O desejo principal da maioria das pessoas é ser rico e famoso. É por isso que passamos a maior parte do nosso tempo útil a trabalhar, se bem que o tenhamos de fazer para sobreviver. No entanto, deixamos que nos impinjam montes de bens sem os quais viveríamos melhor, porque não nos damos ao trabalho de parar para ver e reconhecer que não passam de inutilidades e que nos obrigam a trabalhar mais para as comprar. E sonhamos ser muito ricos e ter muito dinheiro para comprar e comprar coisas de que tantas vezes nem usufruímos e que acabam por ficar encostadas, pois a “felicidade estará sempre naquilo que ainda não temos”. Quantos da minha geração e seguinte se iludiram ao construir casas enormes com todas as modernices da moda e que hoje se confessam arrependidos ao verem-se sozinhos num casarão porque os filhos se foram, sem conforto, de manutenção cara e insustentável para a qual têm de consumir “tempo de vida”, já que dinheiro é “tempo de vida a trabalhar”. Todos dizem o mesmo: “Foi uma estupidez”. No entanto continuamos a educar os filhos para “serem ricos, em vez de os educar para serem felizes”.
Costumo dizer que “não nascemos para trabalhar, mas sim para viver e, sobretudo, para ser felizes”. O trabalho é só uma necessidade, mas não pode ser o objetivo. No entanto, confundimos demasiadas vezes trabalhar com viver. Será que vivemos em pleno? E seremos felizes? Não me parece ser essa a regra, porque viver é um dom dos que, além de respirar, sabem aproveitar a vida. E não são a maioria …
Hoje encontrei um amigo de longa data, um pouco mais velho do que eu a quem a doença roubou a companheira. Toda a vida foi homem de trabalho e construiu a situação económica que lhe permite viver o resto dos seus dias sem grandes preocupações. Mas manifestou-me a mágoa de se ver abandonado pelos filhos de quem não recebe visitas nem afeto. E um grande arrependimento por ter passado a vida quase só a trabalhar, sem férias, sem lazer e sem chegar a viver de verdade. “Se pudesse voltar atrás teria feito tudo de forma diferente porque o dinheiro, afinal, não é tudo. Vivi a vida pela metade”, concluiu ele. O meu amigo “Joaquim” acordou muito tarde. Quando agora quer gozar “a viagem”, merecidamente, já não tem saúde nem companhia …
Lembro-me muitas vezes do “Canica”, já ele homem quando eu ainda era criança e com quem me cruzava muitas vezes. Só lhe conhecia o apelido e, pelo que me diziam, era pobre e com vários filhos quando ser pobre queria dizer isso mesmo. Sempre o vi alegre, entusiasmado e com ar de quem vende felicidade, ainda que a vida não lhe deva ter dado razões para a ter. Mas tinha. Deixou uma lição que Ana M. Braga traduziu em poucas palavras: “Não espere ter tudo para aproveitar a vida, se você já tem a vida para aproveitar tudo”. Até porque “o maior sucesso na vida é ser feliz”. Aliás, é um direito que todos temos.
Há dias num concurso televisivo, uma mulher de 30 anos apresentou-se para cantar e mostrar o seu talento. Muito magra, mas com olhos brilhantes e um enorme sorriso, quando lhe perguntaram o que fazia na vida, respondeu que há três anos vivia a combater um cancro que já se estendera a vários órgãos do corpo. A seguir cantou e encantou a todos com uma música da sua autoria alusiva à sua história de vida que fez levantar o público e o júri. Depois dos comentários de quatro jurados soube-se que ela já só tinha 2% de probabilidades de viver: “2% é melhor que 0%” argumentou, com um sorriso convicto de que esses 2% valiam muito. Quando lhe perguntaram pela razão de estar ali, disse: “Não podemos esperar que a vida deixe de ser difícil para decidirmos ser felizes”. As suas palavras calaram o público, deixaram os jurados sem palavras e são uma lição para todos nós que fazemos da pequena chatice um grande problema capaz de nos impedir de gozar a vida …
Charles Chaplin dizia que “não existe coisa melhor no mundo do que viver, curtir e gozar a vida, que passa rápido e daqui não levaremos nada, a não ser toda a experiência e as amizades”. Receio que não nos sirva de nada a “experiência” quando formos “embora”. Mas já aceito que devemos gozar a vida enquanto estamos vivos, pois vamos estar mortos durante demasiado tempo. Porque, “que adianta estar vivo, se ficarmos em casa fingindo que estamos mortos”?
O espanhol Júlio Iglésias tinha quase tudo para fazer uma carreira de sucesso como jogador de futebol, pois sempre teve aptidões especiais para o desporto, tendo chegado a jogar durante cerca de cinco anos no Real de Madrid na posição de guarda-redes. No entanto terminou de forma abrupta a carreira futebolística quando sofreu um acidente terrível de viação ao conduzir com excesso de álcool, devido a lesões graves nas pernas e braços, das quais nunca recuperou totalmente, apesar de ter escapado às previsões mais pessimistas que o davam como tetraplégico. Mas, como “quando se fecha uma porta Deus abre uma janela” e assim “uma tragédia pode ser transformada numa boa oportunidade”, durante o longo período de convalescença começou a escrever poemas românticos. A enfermeira que o tratava achou-os tão bons que acabou por lhe arranjar uma viola para ele os musicar, dando início a uma carreira de cantor e compositor excecional que o levou a ter mais de 250 milhões de discos vendidos, 2.600 discos de ouro e platina e com milhares de espetáculos por todo o mundo, além de lhe terem sido atribuídos numerosos prémios, tornando-se o mais bem-sucedido cantor sul-americano de sempre.
A partir de certa altura da sua vida Júlio Iglésias passou a valorizar e desfrutar mais da sua vida pessoal e familiar, o que se veio a refletir nalguns temas dos seus discos, com mensagens diretas no sentido de que a vida deve viver-se em pleno, porque não basta andar por cá, ser mais ou menos famoso, acumular mais ou menos dinheiro, sendo que o mais importante é gozar a vida. Transcrevo a letra de uma das suas canções traduzida para português, pela mensagem que nos dirige:
“Deixa que te conte um pouco/ pois sei que vais gostar.
Eu já nasci tantas vezes/que não quero morrer mais.
Eu salvei-me em tantas guerras/estou cansado de chorar
E agora que estou de volta/quero viver mais.
Uns, nascem com tudo/e outros, quase sem nada,
Mas todos trazemos um bilhete, que diz/princípio e final, cavalheiro.
Cavalheiro, há que gozar a vida/que depressa o tempo se vai,
Desfruta do que tens/que quando te fores não levas nada, cavalheiro.
Há amigos para sempre/outros vêm e vão.
Mas todos vivemos numa roleta/que não para mais, cavalheiro.
Caminha p’ra diante/e não tenhas medo,
Que os que criticam/criticam-se a eles.
Busca a tua sorte/pois nada está escrito/e não olhes para trás.
Cavalheiro, goza-te da vida/cavalheiro, e não penses mais.
E vive o que podes/cavalheiro goza/vive até ao final.
Cavalheiro, há que gozar a vida/que depressa o tempo se vai,
Desfruta do que tens/que quando te fores não levas nada, cavalheiro”.
Neste mundo louco de correrias é caso para perguntar se cada um de nós alguma vez parou para pensar e fazer uma escolha. E, afinal, qual seria a sua opção se pudesse escolher entre ser rico ou ser feliz?