Sejamos dignos de ser seus donos …

No meu escritório há sempre um animal de estimação acolhido pela Teresa a passear-se entre a mobília e as tralhas ou a dormir no ninho. Desta feita é um gato, o “Mia”, que se rebola no chão quando alguém entra, talvez a querer conquistar-lhe o coração para o adotar e salta para o meu colo mal me sento na cadeira. Hoje quando brincava com ele, esticou a pata e as unhas riscaram-me ligeiramente a cara. Será que devia levar umas sapatadas ou duas vassouradas para aprender? Ou merecia mais? Refiro-me a mim, que o provoquei e ele reagiu … Cães e gatos foram retirados da natureza e tornaram-se totalmente dependentes dos humanos. Compramos alimentos e medicamentos, tratamos-lhes da saúde e higiene, decidimos qual os momentos de brincar ou passear e todas as regras da casa. Por isso, temos de ter a consciência que conviver com um animal de estimação custa caro e dá trabalho. Uns e outros precisam de rações especiais, objetos para brincar, distrair-se e descansar, consultas veterinárias regulares e os banhos necessários. Não têm de ser tratados como filhos, mas como companhias de casa e da vida. Exigem ter disponibilidade, atenção e afeto, ao partilharem a vida com os homens. Não são objetos, ocupam muito espaço e dão trabalho. E são seres vivos que têm direito à vida, à integridade física e a ser bem tratados pelo seu dono, sendo que a lei até já prevê pena de prisão ou multa para quem não o faça. Infelizmente, ainda há muitas pessoas que lhes atribuem o estatuto de “coisas” e acham-se com o direito de os maltratar, abandonar ou matar como se não estivessem a praticar um crime. Mas estão …

A Teresa adotou há anos uma cadelinha e ainda hoje, sempre que vê uma vassoura por perto foge e esconde-se num qualquer recanto. Porquê? Porque os seus primeiros donos a adotaram por impulso era ela ainda bebé. Sempre que saíam do apartamento para as suas vidas, prendiam-na numa pequena arrecadação onde ficava horas e horas seguidas, fechada e só. Como seria natural, quando os donos do cão chegavam a casa encontravam a arrecadação suja com urina e dejetos já que o pequeno animal não tinha como não o fazer ali. Para despejar a sua raiva, aquela gente batia no pequenino animal com a vassoura. Ao adotá-la, a Teresa acabaria por a libertar desse inferno, embora ainda mantenha o trauma da vassoura pelo seu significado, apesar de ser acarinhada pelos novos donos que lhe deram uma vida “digna de cão”, tendo ela retribuído em companhia, fidelidade e amor. 

Eu pensava que já tinha visto de tudo, tanto para o bem como para o mal, mas estava muito enganado. E de que maneira. Se o ser humano é capaz de realizar grandes ações que nos sensibilizam e comovem, não deixa também de cometer maldades que julgava impensáveis no século XXI, reveladoras de mentes maquiavélicas, sádicas e doentias. Pensando bem, nós não conhecemos realmente as pessoas, porque o ser humano é o mais imprevisível dos animais. Mahatma Gandhi dizia que “a grandeza de um país e o seu progresso podem ser medidos pela maneira como trata os seus animais”. E, se olharmos como uma boa parte da nossa sociedade os trata, temos montes de razões para não acreditar na bondade humana … 

Aquela família já conhecia de vista o cachorro traçado de Labrador, com 4 a 5 meses que andava a deambular perto de casa. Porém, o animal era esquivo e só quando ficou sem forças o filho conseguiu aproximar-se e agarrá-lo. Puderam então ver a violência do que lhe haviam feito. Ao pegá-lo no colo ele gania de dor e sofrimento porque o pobre coitado estava esquelético, cravejado de pulgas e carraças e sem forças. O mais grave viram-no já no veterinário, ao observarem a brutalidade dos danos provocados por uma “besta humana” qualquer que torturara o cão indefeso de forma inimaginável. 

Num requinte de malvadez, começou por fazer do corpo do cachorro um cinzeiro onde apagou dúzas de vezes o cigarro deixando-o coberto de queimaduras, num ritual que ultrapassa todos os limites do racional. Esse monstro permitiu-se fazer-lhe uma fiada de queimaduras do alto da cabeça até à ponta do focinho, numa tatuagem gravada a fogo que não lembraria ao diabo, para além das muitas outras espalhadas em todo o corpo. E, ainda não satisfeito com tudo isso, regou o animal com um líquido inflamável, talvez gasolina, e chegou-lhe fogo, abandonando-o para ser consumido pelas chamas de um crime abominável. Por sorte, o fogo só lhe queimou parte das costas até ao rabo. Até custava ver e acreditar que alguém que se diz um ser humano descesse a um nível moral tão baixo. Só uma mente amoral, isto é, sem qualquer sinal de moralidade, seria capaz de um ato tão bárbaro. E para uma “besta” destas sentir minimamente a extensão do sofrimento que o seu ato causou ao cão, só podia haver uma pena: receber como “pagamento” em dobro tudo o que fez àquele animal inocente …

A família que resgatou o animal assegurou-lhe cuidados sanitários e acolheu-o em casa para uma recuperação de 6 meses, embora o cão nunca se tenha conseguido livrar dos traumas da maldade humana. Sendo a intenção cuidar dele até estar em condições de ser adotado, após a recuperação não foram capazes de o deixar ir e adotaram-no, pois Gipsy (o nome que lhe deram) conquistou o coração dos seus salvadores e integrou aquela família a quem retribui em dedicação e fidelidade, apesar de não ter voltado a ir à rua nem sequer sair do portão da casa, que passou a ser o seu refúgio e porto de abrigo. 

Está provado que os animais sentem medo, dor, sofrimento, emoções positivas, prazer e até vergonha, além de outros sentimentos. Não são coisas e, tal como nós, querem viver bem. São dotados de consciência e inteligência e capazes de vivenciar experiências que, até há pouco tempo, eram consideradas exclusivas dos seres humanos. Mais ainda, por força da lei, finalmente, já têm direitos e estão protegidos (se a lei não for daquelas que é só para encaixilhar). Mas sozinhos não podem fazer valer os seus direitos e interesses, cabendo assim aos humanos encontrar respostas às muitas questões que surgem quanto aos seus direitos e o mesmo é dizer, a cada um de nós assumir a sua defesa. Só assim poderemos continuar a evoluir como sociedade no respeito uns pelos outros, inclusive pelos nossos animais de estimação.         Ou então, não seremos dignos de ser seus donos … 

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