Quem não chora, não mama …

Diz a experiência que chorar é a primeira manifestação de qualquer ser humano quando vem a este mundo. Provavelmente isso acontece porque, depois de terem vivido durante meses num “meio protegido” onde nada lhes falta, ao “darem de caras” com a realidade do local onde vieram parar, choram e berram como querendo dizer “deixem-me voltar lá para dentro” … Se a maioria soubesse antecipadamente ao que vem, recusava-se a nascer, “fincava” os pés nos bordos antes da saída só para continuar a viver no “bem bom” … É por isso que há os defensores da teoria que devemos chorar quando a pessoa nasce e não quando morre porque, mau, mau, é andar aqui neste mundo. Já William Shakespeare dizia: “choramos ao nascer porque chegamos a este imenso cenário de dementes” … 

Desde bem cedo o choro faz parte da nossa condição humana e serve para revelar sentimentos distintos como alegria e tristeza, emoção e raiva, riso e medo, depressão e saudade, aflição ou … que estamos a cortar uma cebola crua. Também é um meio muito usado como forma de chantagem, de atingir determinados objetivos simulando falsos sentimentos, algo em que se tornaram especialistas as crianças e … as mulheres, embora alguns homens também o usem esporadicamente, mas com interesses bem diferentes daquelas!!!

Chorar não é só a primeira forma de manifestarmos uma emoção, mas também a mais elementar. Enquanto crianças, choramos por alguma dor física, por falta de segurança ou para chamar a atenção. Daí o choro quando se está com fome, em sofrimento ou sozinho. E, sendo a primeira forma de expressão, a criança quando está com fome chora, percebendo depressa e por instinto que “se não chorar, não mama”. Nada de anormal, pois acontece com todos os mamíferos. E isso só passa a ser um problema quando essa atitude se prolonga ao longo da vida toda. Aí, algo está errado. Não deixa de ser curiosa a forma como os bebés aprendem rapidamente a fazer do choro uma arma terrível que disparam de forma infalível contra os progenitores nos momentos críticos. Quando a mãe está a meio do cozinhado que não pode largar, com o pé na porta para ir à rua ou a abrir a torneira do duche, o bebé solta bem lá do fundo aquele choro estridente que andou a ensaiar durante nove meses na barriga da progenitora, em registo esganiçado que a faz largar tudo e correr para a criança como se ela estivesse a morrer. A verdade é que, com essa arma que nada tem de secreta, conseguem (quase) sempre o que querem e criam o hábito de a usar à medida que vão crescendo, com exigências tolas e imperiosas de que não abdicam, transformando-se bem cedo nuns pequenos ditadores impossíveis de calar, contrariar e pôr na ordem. E os paizinhos rendem-se incondicionalmente, passando de chefes da manada a súbditos apeados do poder …  

Fui educado numa sociedade em que se dizia às crianças do meu sexo que “um homem não chora” e mais ainda, “chorar é para as meninas”. Por isso, os homens continham as lágrimas nos momentos de estado emocional alterado como no medo, na tristeza, na raiva, na saudade, na alegria intensa ou na depressão, naquelas ocasiões em que as emoções fazem com que as lágrimas escapem dos olhos sem pedir autorização. Houve uma época em que entre as classes abastadas o choro passou a ser contido e efetuado em áreas restritas à intimidade de cada um. Criou-se o hábito de não verter lágrimas publicamente. Foi por essa razão que apareceram as “carpideiras”, as choradeiras profissionais substitutas dos fidalgos para quem não era de bom tom chorar em público, mesmo que fosse no enterro de um filho. 

Nos dias de hoje ainda são as mulheres e as crianças quem chora com mais frequência, as primeiras por emoção quando não por estratégia e as outras para revindicar o que precisam ou desejam. No entanto, já é comum ver homens a deixarem correr as lágrimas livremente sem as conter, ao contrário dos meus tempos de infância. E à medida que envelhecemos ficamos mais sensíveis a histórias de vida ou imagens e, quando damos por isso, as lágrimas correm-nos no rosto. Por isso, já acho normal sentir os olhos húmidos diante de alguma coisa que vejo, ouço, me sensibiliza e emociona. Até a ler tenho sido obrigado a parar com os olhos marejados de lágrimas como uma “madalena”. Dizem que as lágrimas aliviam a alma e um bom choro vale mais que doses de tranquilizantes. Não quer isto dizer que desatemos a chorar a torto e a direito sempre que tivermos um problema ou preocupação pois, se fosse assim, havia de ser lindo …

O provérbio “quem não chora não mama” faz todo o sentido para as crianças, porque é a forma de chamarem a atenção da família de que querem mamar para se alimentar. Continua a fazer sentido com os jovens adolescentes, se bem que em muitos casos já nem precisam de “chorar” para “mamar” um smartphone, computador ou quando não um automóvel para ir “trabalhar”. É especialmente importante para quem trabalha por conta dum patrão pois se não “chorar” da forma adequada para ser ouvido por quem de direito, muitas vezes não vê o seu mérito reconhecido e assim “mamar” mais um pouco no fim do mês. Como o é na prática para os compradores se não “marralharem” os preços; municípios se não “chorarem” junto do governo central tal como juntas de freguesia perante os municípios; os sindicatos se não reivindicarem melhores salários e regalias para os seus filiados; além de muitas outras instituições que não chegam a “mamar” se ficarem caladas perante quem tem a obrigação de as apoiar

Todos eles têm necessidade de “chorar” para serem ouvidos por quem governa seja lá qual for o nível, de maneira a poder “mamar” a sua parte, quando não uma parte maior do bolo que há para distribuir. O problema para todos eles, desde as crianças aos municípios, das pessoas às regiões, é se aqueles que querem sensibilizar com o seu choro “fazem ouvidos de mercador” por não pertencerem à mesma “família” seja ela qual for vendo assim o seu “choro cair em saco roto”. E, se é esse o caso, não valerá a pena insistir porque, por muito que eles choraminguem, chorem ou se desfaçam em lágrimas, baba e ranho, vão ter de ficar a “chuchar no dedo” ainda que façam birra, enquanto veem os outros “mamar” à grande …  

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