional envelope na árvore. Qual não foi a sua surpresa quando ao outro dia encontrou mais três envelopes pendurados na árvore. Cada um dos filhos, sem os outros saber, tinha colocado um envelope na árvore com a sua prenda para o pai que, estando longe, estava sempre presente” … Como ela disse, “vamos todos lembrar Jesus, que é o motivo desta comemoração e o verdadeiro espírito de Natal, este ano e sempre” …